Guia da Semana

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- Ethan, eu já paguei ao banco 45 mil dos 40 que me emprestaram, e ainda devo 35! Sabe lá o que é isso?
- Sei. Eu deixei 10 mil na poupança e eles me pagam 0,7% de juros ao mês. O restante, eles emprestam a você, e lhe cobram 128% de juros ao ano. É assim que funciona.
- E ainda por cima dizem: é legal, e daí?
- Rapaz, por que será que aqui o próximo posto de um ex-ministro das Finanças é ser membro de Conselho de banco privado? E o de ex-presidente é ter uma coluna em jornal de opinião e fundar centros de estudos latino-americanos no exterior?
- Será que existe alguma relação entre a mídia, o governo e os bancos?
- Claro que sim! Ela é necessária para nos fazer acreditar que vivemos no mais perfeito dos mundos: somos cidadãos e consumidores! Não existe nada melhor. E aqueles presunçosos de esquerda? Se fossem competentes, poderiam oferecer um outro ponto de vista, mas não: eles também querem estar no castelo de Caudas. Esta esquerda brasileira nasceu incendiária, mas acabou como bombeiro de tudo aquilo que denunciavam.
- Você sabe que eu fiquei confuso quando estava no banco. Eu olhava para todas aquelas propagandas com belíssimas fotos de gente abraçando gente, cachorro e papagaio, avô beijando neto, jovens felizes e seguros do futuro. Eu, sem saber como fazer para pagar os juros, imaginava que o errado era eu. Por que será que eu não estou feliz como eles?
- Porque você é o filho de uma...
- Não precisa responder.
- Desculpe, mas hoje ninguém aguenta viver fora de uma mentira e, se for coletiva, melhor ainda.
- Esses caras deitam sobre a paciência deste povo. O povo brasileiro, por ser mais conservador do que aqueles que governam, nunca será temido. Só são arrojados quando incendeiam ônibus, saem atirando na rua e fazem laranja virar suco. Como escapar a esta mediocridade que se diz instruída, mas que sequer sabe o que é ser douta?
- Estão longe disto meu amigo, longe. E ainda existiu um sujeito que dizia que política é magia.
- E é mesmo!
- Veja só como é que todo mundo acreditou na fábula do operário pobre que ia mudar o mundo, e se esqueceu disto no meio do caminho porque gostou do mundo que queria mudar. Isso é mágica.
- Como é que a gente faz para tudo isto desaparecer?
- Dê gargalhadas, meu amigo. Ria muito de nossa covardia por tolerarmos este estado de coisas.


Leiaas colunas anteriores de Sócrates Nolasco:

Saindo de que armário?

Perto dos cinquenta

Viag(a)ra Falls

Quem é o colunista: Sou aquele que deixa o que encontrou melhor do que estava antes.

O que faz: Psicanalista, Escritor e Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Pecado gastronômico: Ostras com Cristal do Roederer.

Melhor lugar do Mundo: Yosemite National Park e San Francisco.

O que está ouvindo no carro, iPod, mp3:Yoshida Brothers.

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Atualizado em 10 Abr 2012.