Foto: Getty Images |
Ela procurou sair da cidade e ficar longe de qualquer lugar com indícios fortes de civilização avançada. Digo, avançada.
Fim de ano, e logo esse ano específico, era preciso sair dos centros urbanos e de perto dos habitantes típicos dessas cidades. Aqueles que fogem em firmar compromisso com alguém, que não ligam no dia seguinte ou simplesmente não notam que você cortou o cabelo, ainda que sejam somente "dois dedinhos".
O ano que passou não rendeu romances que mereçam ser lembrados ou pensados em investir novamente no ano seguinte.
Junto com a família, procurou esconder-se numa pousadinha próximo ao litoral. Nada muito chique, mas também nada de "casa no campo, onde pudesse compor muitos rocks rurais". Um quartinho interessante com ar condicionado, um frigobar, uma rede na varanda e claro, internet. A idade nos torna seletivos e exigentes, ouvi isso em algum lugar.
Vez ou outra ela entrava rápido nas suas páginas virtuais sem dar chance para bater bate-papo com ninguém. Definitivamente queria sumir, ver se despertava saudade nas amigas pelo menos.
Chegava a ficar irritada quando lia as mensagens e fotos dos outros publicando suas viagens às praias, Rio de Janeiro, Floripa, Nordeste. Tudo era muito mais interessante que seu retiro voluntário. Seu consolo era lembrar que ela mesma sempre aumentava um pouquinho sua rotina nessas páginas.
Quando escrevia algo do tipo "Em casa com amigos tomando vinho, comendo queijo e divagando sobre a vida" nada mais era que "Em casa com a amiga tomando umas "brejas" e falando de homem, óbvio".
Armada a tira-colo de todas as simpatias possíveis para passar a virada de ano ela vestiu o vestidinho branco de babados no centro e soltinho abaixo dos seios pra disfarçar os quilos adquiridos no Natal, a calcinha amarela pra atrair dinheiro e uma sandália baixa, e separou a garrafa de champanhe, a lentilha e as doze uvas e estava pronta também para esperar o momento de pular as sete ondas e seguir o restante do ritual.
Como de praxe, isolou-se de todos e bem antes da meia-noite, na varanda vendo alguns fogos precipitados como trilha, ela repensou a vida que passara naquele ano que encerrava ali.
Colocou na cabeça que o próximo ano iria pedir coisas simples, olhar menos para o espelho, ficar atenta a dias ensolarados e também para os dias chuvosos sempre com alguma coisa em mente para fazer. Não ia mais pensar que trinta e poucos anos solteira era o fim do mundo, que as trufas de chocolate podiam sim serem comidas sem culpa, que um livro com mais de cem páginas não iria ser lido mais à prestação, iria marcar com seu dermatologista pra ver se aquela pinta grande era normal e que garotos com menos de vinte e cinco não receberiam nem seu número de telefone.
Ouviu um barulho de porta se abrindo e de um dos quartos saiu uma loira (tinha que ser) daquelas i-n-s-u-p-o-r-t-a-v-e-l-m-e-n-t-e lindas e felizes. Cabelo bom, mais alta que ela e irritantemente usando um vestido simples mais que marcava suas formas e sua ausência de panettone no corpo.
Pediu para mãe esperar por ela no saguão e correu para o quarto.
Pouco antes da meia-noite, ela passava na frente de um grupo de rapazes ainda com marcas de espinha no rosto e da loira que cruzara sua frente. Vestido vermelho, saltos altíssimos, bolsa com o celular, o espelhinho, gloss e por baixo a cinta comprada pela internet do Dr., que promete reduzir medidas. Realmente aquela entrada de ano precisava ser diferente.
Quem é o colunista: Guilherme Gonzalez.
O que faz: ator e produtor.
Pecado gastronômico: sorvete de cupuaçu.
Melhor lugar do Brasil: São Paulo no feriado.
O que está ouvindo: Maria Gadú.
Fale com ele: [email protected]
Atualizado em 6 Set 2011.