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E foi num fim de tarde quente, desses em que você vagueia pela casa vazia e vai até a geladeira diversas vezes para abrir a porta e não tirar nada de dentro, que ela resolveu sair.
Passara um pouco das 18h. Havia muita gente nas calçadas, muitos carros nas ruas e muita solidão percorrendo o ar. A moça do apartamento número sete pensou em cantar enquanto passeava alheia ao mundo, mas a sinfonia da noite era feita de silêncio.
Tinha saído de casa com a roupa do corpo, uma bolsa com a carteira, um estojinho de maquiagem e pouco dinheiro. Morava com o marido e dois filhos num desses apartamentos pequenos, de dois quartos e sem espaço para muitos móveis, o que dirá para ser feliz.
Conheceu o esposo ainda adolescente. Eram vizinhos de porta. Os pais levavam na brincadeira de criança aquele namoro e viram, com o passar do tempo, a filha casar grávida e deixar de lado os planos e sonhos para mudar-se para a casa ao lado.
O tempo passou e a adolescente de cabelos negros, pele alva e muitos pretendentes, agora era uma mulher de meia idade, pouca vaidade e algumas fantasias na cabeça. O mundo era aquilo, sem mais, nem menos.
A noite chegara rápida com sua escuridão. Os filhos estavam na época em ficar o dia inteiro fora de casa e ela não se sentiu mal em deixar o celular em casa e nenhum recado para o marido. Parou num bar e bebeu sozinha, sentada numa mesa de canto, três cervejas, enquanto olhava o movimento do lugar. Sua presença só era notada pelo garçom.
Num rompante, pagou a conta e desceu a rua próxima à praça. Acabou caindo na estação de um metrô. Enfrentou uma fila grande para comprar o bilhete e entrou junto com uma pequena multidão que saía do trabalho na linha verde.
Empurrada, ficou ainda tonta com o efeito da cerveja e aquela falta de ar ou, melhor dizendo, a mistura daquele ar no espaço apertado. Não tinha rumo certo. Queria, presa naquele trem, ser levada para um destino que nem nome ela sabia qual era.
Na terceira estação, em pé e segurando com dificuldade a barra de apoio, ela sentiu um homem de pele grossa e respiração forte chegar ao seu lado. No meio do trajeto o trem parou. Enquanto o problema era resolvido e as luzes estavam baixas, ela, sem querer olhar para trás e ver o rosto daquele homem, foi sorrateiramente deslizando as pernas e encaixando seu corpo ao dele. Este por sua vez correspondeu de imediato o que ela queria e colocou a mão pesada sobre sua cintura encaixando o ventre dos dois e iniciando um movimento discreto de vai e vem com a boca dele chegando perto do seu pescoço e a respiração ofegante dele aumentando com o tempo.
As luzes acenderam. O trem iniciou a partida e em pouco tempo estavam na próxima estação. Ela tirou com rapidez as mãos dele e saiu empurrando as pessoas próximas à porta e, sem continuar olhando pra trás, ela acelerou os passos e entrou no banheiro. Lavou os cabelos e o rosto na pia e antes de voltar pra casa ela tirou o batom vermelho da bolsa, ainda com pouco uso e passou cuidadosamente nos lábios.
Voltou pra casa e o marido nem havia questionado sua ausência. No dia seguinte e nos próximos ela caprichava no batom, nas roupas novas e aguardava em casa ansiosa a hora de pegar o próximo trem da linha verde.
Leia as colunas anteriores de Guilherme Gonzalez:
15 anos-luz
Amor com escalas
Um curto diálogo
Quem é o colunista: Guilherme Gonzalez.
O que faz: ator e produtor.
Pecado gastronômico: risoto de lula e sorvete de açaí com tapioca.
Melhor lugar do Brasil: Praia de Pipa (RN).
O que está ouvindo: Todo o repertório de Djavan.
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Atualizado em 6 Set 2011.