Guia da Semana

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"Preciso te contar uma coisa". Muitas conversas sérias começam com essa frase. Se você foi o escolhido para ouvir, sinta-se agraciado: afinal, grandes revelações só devem ser compartilhadas com pessoas de confiança, como um bom amigo. Depois da apreensão inicial, vem a notícia: "eu sou gay". As reações variam, mas geralmente começam com um par de olhos arregalados - os seus -, um pouco de surpresa e, enfim, o apoio que só um amigo do peito pode dar. O Guia da Semana ouviu homens e mulheres heterossexuais para saber como foi a experiência deles ao ver seus amigos "saindo do armário", e o que é melhor fazer nessa situação.

"O primeiro contato foi na igreja e, na época, ele namorava uma mulher. Ficamos mais amigos e a gente saía para barzinhos, cada um com sua namorada", conta Tato Sales, técnico especializado em educação, amigo do homossexual Jorge (*), que namora um homem há mais de cinco anos. Nessa mudança de "status", a amizade continua irretocável.

Tato acompanhou bem o processo de "sair do armário" de Jorge. "Eu percebi umas mudanças no comportamento dele. Ele começou a ir para umas baladas diferentes das que a gente ia e ele não me chamava", lembra. Até que um dia, o famoso dia, Jorge disse que precisava contar algo sério para ele e que não queria que a amizade entre eles mudasse. Foi quando Jorge soltou o bombástico "eu sou gay". Hoje, além de a amizade ter se fortalecido, eles continuam saindo nos fins de semana em casais e até o filho de Tato já saiu com Jorge e seu namorado. "Espero que meu filho não tenha preconceito".

Essa atitude de apoiar e ouvir o amigo homossexual é a mais acertada, de acordo com Kátia Horpaczky, psicóloga especializada em sexualidade humana, terapia de família e casal. Contar para alguém que você é gay é, ao mesmo tempo, libertador e perigoso: afinal, o segredo foi revelado. "É muito difícil não se sentir vulnerável - o que pode ajudar é recebendo apoio dos amigos", diz Kátia.

O medo que o homossexual sente de perder a amizade do amigo hétero faz sentido. "Vai que ele acha que eu posso ficar afim dele?", é a primeira interrogação que aparece quando o gay decide sair do armário. Embora não seja infundado, esse interesse não é muito comum, de acordo com a psicóloga Kátia. Nada que uma boa conversa resolva. "É difícil haver esse interesse. Se o amigo descobrir ou se o gay quiser contar, é bom conversar sobre o assunto com clareza e transparência", explica.

Em alguns casos, o comportamento já mostra que o homem é homossexual - aí nem precisa contar para ninguém, já é evidente. Foi o que aconteceu com o jornalista Rafael Stemberg, que conheceu Douglas (*), da turma do arco-íris, no local de trabalho. "No começo, era mais como um colega de trabalho, mas mais tarde ficamos mais amigos. E ele nunca precisou me contar nada". Eles se conheceram em 2005, continuam amigos e saindo juntos. "Temos uma relação de amizade, temos muitos amigos em comum e frequentamos quase sempre os mesmos lugares. Nunca deixei de ir a uma festa por causa dele", conta.

O lado delas

As mulheres homossexuais também precisam de ouvidos amigos para contar esse segredo tão particular. No caso, as amigas próximas são as grandes confidentes, especialmente quando a família da garota não aceita a sua homossexualidade. Aliás, contar para os pais logo de cara pode não ser a melhor coisa a fazer. "A decisão de contar para a família tem de ser bem pensada e ponderada. Nem sempre, em um primeiro momento, é a melhor opção - depende do tipo de família, da relação familiar", explica Kátia. Por isso que melhores amigos e amigas são as pessoas mais indicadas - ou não seriam os "melhores".


A cerimonialista Alyne Cristina Arrojo, de 23 anos, conheceu Olívia (*) no ensino médio, mas nunca desconfiou que ela fosse homossexual. "Nem passava pela minha cabeça essa possibilidade. Ela sempre foi muito reservada e de poucas palavras, ficava bem difícil desconfiar de alguma coisa", lembra. Mas a revelação aconteceu de forma inesperada. "Ela simplesmente se virou pra mim e disse 'Eu gosto de meninas!'", lembra.


A reação? A mais natural possível. "A notícia foi dada por ela de uma forma tão simples, tão direta que, na hora, não tivemos reação alguma, a não ser dar umas risadas da maneira como ela falou", conta. E a amizade entre as duas ficou mais forte - afinal, com uma aliada, Olívia sabia que poderia contar com Alyne para o que precisar. "Ela percebeu que nada mudou na nossa amizade depois que ela me contou o seu segredinho, e se aproximou ainda mais de mim. Nos tornamos confidentes uma da outra".


Em outros casos, a moça namora há um bom tempo uma garota, mas diz que tem um namorado só para não levantar suspeitas. Até que, um dia, ela não aguenta esconder mais e escolhe uma amiga de confiança para contar o segredo. Foi assim que aconteceu com Jaqueline Estella de Oliveira, auxiliar administrativo. Sua amiga Camila Ayres vivia dizendo que namorava um homem para justificar a sua aliança de compromisso. "Eu nunca desconfiei de nada, porque ela sempre falava do 'Rafa'. Até que um dia ela disse 'preciso te contar uma coisa, mas você não pode contar para ninguém'". Foi quando Camila disse que ela tinha uma namorada. "Na hora, eu baqueei. Pensei: 'será que é isso mesmo que estou ouvindo?'", lembra. Hoje, continuam amigas. "A amizade não mudou", diz. E é isso que todos os gays e lésbicas esperam: um amigo com quem contar para ir para as baladas e dividir momentos difíceis. Porque, no fim das contas, todos nós precisamos de boas amizades - e isso nos torna iguais.


(*) Alguns nomes foram trocados para manter a privacidade dos entrevistados

Atualizado em 12 Fev 2014.