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É regra: quem escreve gosta de observar. Como passei alguns dias na Ilhabela na virada do ano, pensei em observar o verão brasileiro ao melhor estilo James Stewart, diretamente da minha cadeira de praia indiscreta. Mas o negócio é que não havia nada de novo, só sentia falta do cheiro de citronela no ar, aquele cheiro da Ilhabela da minha infância, que havia sido substítuido pelo cheiro de Off. Havia também as águas-vivas da Praia Grande nas manchetes dos jornais. Ainda sem apelo suciente. Daí topei com um artigo de um correspondente gringo que resolveu passar as férias por aqui, mais precisamente no Rio de Janeiro.
Roger Cohen, jornalista inglês do New York Times e do International Herald Tribune, abre o seu texto dizendo como é "bom começar o ano em um país onde os cocos são abertos graciosamente a golpes de facão, onde o ar exala um aroma salgado-adocicado, onde os homens na praia fazem parte do ´clube-de-surfe-da-vida-curta´ e ministras do turismo pedem aos estressados com as longas filas dos aeroportos que relaxem e gozem". Chamava ainda o Brasil de Estados Unidos tropical. Pronto. Já tinha o que escrever.
Subitamente não estava mais na Ilhabela e nem na República Federativa do Brasil, estava passando as férias nos Estados Unidos do Brasil. Caminhávamos pela orla eu e meu olhar estrangeiro. Passei a observar fascinado a habilidade com que os nativos abriam aquele enorme fruto verde-tropical e faziam jorrar uma água fresca salgada-adocicada. Sorria quando tirava da carteira aquelas notas cor-de-rosa ilustradas com macacos e outros bichos exóticos. Sem o telescópio do filme de Hitchcock, mas com óculos escuros, olhava aqueles biquínis minúsculos e agradecia aos céus a chance de passar as férias abaixo do Equador.
Voltei ao texto do jornalista, que, entre um pequeno clichê camarada e outro, chama o Brasil de um país que consegue equilibrar sua sensualidade com a seriedade de uma economia forte, com uma bolsa de valores que subiu mais de 70% no ano que passou. Começava a me sentir sensual e rico ao mesmo tempo. Era uma sensação muito boa. Pensei em voltar aos biquínis com meu olhar agora enriquecido e sexy, mas a minha namorada também viajara para os Estados Unidos do Brasil e aquele álibi de escritor-observador tinha limites. Resolvi então caminhar até o carrinho de sorvetes para tentar descobrir algum sabor desconhecido para este neo-cidadão do primeiro mundo.
Escolhi um picolé de côco queimado - além de dominar a arte do facão, aquele povo maravilhoso dominara o fogo e resolvera queimar a polpa para produzir um sabor divino. Também bati um papo com o sorveteiro. Um daqueles homens com a pele curtida de sol, que aparenta 70 anos, mas pode bem ter seus 50-55. Vestia uma calça jeans, jaleco amarelo e seu corpo era bastante curvado. Não era de Ilhabela, vinha do Paraná com outros tantos trabalhadores, trazidos pelo dono da fábrica de sorvetes que também era paranaense. Disse que dava para tirar um dinheirinho no verão, a menos que chovesse, daí voltava para casa de mãos abanando, quase sem dinheiro para comer. Voltei na mesma hora para o Brasil, ao nosso Brasilzão. Somos um Estados Unidos tropical só quando faz sol. O problema é que chove muito por aqui.
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Quem é o colunista: James Scavone
O que faz: Diretor de Criação da AG_407
Pecado gastronômico: bala de goma
Melhor lugar do Brasil: Trópico de Capricórnio
Fale com ele: [email protected] ou acesse o blog do autor
Atualizado em 6 Set 2011.