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Há alguns dias, estava revendo o documentário sobre a vida de nosso grande poetinha Vinicius de Moraes e, entre depoimentos saudosistas e recordações boêmias dos amigos e familiares ainda vivos, me chamou a atenção a brilhante conclusão de outra grande expressão da brasilidade, Ferreira Gullar. Este simpático senhor de cabelos brancos, que lembra Andy Warhol numa versão mais recatada, colocou no divã a tradição filosófica relativista européia, que muitas vezes assume uma postura pessimista frente ao mundo ao apregoar a falta de sentido absoluto nos fenômenos humanos e ao cultuar o nada.
Ele afirmou no documentário que este pessimismo em nada contribuía para o homem e sua felicidade. Tachou, num carioquês esculachado, o dramaturgo do teatro do absurdo e pessimista-mor Samuel Beckett de muito chato e disse que "essas coisas negativas, pra baixo" só servem para ganhar prêmio Nobel. E para finalizar (touché!) disse que não existe verdade definitiva sobre as coisas, como muito ganhadores dor-de-cabeça de prêmios Nobel querem, e sendo assim, o mais virtuoso é assumir uma postura de alegria e otimismo perante a vida. Ferreira Gullar acredita que a obra de Vinicius é repleta dessa alegria, dessa paixão otimista, e concluiu: "Ele ajudou o povo brasileiro a ser feliz...".
Essa brilhante análise, que só a humildade da terceira idade permite, me fez refletir sobre como a despretensão e o prosaico juntamente a uma certa alegre resignação, elementos típicos das manifestações culturais brasileiras, são importantes insumos para a nossa fertilidade criativa. Se a Inglaterra tem seu sisudo e pontual chá das cinco, o Brasil tem a festiva e catártica roda de samba - em que prevalecem a cachaça e a cerveja. O Brasil é culturalmente novo e esta condição nos permite grandes possibilidades. Não carregamos o peso e o fardo das tradições, que quando evocadas e transformadas em elixir que vivifica o orgulho nacional de países culturalmente mais antigos, são invariavelmente transformadas em tijolos que constróem o xenofobismo e o racismo.
Imediatamente me veio à cabeça a imagem de minhas primas americanas, todas vestidas de azul, branco e vermelho, orgulhosas pelas cores de sua bandeira. Toda vez que eu as indagava sobre seu patriotismo, suas respostas sempre vinham com altas doses de auto-afirmação e delírios de grandeza materializados na frase definitiva: "Because we rule!" (algo como "Porque a gente domina!). Não que os EUA tenham alguma importante tradição cultural, mas eles são especialistas em patriotadas toscas.
E o Brasil? O Brasil é alegre e despretensioso, como Vinicius. Não sou um especialista em história das culturas nacionais e me desculpe por quaisquer baboseiras conceituais ou antropológicas, mas penso que nossas pretensões nacionalistas são na maioria das vezes carregadas de antropofagia cultural, de um espírito aglutinador, que produziu desde a Bossa Nova, o samba, a semana de arte moderna de 1922 até Machado de Assis. Afirmamos-nos na multiplicidade e no drama do cotidiano. O Brasil é a obra prima do prosaico. E nesse sentido despretensioso, o Brasil é muito moderno. Porém nossa modernidade não é desconstrutiva e pessimista, a que Ferreira Gullar odeia. Nossa (velha) modernidade é subversiva, aglutinadora, despretensiosa, prosaica e otimista. Nosso nacionalismo é Viniciano.
Por isso nós, seres chiques dotados de estilo e atitude, na ânsia do novo, do mais hype e moderno, nos esquecemos de olhar para o Brasil, um antigo "modernoso". Recentemente, li uma matéria numa revista gringa de gastronomia que os ingredientes do Pará e da Amazônia estão fazendo sucesso nas cozinhas de nossa nova geração de chefs e estão começando a chamar a atenção dos espanhóis. Soube também que as sementes amazônicas e o capim dourado do Tocantins estão servindo de adorno para colares e pulseiras na Europa e também fui informado que o samba e a bossa nova são a nova mania nos "esfrias" das baladas no Japão.
Eêêêêê o Brasil rules!
Leia as colunas anteriores do Ibrahim:
? Big Mac responsável: está na hora de mudar o estilo de vida e de consumo, em prol da saúde do planeta!
? O bom gosto e arte na vida: a definição de bom gosto perdeu o sentindo com a inversão dos valores da sociedade.
Quem é o colunista: Ibrahim Estephan
O que faz: Cursa administração de empresas
Pecado gastronômico: Double Whooper (oito queijos, carne extra) às 7 da manhã
Melhor lugar de São Paulo: Minha casa
Fale com ele: [email protected]
Atualizado em 6 Set 2011.