O que é estupro? Pela lei brasileira, estupro corresponde a qualquer penetração vaginal forçada, portanto apenas mulheres podem ser estupradas. O abuso sexual em homens é considerado atentado ao pudor, que se refere a penetração anal, sexo oral ou qualquer contato sexual sem o consentimento da vítima. Na legislação norte-americana, todos os fatos citados são definidos como estupro. |
Um homem aparentemente comum pára você na rua, identifica-se como fotógrafo de uma agência de modelos e cobre-lhe de elogios. Em seguida, vocês dois seguem para um parque onde ele diz que fará algumas fotos suas. Foi com esse papo que o motoboy Francisco de Assis Pereira, mais conhecido como "maníaco do parque", estuprou e matou cerca de nove mulheres no Parque do Estado, em São Paulo.
Quase dez anos depois, nem todas as vítimas foram confirmadas e dados da Organização Mundial da Saúde - OMS de 2002 relatam que, em alguns países, cerca de 47% das mulheres declaram que sua primeira relação sexual foi forçada pelo parceiro. A proporção de mulheres que disseram ter sido vítimas de uma tentativa de abuso ou que foram forçadas por um companheiro íntimo a fazer sexo em algum momento de suas vidas é de 10,1% no Brasil (São Paulo) e chega a 46,7% no Peru (Cuzco).
Sabe-se também que o Hospital Pérola Byington, em São Paulo, atende de dez a doze vítimas por dia. Um serviço especial em parceria com a Delegacia da Mulher disponibiliza a viatura, que apanha a pessoa em qualquer distrito que ela estiver e leva ao local, onde serão feitos exames de corpo e delito e será oferecido atendimento psicológico e ginecológico.
Foto: Sxc.hu |
A diretora da Delegacia da Mulher de São Paulo, Márcia Salgado, conta que grande parte dos abusos é realizada por pais, padrastos ou parentes próximos. Muitas vezes é o próprio marido quem o faz. Esse foi o caso da mãe do auxiliar de cabeleireiro *Paulo, 22 anos.
Paulo e o irmão mais velho viam a progenitora sofrer de violência física e sexual, sendo que o esposo era o agressor. O garoto também foi estuprado, quando tinha 6 anos, por um vizinho não muito próximo, mas preferiu não dizer nada para que a mãe não sofresse mais e até hoje a família não sabe. "Na época, eu tive dores e sangramentos, hoje, tenho alguns bloqueios. A minha primeira relação sexual foi muito difícil, eu tinha 15 ou 16 anos e não conseguia, chorava. Sou homossexual e tenho um parceiro fixo, mas até conseguir me estabilizar, tinha muito medo e desconfiava das pessoas", diz.
Não há um perfil de vítima preferido pelos agressores. Alguns estupradores de rua gostam mais de determinado tipo físico ou idade, mas não existe uma categoria que desperte mais a atenção deles.
Márcia ressalta que não há um levantamento estatístico do perfil do estuprador. "Psicólogos relatam que eles podem ser pessoas que vivenciaram abuso ou presenciaram alguém próximo sofrendo esse tipo de agressão. Por isso se espelham nessas situações e cometem o crime."
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De acordo com Rosemari, uma pesquisa Ibope mostra que a violência contra a mulher preocupa mais a sociedade do que o câncer ou a AIDS, sendo que 51% dos entrevistados conhecem ao menos uma que já tenha sido agredida pelo companheiro. "Numa matéria publicada pela Agência Estado, sobre um dossiê do Rio de Janeiro, há os seguintes dados: traçando o perfil das vítimas de AVP (Atentado Violento ao Pudor) no estado, o estudo concluiu que 74,4% eram mulheres solteiras, 52% eram de cor ´parda´ ou ´preta´ e 62,5% tinham até 17 anos. Crianças de até 11 anos representavam 40,1% e adolescentes entre 12 e 17 anos, 22,4% do total. O dossiê mostra que, em 65,5% dos casos, as vítimas conheciam os acusados. Englobando pais, padrastos e parentes acusados, este percentual chegou a 30,7%, sendo que 19,4% eram pais ou padrastos", diz.
A socióloga e pesquisadora do Núcleo de Estudos em Violência da Universidade de São Paulo, Wania Pasinato, esclarece que não existem estatísticas nacionais que definam o número de vítimas de estupro, mas sabe-se que é o crime com maior "cifra negra", ou seja, casos que não são denunciados.
O que muda
Uma pessoa que foi vítima de abuso sexual leva consigo insegurança, culpa, depressão, problemas sexuais e de relacionamento íntimo, baixa auto-estima, vergonha, fobias, tristeza, desmotivação, síndrome do pânico e, além disso, podem ocorrer tendências suicidas.
A psicóloga Olga Tessari explica que a vítima se torna estigmatizada, com uma tendência social de acusá-la direta ou indiretamente por ter provocado ou estimulado o ato. Dessa forma, ela pode se considerar "impura" ou "indigna" por pensar que, de algum jeito, colaborou com o ocorrido. "Por mais que digam que ela não teve culpa, a pessoa estuprada culpa-se", diz.
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A mulher tende a imaginar que ninguém vai aceitar o que aconteceu e que o parceiro pode rejeitá-la por ter sido estuprada. Os traumas chegam a acarretar fadiga inexplicável, transtorno de apetite, insônia e falta de atenção.
A coordenadora do curso de psicologia do Centro Universitário Adventista de São Paulo - UNASP, Tercia Pepe Barbalho, conta que, durante o estupro, o corpo da mulher pode produzir as secreções responsáveis pela lubrificação e até mesmo uma estranha excitação. O fato não acontece sempre, mas, quando ocorre, pode levar a pessoa a sentir ainda mais culpa. É importante ressaltar que se trata de uma defesa do organismo e não significa que houve de fato o prazer ou consentimento.
Entre as conseqüências, são normais também sintomas parecidos com o Estresse Pós-Traumático (transtorno de ansiedade comum em soldados pós-guerra). Além disso, muitas mulheres entram para o mundo da prostituição, em razão da baixa-estima e da vergonha em buscar por um relacionamento. Elas se sentem como se tivessem perdido valores íntimos.
Logo vem o medo de não conseguir se relacionar com o sexo oposto ou aquele causador da violência e a desconfiança exagerada de tudo, além do isolamento. Todos esses traumas podem gerar problemas físicos como anorgasmia (falta de orgasmo), frigidez, falta de libido e fobia. Para atingir o prazer, a pessoa precisa estar completamente relaxada e, após um estupro, ela não consegue o feito, já que se lembra da cena do abuso durante a relação.
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O alto nível de ansiedade decorrente do abuso pode trazer problemas como obesidade, anorexia, alergias, problemas do trato digestivo, taquicardia, tontura, falta de ar, uso de bebida, cigarro e drogas. De acordo com a psicóloga Silvana Peres, bissexualidade, homossexualidade, introversão e até problemas de pele fazem parte da lista.
Cada pessoa absorve o trauma de uma forma diferente, de acordo com a experiência de vida, valores e crenças. No geral, o primeiro passo do tratamento terapêutico é conscientizar o paciente de que ele não teve culpa no ocorrido, utilizando técnicas para reerguer a auto-estima. Dependendo da pessoa, é sugerido um trabalho em conjunto com a família. Devido à intensidade do trauma, em alguns casos, é preciso que um médico receite medicamentos que variam de pessoa para pessoa.
Algumas mulheres superam o problema sozinhas. De qualquer forma, na maioria da vezes, a pessoa simplesmente oculta a questão para si mesma, não resolvendo, mas apenas escondendo. O profissional não deve tratar a pessoa com sentimentos de pena, para que ela não se sinta vítima para sempre.
Caso a mulher tenha engravidado, tem a possibilidade, por lei, de abortar a criança. Nesse ponto, questionamentos vêm a tona, como o momento certo para gerar um filho ou não, sentir-se preparada para isso, saber se vale a pena ter uma criança que é fruto de um momento tão indesejado e, ao mesmo tempo, perguntar-se se deve interromper a gravidez, de acordo com a religião e valores que carrega.
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"Se a pessoa não resolver estes conflitos, certamente o filho será indesejado e sofrerá muito com os maus tratos dessa mãe que verá nele, a todo o momento, o fruto de um trauma que a fez sofrer e que a mantém em sofrimento", afirma Olga.
É o que acontece com *Helena. A técnica de enfermagem sofreu de abuso sexual há 22 anos e até hoje vive sob o mesmo teto do agressor: o marido, que não foi denunciado por medo. Como fruto do estupro ela teve uma filha, com quem se esforça para manter uma boa relação, engordou, se tornou ansiosa, nervosa, perdeu o emprego e não consegue ter amigos, porque o esposo pode não gostar.
"Aconteceu na volta de uma viagem à casa de meus pais. Ia passar 20 dias fora, mas acabei ficando uma semana a mais. Quando cheguei, com meu filho pequeno, ele pegou o bebê, jogou num canto e me atacou dizendo que queria saber se eu estava com outro na viagem e por isso demorei em voltar. Eu avisei para ele que não podia ser daquele jeito, senão iria ficar grávida e não tínhamos condições de ter outro filho ainda. Ele disse que se eu estivesse grávida o filho não era dele e queria a prova de que eu tinha ficado 30 dias sem ninguém. Por isso, me estuprou. Passei a ter medo dele. Tive uma filha e odiava aquela criança. Nunca nos demos bem. Vi-me várias vezes dizer coisas terríveis para ela. Depois me arrependia", conta.
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Em relação aos homens que são vítimas de atentado ao pudor, especialistas contam que, apesar de não se ouvir falar muito no assunto, o fato não é tão raro como as pessoas pensam e o abuso pode causar estragos tão grandes quanto nas mulheres. Além dos problemas já citados, pode haver uma baixa-estima e sensação de homossexualismo. Ser estuprado lhe dá o questionamento de ter sido impotente, principalmente se ele tiver algum tipo de ejaculação ou similar durante o ato, imaginando se é ou não homossexual.
Grande parte de confusões da orientação sexual é resultado da violência na infância. Os homens que foram violentados costumam carregar o fardo pelo resto da vida, sem nunca tocar no assunto, por sentir que a masculinidade foi abalada. Por outro lado, ele pode se tornar homofóbico, já que toda imagem que possa relembrar o trauma lhe causa repulsa.
Ester lembra que há alguns casos de estupro que foram tão traumáticos, que não puderam ser superados de forma alguma. "Posso dar um exemplo, onde uma mulher foi estuprada por sete homens e, apesar de todo amparo, ela não agüentou o sentimento de ser usada e acabou se atirando no metrô, causando morte imediata. Nos casos onde a recuperação é inatingível, o suicídio é a opção que eles encontram", diz.
Para ir esquecendo ou amenizando os efeitos do acontecido, a vítima deve, aos poucos, permitir o diálogo sobre o fato. A ajuda do psicólogo é importante para extravasar sentimentos como raiva, repulsa, dor, nojo e vergonha.
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Colaboraram:
? Márcia Salgado
? Associados da Campanha Quebrando o Silêncio
? Núcleo de Estudos em Violência da Universidade de São Paulo
? Olga Tessari
? Escritório Peris Advogados Associados
[email protected]
? Ester Esquenazi tem parceria com a Medic Estetic
Av. Jurista Evandro Lins e Silva, 840, 218, Office Tower, Barra da Tijuca - RJ
Fone: (21) 2178-2193
? Silvana Peres é psicóloga da Água Viva, em parceria com a Clínica Pazos
Clínica Pazos: Centro Empresarial Barra Shopping - Av. das Américas, 4200, bl 4, Sala 106, Ed. Buenos Aires - RJ
Fone: (21) 3150-2819/2818
? Sandra Novaes
Downtown - Av. das Américas, 500, Bl. 04. C. - RJ
Fone: (21) 3171-3171
? Eduardo Alfredo da S. Vieira
Downtown - Av. das Américas, 500, Bl. 16, Sl. 228 - RJ
Fone: (21) 3153-7863
? Hospital Pérola Byington - Centro de Referência da Saúde da Mulher
Fone: (11) 3112-1181/ (11) 3242-3433
Atualizado em 6 Set 2011.