Guia da Semana

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A escrituária Angela Giuseppina Sousa, 33 anos, é casada há sete com um motorista de carros pequenos. Juntos, eles dividem todas as contas da casa. "Ele dá todo o dinheiro na minha mão e eu pago, nunca tivemos briga por causa disso", diz. Mas nem toda família é assim. A dona de casa *Laura, 47 anos, faz os pagamentos com ajuda dos três filhos, das irmãs e do dinheiro que entra com a venda de bolos (cerca de R$300,00 por mês). O casamento tem 29 anos, mas o marido aposentado abriu mão de pagar as contas da casa há quatro, alegando ter sido roubado pela cunhada durante uma sociedade que tiveram. "Hoje, ele paga água e luz. Resolvi procurar ajuda e pedir separação há um mês, quando ele disse que não iria bancar a parcela da nossa casa, que é financiada", conta.

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Ao procurar ajuda numa Organização Não Governamental - ONG de apoio às mulheres, ela descobriu que sofria com assédio material, pois é obrigada a bancar a casa, mesmo com o marido ganhando dinheiro suficiente para isso. A conseqüência é o próprio assédio moral, previsto em lei nas relações de trabalho, mas pouco discutido nas relações familiares, de acordo com o advogado especializado em Direito de Família Luiz Fernando Gevaerd. O assédio moral caminha junto com o material porque, uma vez que o assediado possui prejuízos de ordem patrimonial (bens ou valores pecuniários), pode sofrer abalos emocionais.

O especialista explica que é uma "conduta abusiva, repetida e prolongada que impõe humilhação e sofrimento a qualquer pessoa, manifestando-se por atos, palavras e pela manipulação de recursos materiais, mantendo a submissão que não deveria existir em situação regular". O mesmo vale para relações de trabalho quando, por exemplo, um namoro entre chefe e subordinada leva à demissão da última porque o primeiro quer se ver livre dela. Nesse caso, o assédio existe porque o chefe tirou da mulher sua forma de sustento, no momento em que houve o rompimento da relação de trabalho.

A consultora trabalhista e previdenciária do Centro de Orientação Fiscal - Cenofisco, Myrian Quirino, diz que outras formas de discriminação no emprego são negros e mulheres com acesso dificultado a trabalhos de contato com o público (caixa de banco, garçom, garçonete, relações públicas); salários de negros e mulheres são inferiores aos pagos a colegas com a mesma qualificação; eles costumam ser preteridos nas promoções no emprego; em muitos casos, a justificativa para a preterição das mulheres nas promoções é que os colegas poderiam ter dificuldade em aceitar o comando feminino; as mulheres estão sujeitas ao assédio sexual como instrumento de pressão no trabalho.

Assédio Moral
É considerado assédio moral o poder físico e psicológico que uma pessoa tem sobre a outra, causando danos para o assediado. "Segundo o estudo realizado pela médica Margarida Barreto, pesquisadora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), as mulheres são as maiores vítimas - 65 % das entrevistadas têm histórias de humilhação, contra 29% dos homens", acrescenta Myrian Quirino.

A indenização para esse tipo de processo leva em consideração dois fatores. A razoabilidade observa se o preço é razoável à circunstância, enquanto a proporcionabilidade se refere à capacidade que o acusado tem de pagar aquele valor determinado. Para evitar o problema no trabalho, tome precauções como: resistir (anotar as humilhações sofridas - dia, mês, ano, hora, local ou setor, nome do agressor, colegas que testemunharam, conteúdo da conversa); procurar a ajuda dos colegas, principalmente daqueles que testemunharam o fato; evitar conversas com o agressor sem testemunhas; exigir por escrito explicações do ato agressor e permanecer com cópia da carta enviada ao D.P. ou R.H e da eventual resposta do mesmo; procurar o sindicato e relatar o acontecido; recorrer ao Centro de Referência em Saúde dos Trabalhadores e contar a humilhação sofrida ao médico, assistente social ou psicólogo.



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De qualquer forma, é importante saber distinguir o profissionalismo da perseguição. Caso haja a perseguição por parte do superior hierárquico, é preciso cobrar um posicionamento da empresa, que deverá prezar pela dignidade do indivíduo (princípio previsto na Constituição Federal). O advogado Acácio Chezorim explica que, no assédio material, a pessoa mantém vantagem à custa da fragilidade ou ingenuidade do outro, que se deixa encantar pelas falsas promessas e acaba se prejudicando. Ele lembra que o fato não é caracterizado como crime, portanto não há uma pena a ser aplicada. O que existe é a possibilidade de pedido de indenização no âmbito da Justiça Cível (casos conjugais) ou Trabalhista (relações de emprego).

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Em relação à família, casamento ou união estável, de acordo com o regime de bens, é estabelecida a obrigação de sustento, assistência material e emocional. Quando há o descumprimento dessa obrigação, seja pela forma negativa do fornecimento de recursos ou pela permanente humilhação, discussões, ofensas e comentários sobre a conduta da pessoa, com sofrimento e dor conseqüentes, há a violação do dever de assistência material, conduzindo a um processo de separação por culpa, com indenização também moral. Gevaerd lembra que o valor das indenizações é decidido em processo judicial, pois não há uma regra determinada. Se o cônjugue ainda promove desvio de dinheiro ou bens do casal, sem consentimento do companheiro, e há um prejuízo para o parceiro (deixando-o em desvantagem ou miséria), será caracterizado o assédio.

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O advogado e diretor da Associação pela Participação de Pais e Mães Separados na Vida dos Filhos - Participais Robinson Neves conta que, antes de qualquer processo de separação, são realizadas reuniões para que o casal chegue a um acordo amigável. De qualquer forma, Gevaerd ressalta que "nem sempre o desejo da vítima é a ruptura do vínculo, embora esteja desgastado e represente sofrimento, permanecendo a situação indesejada por longo tempo, algumas vezes até durante anos". Portanto, ele sugere para as pessoas que estiverem sofrendo esse tipo de problema na união conjugal que não escondam os fatos, buscando ajuda de amigos ou profissionais qualificados e quebrando o pacto com o silêncio.

Os casos vêm sendo discutidos nos tribunais em número crescente, porém de maneira tímida. Para prevenir a ocorrência, esclareça imediatamente atos de humilhação ou submissão. Pesquisas mostram que poucos casos desse tipo efetivamente foram julgados, pois os sentimentos de vergonha e impotência não permitem que as pessoas busquem por seus direitos.

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Não há limites máximos que caracterizem o assédio material, desde que as perdas sejam efetivamente comprovadas. Quanto ao limite mínimo, prevalece no Direito Brasileiro o princípio da insignificância ou bagatela, ou seja, um simples aborrecimento não pode ser confundido com uma grande perda material que represente a diminuição do patrimônio. Mesmo assim, não há parâmetros que definam os valores mínimos, ficando a critério do juiz a decisão conforme os elementos apurados.

Para aqueles que não tiverem condições financeiras para realizar a defesa, Chezorim recomenda que procurem pela Defensoria Pública ou pela Ordem dos Advogados do Brasil - OAB da região onde residem. Esses órgãos prestam serviços de Assistência Judiciária gratuitos. Por outro lado, é comum na Justiça do Trabalho o cliente contratar o advogado e pagar o mesmo apenas depois do êxito no fim da ação, sem a necessidade de pagamentos no início do processo.

Lar saudável
A psicoterapeuta Maura Albanesi dá as dicas para não deixar que o lar se torne um ambiente de disputa de poder e, muito menos, de submissão.

? Pai e mãe formam um casal que deve conduzir a família. Quando um dos dois se considera chefe, a união se rompe.

? A mulher que é submissa ao homem diminui a auto-estima e se considera incapaz de gerir a própria vida. A relação entre os companheiros deve ser de igualdade, sempre.

? A mulher que não trabalha fora acaba criando uma dependência financeira do marido. Para que não haja submissão em função disso, deve haver um acordo que valorize o trabalho da esposa em casa, sem que ela se coloque em posição de inferioridade por não ter dinheiro.

? Levar os problemas aos filhos é perigoso, pois cria neles uma imagem errada do pai ou da mãe. Nunca atribua a responsabilidade dos erros para seu parceiro ao conversar com um filho, pois isso gera nele insegurança e raiva. Abstenha-o dos conflitos matrimoniais.

? A mulher possui vontade de ser cuidada e protegida, o que não significa que deve ser fragilizada e inferiorizada. A relação do casal é de troca, enquanto com os filhos é de doação. Entender essa dinâmica é essencial.



*O nome foi alterado a pedido da entrevistada.

Colaboraram:
? Luiz Fernando Gevaerd
Fone: (21) 2221-7551
? Myrian Quirino
? Acácio Chezorim
Pires & Gonçalves Advogados Associados - (11) 3038-3888
? Maura Albanesi
Clínica de Psicoterapia Progressiva - (11) 3884-3125

Atualizado em 10 Abr 2012.