Quando éramos crianças ou adolescentes e começávamos a reclamar de algo ou fazer "cara feia" para alguma tarefa, era comum ouvirmos de nossos pais: "não reclame de barriga cheia". O que parecia ser apenas um uso de linguagem sem importância, no filme indicado ao Oscar desse ano, "Capitão Phillips" (2013), com Tom Hanks no papel título, se torna uma realidade palpável. A história explica, de certa forma, o que a verdadeira escassez pode fazer às pessoas.
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Baseado em fatos reais ocorridos em 2009, o filme narra o sequestro de um navio de carga norte-americano por piratas somalis, no Oceano Índico, levando-os a manter por longas horas o Capitão Richard Phillips como refém, em busca de resgate.
O que poderia ser apenas um filme sobre violência, traz como pano de fundo a comparação entre dois mundos totalmente antagônicos. De um lado temos os piratas somalis, magros, desnutridos, cheios de improviso e carência, mas muito agitados e cheios de energia. Do outro, Phillips, robusto, cansado, cheio de regras e rotinas. A separação entre seus países também é gritante, pois os EUA e a Somália ficam nos dois extremos entre civilizado e não-civilizado, entre liberdade e opressão, entre abundância e escassez, entre segurança e violência.
Quando ambos se encontram, os rótulos acima caem por terra e o que sobra é a carcaça humana, com seus instintos e sede por sobrevivência, igualando vítima e algoz dentro do mesmo universo que, no filme, se materializa numa cápsula de fuga.
O interessante é que, se no começo pensamos que o norte-americano é o oprimido, por ter sido preso contra sua vontade, ao longo da narrativa percebemos a inversão, já que o que os somalis buscam é "o sonho americano" - e não apenas dinheiro para suas necessidades básicas, como obter comida, por exemplo. O desejo deles é migrar para os EUA e ter o mesmo estilo de vida que até então entediava o capitão.
Filme levanta reflexão: você é grato pelo que possui?
Assim, pode-se dizer que Richard "reclamava de barriga cheia" e, ao se defrontar com o absurdo de ser preso por pessoas miseráveis que buscavam mais a ilusão do capitalismo do que ter uma vida digna no próprio país, o choque da realidade se fez, transformando-os no espelho um do outro. Afinal, haveria nações tão pobres como a Somália, se as mais ricas distribuíssem melhor suas riquezas?
Buscar o sonho americano só mostra o quanto todos nós, não importa onde estejamos neste planeta, estamos perdendo de vista a realidade - seja nossa, seja de tudo o que está ao nosso redor. Até porque os norte-americanos (e muitos de nós) provavelmente se esquecem da África (ou de pessoas doentes e pobres) quando estão bem instalados em suas poltronas assistindo seus programas de TV e jantando fast-food.
Acredito que essa inconsciência e seu consequente egoísmo venham da nossa falta de gratidão. Não é a toa que estamos constantemente correndo atrás de coisas sem sentido, apenas porque fomos programados pela sociedade ou pela mídia a desejá-las, ao invés de sentir plenitude e satisfação com quem somos ou o que temos.
Por isso, antes de rejeitar sua vida, olhe a sua volta agora. Provavelmente está tudo no seu devido lugar: água, luz, internet, telefone, comida, conforto, roupas, acesso à cultura, familiares e amigos. É claro que problemas existem, assim como os desafios, mas as dores normalmente só vêm porque resistimos no erro - e não por punição divina ou má sorte.Lembre-se que é o sentimento de escassez e a falta de gratidão que nos tornam realmente pobres.
Os somalis com o dinheiro de seus regastes poderiam ter tido uma vida melhor para si e para suas famílias. Porém, foi a obsessão em obter sempre mais que acabou de fato com suas chances de real felicidade.
Portanto, assista ao filme, dirigido por Paul Greengrass (de "Ultimato Bourne") e veja se você está como o Capitão, reclamando da vida e enfadado, ou como os somalis, buscando coisas que não precisa e deixando de fazer o óbvio, que é se nutrir. Seja de amor, de esperança, de conhecimento ou mesmo de gratidão pelo que já conquistou.
Vanessa Mazza
Graduada em Comunicação Multimídia pela UMESP, é taróloga há mais de 15 anos. Estuda as abordagens desta prática, com o fim de decifrar a complexidade humana, abrangendo em suas consultas temas como fengshui, i ching, astrologia e numerologia.
Por Vanessa Mazza
Atualizado em 11 Fev 2014.