Guia da Semana

Por Milene Spinelli

Acompanhar uma amiga numa jornada de compras de renovação do guarda-roupa, dar a maior força enquanto ela está numa dieta regradíssima e ficar sem sair uma noite para ouvi-la chorar as mágoas são algumas das provas de uma amizade fiel. Mas, como mulher é uma criatura complicada, o momento de encarar a verdade pode ser uma tragédia se a situação for delicada como contar para sua parceira que o namorado dela foi flagrado com outra embaixo dos seus olhos.

Nessa situação tensa, o seu ato de defender a amiga da sacanagem de um cafajeste pode ser entendido por ela de uma maneira inversa, acabando até com a relação de vocês, uma vez que existem mulheres que preferem a cegueira ao clarão.

Afinal, quais são os princípios da amizade?

  • Antes de ser uma relação, a amizade é uma atitude interior de saber partilhar o nosso ser, sem haver qualquer sentimento de posse.
  • Amizade requer confiança recíproca e vontade de compartilhar o que há de melhor e pior dentro de nós.
  • Atenção, respeito, lealdade, compatibilidade, afinidades e questionamento sincero para com o outro são algumas características da amizade verdadeira e madura.
  • A relação deve ter empenho mútuo, diálogo e participação ativa de ambas as partes e não ser apenas um sentimento ou emoção - é preciso também, tomar consciência daquilo que não funciona.
  • Deve haver um elo profundo, intenso e duradouro para que exista união entre as pessoas, em qualquer tipo de relacionamento.
  • Cumplicidade, honestidade e bom senso aproximam as pessoas e aumentam a intimidade e a confiança.


  • Em boca fechada não entra mosca
    De acordo com o psicólogo e pesquisador Cláudio Bacellar, há uma atitude típica de não querer admitir e enxergar o próprio problema e o jogar para cima do amigo, que só tenta ajudar. "De modo geral, acho melhor não contar. A grande maioria das traições não resulta em separação. Geralmente, as pessoas continuam com os parceiros, mas se tornam cada vez mais inseguras e ciumentas na relação. Fora que o amigo que contou a traição provavelmente ficará numa situação constrangedora diante do casal", afirma o pesquisador.

    Ser imparcial significa não tomar como suas as dores dos outros. O ideal é ouvir atentamente as reclamações da amiga traída em relação ao parceiro dela, mas não se meter. Seguir o ditado "em briga de marido e mulher não se mete a colher" pode evitar aborrecimentos futuros. "Se o casal vive em clima de lua-de-mel e a mulher é completamente apaixonada pelo marido, ela é capaz de acreditar nele e não na amiga. Mas se ela anda reclamando demais do parceiro e dá indícios de sofrer por causa das atitudes dele, talvez valha a pena intervir, mesmo que seja de forma sutil, dando alguns toques, indiretamente", completa Bacellar.

    Principais vilões do bom desempenho da amizade:

  • Esquecer que o outro é outro.
  • Exigir que a amiga tenha condutas incapazes de realizar.
  • Acreditar que se pode mudar a amiga.
  • Negar-se como pessoa única.
  • Querer que a amiga pense e goste das mesmas coisas e tenha os mesmos valores que você.
  • Manter amizades por conveniências ou segundos interesses.
  • Quebra de confiança, falsidade e notar que não se pode contar com a amiga em momentos importantes.


  • Omitir é trair?
    De acordo com o Dr. Ailton Amélio da Silva, psicólogo, professor da USP e especialista em relacionamentos amorosos, a situação é complexa. "Cada caso tem suas particularidades e o ideal é pesar as possíveis conseqüências que poderão ocorrer tanto para quem conta, quanto para a pessoa traída e para o casal. É preciso ter bom senso e levar em consideração se a traição é séria e se há envolvimento. Tentar imaginar como a pessoa agiria se a situação fosse inversa: ela consideraria a amiga desleal por não contar? - também é uma das questões a serem levantadas antes de decidir contar ou não", afirma Ailton.

    Dr. Bacellar completa: "A princípio, não contar pode soar como traição. Por outro lado, se a pessoa sabe que prejudicará o amigo porque pode piorar a situação, a omissão é uma atitude positiva. Se houver receio da consciência pesar posteriormente, o melhor é tentar esquecer a história, pois a dúvida sobre se deveria ter contado ou não pode ser eterna".

    O Guia da Semana perguntou para 100 pessoas, entre homens e mulheres de 20 a 55 anos:
    "Você descobriu que um (a) grande amigo (a) está sendo traído (a). O que faz - conta para ele (a) ou não?"

    84% dos entrevistados responderam: SIM
    16% responderam: NÃO


    A última a saber
    A gerente de produtos Carmem Mastronelli*, 45 anos, já viveu o papel da amiga traída. "Eu estava casada há seis anos, quando recebi um telefonema anônimo dizendo que o meu até então marido tinha um caso de mais de seis meses com uma colega de trabalho dele. Passei a ficar mais atenta e fui checar várias informações. Acabei descobrindo a traição e que todos os nossos amigos sabiam e não tiveram coragem para me contar. Inclusive um casal com quem eu tinha uma grande amizade, de mais de cinco anos. No começo me senti traída por eles também, mas depois passei a entendê-los. No fundo, eles tinham esperanças de que o nosso casamento melhorasse algum dia", relata.

    Quando a pessoa é amiga do casal é preciso optar por um dos dois lados, que provavelmente será o do amigo mais antigo, com quem se tem mais contato. Para o Dr. Bacellar, "a pessoa traída não costuma compreender que o verdadeiro amigo está ao nosso lado, dá a mão quando precisamos, mas nem sempre é obrigado a pensar e agir como nós. Daí vem a importância do respeito e do bom senso. Muitas vezes, sinceridade exacerbada é prejudicial. Uma convivência em sociedade seria impossível se todos falassem sempre o que pensam. Em vez de dizer para uma amiga que a roupa dela está horrível é melhor sugerir que outra cor ou modelo lhe cai melhor. Quanto menos maturidade tem uma pessoa, mais sincera em excesso (em qualquer situação), ela é. É como as crianças, que falam sempre a verdade", finaliza o psicólogo.

    Flagrou o parceiro da amiga com outra? Saiba o que analisar antes de decidir contar ou não a ela:

  • Avalie se a amiga está preparada ou não para receber a notícia e no quanto ela pode vir a sofrer. Antes de tudo é aconselhável sondá-la. Pergunte o que ela faria se fosse traída e analise a resposta.
  • Não haja por impulso! Cada situação é única e merece ser avaliada friamente, levando em consideração todas as partes envolvidas. Quais serão as conseqüências para você, para a amiga traída, para o casal e para as demais pessoas como família, filhos e outros?
  • Procure saber se a traição é séria, contínua e envolve sentimentos; se é uma aventura esporádica ou foi uma transa de uma noite.
  • Coloque na balança o tipo de relacionamento da sua amiga - se é um namoro sem futuro, um relacionamento sério ou um casamento. Se ela tiver filhos, tenha ainda mais cautela na avaliação.
  • Analise o grau de intensidade da sua amizade. Se for uma simples colega é melhor não se meter na história!
  • Se coloque no lugar da amiga. Se acontecesse o contrário, você gostaria que ela lhe contasse?
  • Baseie-se nos valores da sua amiga e não nos seus. Não exija que ela tenha a mesma atitude que você teria se estivesse no lugar dela. Se resolver contar e ela decidir continuar o relacionamento, respeite. Não alimente expectativas e não tenha a convicção de que ela precisa, necessariamente, romper com o parceiro. Em vez de cobrá-la uma separação, apóie a decisão dela, mesmo que você não concorde.
  • Analise, de modo geral, se a relação é benéfica ou não para a sua amiga. Se ela estiver num casamento abalado, que já vem dando indícios de que chegou ao fim, a traição pode ser uma forma de incentivo para ela ter uma nova vida. Se for um casamento feliz, poderá ser o início de outros problemas e sofrimentos, podendo prejudicá-la.
  • Avalie se a amiga seria capaz de terminar o relacionamento com o parceiro dela. Imagine as duas possibilidades e pergunte-se: a amizade de vocês continuaria a mesma, seria fortalecida ou colocada em xeque?


  • Serviço:

    Dr. Ailton Amélio da Silva , psicólogo, professor da USP, especialista em Relacionamentos Amorosos e autor de O Mapa do Amor (ed. Gente).
    Tel: (11) 3021-5833

    Dr. Cláudio Bacellar , psicólogo, pesquisador da PUC-SP e supervisor do curso de Psicologia da Universidade Paulista (Unip).
    Av. Paulista, 2001, 17º andar, conjunto 1701 - São Paulo, SP
    Tel: (11) 3271-8861. Celular: 7168-7333. E-mail: [email protected]


    * Os nomes foram trocados para preservar a identidade das entrevistadas.

    Atualizado em 6 Set 2011.