Guia da Semana

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- Por onde tem andado, Teo?


- Fui levar meu filho a um aniversário. Rapaz, é uma coisa engraçada esses parabéns para você que as crianças cantam. Elas contam uma história dos casais de hoje. Eles perguntam com quem será que o aniversariante irá casar. Depois, dizem que tiveram dois filhos e em seguida se separaram. É o hino das famílias modernas. Meu amigo, é difícil casar nesta cultura do divórcio.


- É estranho mesmo. Casar e separar faz parte da economia afetiva de milhões de casais que seguem esse protocolo como se fosse algo natural. Que felicidade a nossa tropeçar no amor romântico e cair depois, e ainda chamar isso de revolução. Que ninguém nos ouça!


- O curioso é que muita gente continua se casando. Fazendo festas enormes e juras de amor eterno. Depois de dois meses descobrem que não é nada disso e se separam.


- Eu imaginava que em tempos tão liberais, os casamentos fossem diminuir. Mas não! E com a internet a procura aumentou. Eu recebo milhares de mensagens vendendo sites para namoro e casamento.


- Mesmo que ninguém acredite no casamento, todo mundo continua querendo casar.


- Acho que não é o casamento que atrai as pessoas, é a festa que se faz em torno dele.


- Não sei, acho que tem gente que deseja mesmo a badalação e pouco importa o que vai acontecer depois, mas nem todo mundo quer isto. Uns dizem que o bom casamento é o que perdura, apesar de que, para fazê-lo durar, muitos casais pagaram preços altos. Há os que dizem que é aquele que se pauta na fidelidade, mesmo sabendo que, para isso, foi necessário mergulhá-lo na hipocrisia. Há os que pensam que um bom casamento constrói patrimônio, mesmo que precise viver de aparências e nunca cheguem a se conhecer. Existem ainda aqueles que são financiados pelas famílias.


- Para um casamento dar certo, o homem tem de ser surdo e a mulher cega! Hoje em dia, o dinheiro faz um casamento dar certo - o que é uma grande mudança, já que, no passado, esse motivo tornaria a mulher uma concubina.


- Talvez, mas hoje em dia muitos casamentos são mantidos mais por temores do que pela esperança que aproxima duas pessoas.


- É para isto que servem as amantes: para conduzir os sonhos que sucumbiram dentro dos casamentos. Muitos não querem se separar por comodidade. Imagine aquele executivo de bigode que tem casa na serra e um quatro quartos em Ipanema buscar alguém aos 60 anos. É preferível dormir em camas separadas, não fazer sexo, ser esculhambado pela mulher do que ter de enfrentar o mundo e, além disto, ter de dividir o patrimônio. A traição nasce para fazer frente a uma situação de fracasso iminente; as renovações geralmente nascem de grandes traições.


- Mas você há de convir que naturalizar as traições não inibiu o ódio a quem foi infiel. Mesmo com toda liberação sexual, se você for pego traindo será guilhotinado.


- É verdade, mas você tem que concordar comigo que há uma ponta de desamor na atitude daquele que é infiel. Eu percebo que a infidelidade esconde um mal de amor. Traindo, se imagina que será possível recuperar-se do desamor. Eu acho que foi isto que me aconteceu.


- Também, você se casou com uma jararaca, meu amigo. Além de fogo e fumaça, só mesmo uma mulher má para fazer um homem sair de casa. Você escolheu a dedo!


- Ela era uma mulher talentosa.


- Talentosa? Meu caro, a genialidade não anda de mãos dadas com a maldade. Ela precisa de alguém como ela. Agradeça todos os dias por ela ter partido. Aquilo era um carma, um cavalo de Troia. Você está acompanhando o que está acontecendo na Inglaterra?


- Não.


- Os homens de lá estão começando a apanhar de mulheres. Estão criando até abrigos para que eles tenham para onde ir depois da briga. Porque se você bate em uma mulher é considerado violento, mas, se ela lhe mete a faca, foi em legítima defesa. Isso é o que eu chamo de adotar o modelo masculino, macho, estilo Tyson como jeito de ser.


- As mulheres se equiparam aos homens e já não sabem mais quem são quando não estão menstruadas. Mas o fato é que não importa com quem você se case, porque de qualquer modo, no dia seguinte, você descobrirá que está com outra pessoa. Isto é recorrente.


- Por onde começaremos a administrar tudo isso? Como superar este vazio criado pelo muito fazer e tão pouco experimentar?


- Fácil: passaremos a viver de imagem. Esta cultura da separação é o espelho do divórcio de nós mesmos.


- Mas, deste modo, como será possível amar alguém?


- Parece que o divórcio sempre dormiu na mesma cama dos amantes, mas, nos dias de hoje, ele se tornou o próprio leito. O que confirma a tese de que a infelicidade cresce a passos largos enquanto a felicidade sempre tem um fim à sua espera.


- Que poderia ser outro se não tivéssemos perdido a capacidade de transpor o que nos chega pelos sentidos até a consciência. A sabedoria reside neste esforço, emerge da experiência e mantém vivo o crente que há em nós. Sem ele, é impossível compreender o mal que nos acomete. Precisamos tentar fazer do casamento o lugar onde tudo isto pode acontecer. É preciso que ele se torne o chão sobre o qual a busca é constante, sem ela não há dignidade em viver. É muito pesado o fardo de não ter ou saber o que fazer diante disto. Acho pura vagabundagem essa coisa de deixar rolar para ver o que acontece. É assim que vamos de separação em separação.

Leia as colunas anteriores de Sócrates Nolasco:

Sabrina e a prancha


Sobre quem eram os homens

Zolga

Quem é o colunista: Sou aquele que deixa o que encontrou melhor do que estava antes.

O que faz: Psicanalista, Escritor e Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Pecado gastronômico: Ostras com Cristal do Roederer.

Melhor lugar do Mundo: Yosemite National Park e San Francisco.

O que está ouvindo no carro, iPod, mp3: Yoshida Brothers.

Fale com ele: [email protected]



Atualizado em 12 Fev 2014.