Guia da Semana

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A professora de 42 anos Sandra Regina Cezarino Lopez se casou grávida, porém não no formato que você já conhece. O matrimônio foi em junho e Ramón nasceu em 23 de julho de 2004. A diferença nessa história é que quem levou a barriga para o altar foi a cunhada. "Eu namorava meu marido quando retirei o útero em função de um mioma. Foi aí que a irmã dele propôs a barriga de aluguel. Ela já tinha dois filhos e nós ficamos muito felizes, nunca esperávamos", lembra.

Sandra é uma das duas ou três mulheres que aparecem anualmente na Clínica Fertility - Centro de Fertilização Assistida em busca do útero de substituição, conhecido como barriga de aluguel. Com uma história parecida, a auxiliar de enfermagem de Recife Rosinete Palmeira Serrão, 51 anos, ficou recentemente conhecida por dar à luz gêmeos que, na verdade, são seus netos.

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Sandra e a família


Para realizar o procedimento, alguns pré-requisitos são necessários. O especialista da Fertility, Assumpto Iaconelli, explica que a mulher que irá emprestar sua barriga deve ser parente de até segundo grau dos pais, caso contrário, o tratamento apenas continua com autorização do Conselho Regional de Medicina - CRM. Ela também não pode cobrar pela ajuda. Além disso, os três envolvidos devem fazer exames como teste de HIV, sífilis, Hepatite B e C, HTLV 1 e 2 e ultra-sonografia.

O ovário da mãe verdadeira é estimulado através de medicamentos, ao mesmo tempo que o útero da barriga de aluguel é preparado para receber a criança. Caso o marido tenha problemas de produção de esperma, é utilizada a técnica de Injeção Intracitoplasmática de Espermatozóide - ICSI, injetando, em laboratório, um espermatozóide dentro de cada óvulo.

Em geral, o procedimento adotado é a fertilização in vitro, quando são retirados óvulos da mãe e espermatozóides do pai, para serem então fertilizados em laboratório. Em seguida, cerca de dois embriões são transferidos para o útero da mulher. A probabilidade de nascerem gêmeos é de 30%. O valor por tentativa é cerca de R$ 11 mil, além de R$ 4 mil a R$ 5 mil que são gastos com o medicamento.

De acordo com o especialista em reprodução humana Eugênio Magarinos Torres, "a rejeição normalmente não acontece, pelo contrário, é um tipo de tratamento que tem um excelente êxito. Caso a mamãe de aluguel não consiga engravidar, tem que fazer o tratamento todo novamente".

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A gravidez segue normalmente, mas os primeiros três meses devem ter um suporte hormonal. A mulher que está carregando a criança não pode ter hipertensão, diabetes, problemas do coração ou do rim. É importante também que não tenha peso em excesso. Por último, a questão sanguínea deve ser observada, ou seja, se o grupo da portadora do útero de substituição for Rh negativo, o sangue dos pais deve ser o mesmo.

A dica do médico é para que ambas as mulheres sejam da mesma cidade, já que terão que fazer visitas ao médico juntas. Os hábitos da barriga de aluguel devem ser saudáveis, sem bebida alcoólica ou cigarro.

Lado psicológico

E se a barriga de aluguel quiser ficar com o filho para ela? A psicóloga Ana Lúcia Pedrozo explica que, para evitar esse arrependimento, deve estar claro para a mulher que ela não será a mãe. Além disso, ela deve ter consciência de que não estará abandonando ou entregando seu filho, mas sim devolvendo para a mãe verdadeira. Caso ainda assim aconteça o arrependimento, ela deve procurar as causas reais e aprender a lidar com elas, para evitar transtornos emocionais.

O psicólogo Alexandre Bez completa dizendo que o primeiro passo na busca da orientação médica é a mulher estar centrada no que vai fazer. Tem que haver muito diálogo entre os envolvidos e maturidade. Caso as confusões se façam, podem evoluir para fatores ansiosos e depressão.

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Ramón: filho da barriga de aluguel
No caso da mãe de Ramón, Sandra, a história foi muito bem resolvida. "Minha cunhada optou por não amamentar meu filho. Além dela trabalhar como promotora de vendas, nas ruas, a amamentação criaria um vínculo maior com o bebê, por isso resolveu não fazê-lo. O Ramón um dia vai saber de tudo, pois precisa entender o que ela fez de bom por nós", diz.

A psicóloga Ana Lúcia concorda que a melhor forma de evitar confusões é dizendo a verdade. A criança precisa saber o papel desenvolvido por cada uma dessas pessoas na vida dela, para que não ocorram complicações emocionais. Já Bez acredita que a revelação deve ser feita com todos os cuidados necessários quando o filho estiver maior e tiver maturidade para compreender.

Em relação à depressão pós-parto, os fatores de risco são tendência à depressão, Tensão Pré-Menstrual - TPM, transtornos afetivos ao longo da vida, problemas sociais, emocionais e físicos durante a gravidez ou após o nascimento, em qualquer mulher. A barriga de aluguel não tem maior ou menor propensão ao problema, mas devem ser evitadas as confusões emocionais durante a gestação.

"Mãe de aluguel é um evento muito recente na história da humanidade e ainda não faz parte das situações cotidianas. Por isso não temos desenvolvido recursos internos claros para lidar com esta situação. O que pode gerar um estresse extra na gestação ou no pós-parto", completa a psicóloga.

A lei

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Segundo a advogada Iamara Garzone, não há legislação no Brasil sobre o tema. O que existe é uma regulamentação do Conselho Federal de Medicina. A resolução nº 1,358/92 norteia os profissionais de saúde que utilizarem a reprodução assistida para realizar o útero de substituição.

A lei impõe que as doadoras devam ser convidadas pela paciente, com um parentesco de até segundo grau. O pré-requisito é que o procedimento seja realizado "desde que exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível descendente". Caso a mãe de aluguel escolhida não seja parente, deve pedir autorização ao Conselho para que o tratamento ocorra.

Aquela que irá ceder a barriga deve ainda apresentar por escrito (formulário especial), perante a clínica ou centro que opera a reprodução assistida, o seu consentimento, sujeito à aprovação do cônjugue ou companheiro, conforme seja casada ou viva em união estável.

Caso ela mude de idéia e queira ficar com o bebê, a advogada explica que, "se ambas reivindicarem para si a maternidade da criança, parece mais acertado e conforme doutrina dominante, que a maternidade seja atribuída à mãe genética, já que a doadora do útero figura como mera hospedeira. É claro que a decisão poderá variar de acordo com o caso, mas o julgador, ao resolver tais conflitos, deverá estar atento à manifestação de vontade no que diz respeito à concepção, bem como ao melhor interesse da criança".

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A resolução do Conselho também determina que não pode haver lucro pela doação temporária do útero. Quanto ao contrato, ele não possui um amparo legal, podendo se basear na orientação de outros países. Portugal e Argentina não admitem o contrato de gestação, já a Bulgária entende que o filho é de quem sofreu o parto, mesmo que o material genético venha de outra mulher. Nos Estados Unidos, alguns lugares admitem contrato de gestação, atribuindo a filiação pela manifestação da vontade de ser mãe.

Outro ângulo
O médico especialista em ginecologia e obstetrícia e membro da Academia Fluminense de Medicina Dernival Brandão é contra a fertilização in vitro. Para ele, é uma atitude antiética, uma vez que nem todos os embriões fertilizados vão sobreviver. Ele considera o ato uma forma diferente de realizar aborto.

Segundo o médico, cerca de quatro óvulos fertilizados são colocados no útero da mulher, que não pode gestar todos. Além disso, para que o procedimento ocorra, é estimulada a superovulação, ou seja, se a mulher costuma ovular apenas um óvulo por mês, serão muitos os que se perderão no caminho.

"Há muitos embriões armazenados em nitrogênio líquido e, nesse caso, sou a favor. Deveriam ser convocadas mulheres para dar ao embrião uma mãe, através da fertilização in vitro", ressalta.

Quanto aos riscos de rejeição do organismo, ele explica que o corpo feminino realiza uma espécie de equilíbrio para aceitar os antígenos do embrião decorrentes do material do pai. No caso da mãe de aluguel, essa normalização deverá ser feita não apenas com o material que veio do pai, como também com o que veio da mãe, uma vez que óvulo e espermatozóide não são da mulher, gerando maiores riscos.



Colaboraram:
? Clínica Fertility - Centro de Fertilização Assistida
? Eugênio Magarinos Torres
Clínica Bebê de Proveta/ Centro Médico Richet Barra - Av. das Américas, 4.801, Sala 126 - RJ
Fone: (21) 3111-4792
? Ana Lúcia Pedrozo
Downtown - Av. das Américas, 500, Bl. 22, Sl. 319 - RJ
Fone: (21) 9619-1853
? Alexandre Bez
Fone: (11) 8588-8007
? Iamara Garzone - Mesquita Pereira, Marcelino, Almeida, Esteves Advogados
Fone: (11) 3154 7024

Atualizado em 10 Abr 2012.