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Toda vez que me prostro em frente à TV e arrisco alguns minutos preciosos nos canais esportivos que transmitem os jogos Pan-americanos no Rio de Janeiro, "mesas redondas" surgem discutindo a performance de nossos atletas e proseando se o Brasil vai superar neste Pan a máquina falida comunista que é a ilhota de Fidel no quadro de medalhas. Discutem entre esbravejos cheios do calor patriótico se o Brasil já é uma potência dos esportes na América, mesmo com todas as adversidades enfrentadas pelos nossos esportistas, e contam emocionados casos de atletas que deixaram o crime para buscar o triunfo dourado do esporte. Crônicas do drama brasileiro.
Não raro também são os comentaristas se arriscando em fazer julgamentos morais acerca das tempestades de vaias que os atletas de outros países vêm recebendo. Fazendo cara de reprovação, reprimem o torcedor e evocam o espírito olímpico. Mas por qual razão nós - em especial os cariocas - louvamos a vaia? Estas manifestações de vaia da torcida brasileira nos jogos Pan-americanos emanam de uma matriz: a brasilidade, a alma do homem-cordial de Sérgio Buarque de Holanda. Esta denominação, feita pelo nosso famoso sociólogo, se refere ao homem que elege o coração como agente mediador de sua relação com outro e com a sociedade.
É o homem que busca a intimidade antes da formalidade. É muitas vezes avesso às imposições dos rituais típicos da civilização moderna - impessoal, racional e burocrática segundo Webber - e desta maneira podemos até chamá-lo de desrespeitoso, mas nem por isso menos charmoso, vibrante e sedutor. Este é o brasileiro-cordial de Sérgio Buarque de Holanda e não há como negar que esta cordialidade veio à tona nos últimos dias, com toda a sua beleza e toda sua feiúra.
O brasileiro-cordial, desejoso de levar para o lugar do íntimo, do domiciliar, tudo o que acontece em sua volta, na sua ânsia carnavalesca de desconstruir os parâmetros da formalidade, adota os atletas como entes familiares. Tudo é uma grande família. Os brasileiros que nas arenas lutam por medalhas são antes irmãos da platéia. Irmãos que sofreram e viveram o drama da brasilidade. Vale tudo para alçar seus iguais ao patamar mais alto do pódio, até mesmo recorrer à malandragem.
Este é o lado obscuro da cordialidade brasileira. Muitas vezes a mesquinhez, o desrespeito e o ímpeto farrista tomam o lugar de outros sentimentos mais nobres. As vaias no Rio tem um papel que vai além da mera expressão da platéia. São armas que são apontadas para os que ousam desafiar os brasileiros-irmãos e para os que ousam querer atrapalhar nossa relação íntima e visceral com os nossos atletas. É uma reação aos que querem entrar na nossa casa para bagunçar a sala. A vaia no Rio é antes de tudo proteção ao mais fraco, ao mais frágil.
Desta maneira, quando vaiamos os atletas estrangeiros no Pan do Rio estamos evidenciando - de uma maneira moralmente questionável - algo que de fato nos torna brasileiros e está em todos os cantos do Brasil. O homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda é um potencial vaiador. Com toda a sua informalidade linda, mas também com todo o constrangimento que isso acarreta.
É... quem mandou vir fazer festa em casa de malandro? Agora agüenta "mermão"!
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Quem é o colunista: Ibrahim Estephan
O que faz: Cursa administração de empresas
Pecado gastronômico: Double Whooper (oito queijos, carne extra) às 7 da manhã
Melhor lugar de São Paulo: Minha casa
Fale com ele: [email protected]
Atualizado em 6 Set 2011.