Guia da Semana

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Cena do filme Piaf - Um Hino ao Amor

Para ouvir: Je Ne Regrette Rien

- Se fosse dar um conselho a uma mulher, qual seria?
- Ame!
- A um jovem?
- Ame!
- A uma criança?
- Ame!

(Do filme Piaf - Um Hino ao Amor)

(Silêncio)

Antes de você falar "é melhor assim, você tomou a decisão certa" eu cheguei a ter um devaneio com sua boca calando a minha e me fazendo mudar de idéia, e toda vez foi assim, não me entenda mal, mas não me entenda bem, eu sempre tomei as decisões, mas sempre esperei que você não as aceitasse, me contrariasse. Não quero fazer tipo, eu preciso falar só isso, nem que essa conversa seja apenas um ensaio do que eu sempre quis te dizer e ficou preso, uma conversa no telefone engasgada no meio de uma madrugada fria. Resolvo escrever aqui, e na frente desse computador meus pés descalços, nus, estão sem meias, minhas mãos vão deslizando pelo teclado como uma maneira impensada e sem lógica de escrever palavras soltas, de me esquentar, porque o chá quente aqui do meu lado de nada serviu e então continuo a escrever frases sem sentido, sem pontuação e o Word do meu micro enche de linhas sublinhadas em vermelho e verde, não reconhecendo e não aceitando meus erros, palavras sem colocação lógica, como as desses ímãs que eu tenho na porta da minha geladeira que ficam soltas, avulsas, dispersas esperando que alguém monte uma frase antes de um gole d´água ou mesmo me esperando quando eu abrir sua porta sem querer pegar nada e ficar olhando a luz de dentro dela, pensando, eu voltaria pra cá sem ter tocado nada, nem a cerveja que eu mandei comprar te esperando... Eu não lavei as mãos e agora sinto na ponta dos meus dedos o teu cheiro, impregnado, persistente, a mistura do teu sabonete predileto com a nicotina saindo dos teus poros.... Eu quis ficar olhando teu rosto pela última vez decorando sua geografia perfeita, e a nossa música presa na minha memória, como se fosse sempre a última que tinha ouvido embora não a ouço há dias, ela fica aqui, presente.

(....) A carne viva. Pulsante. Ferimento exposto. Agulha esquentada na boca do fogão prestes a tirar o pus de dentro.

Eu queria fazer um feitiço, uma mágica pra que eu conseguisse te ter apenas como uma lembrança boa, um pretérito mais que perfeito que um dia insistiu em mudar seu modo gramatical. Quero permanecer calada, muda, gritando somente através das minhas palavras presas aqui, nessa tela.

(Silêncio)

Embora não admita, eu sei que o que fez você levar nossa história até aqui foi esse seu jeito de ir levando a vida como quem pula poças d´água na calçada, depois da chuva sem cair nelas. Mas tenho certeza que agora tudo isso se desmorona.

Vou seguir meu caminho, "podexá". E as palavras que antes não tinham nenhum sentido e nenhuma pretensão, agora praticamente mudam de idioma e as letras se misturam sem vogais, com muitas consoantes, como as russas, as alemães e é assim que me sinto agora sem sentido, sem rumo, sem vogal... Mas tudo vai mudar. Uma pena, nossa separação virou um soneto, embora eu sempre quisesse que nossa história virasse um conto com final feliz. Minha pontuação me fere. Eu acho melhor...

(Barulho de chave rodando a fechadura do lado de fora)

Quem é o colunista: Guilherme Gonzalez, administrador e ator do Pará para a Terra da Garoa.

O que faz: Paraense, radicado em São Paulo, Guilherme Gonzalez é uma mistura de ator e produtor cultural. É um dos fundadores da Cia. Teatro de Janela.

Pecado gastronômico: Sorvete de tapioca.

Melhor lugar do Brasil: Praia do Amor em Pipa/RN bem acompanhado.

Fale com ele: [email protected]

Atualizado em 6 Set 2011.