Guia da Semana

Fotos: Gabriel Oliveira
Torcedoras no Parque Antártica



Avenida Jorge João Saad, 17h de domingo. É dia de mais uma rodada pelo Brasileirão 2008, clássico paulista entre São Paulo e Portuguesa. Torcedores bebendo nos bares ao redor e cantando pelo seu time. Após a última "gelada", misturam-se com outros fanáticos que estão nos portões do estádio do Morumbi. A maioria usa a "farda", como chamam a roupa do time de coração. E, em meio a tantos homens, vem Claudia Soares, 25, são-paulina, também trajando sua "farda". A dela mais delicada (camisa curtinha, com a barriguinha de fora, e calça jeans revelando as curvas). "Não é porque estou no estádio que não vou me preocupar com a aparência. Sou vaidosa sempre", diz sorridente.

A violência nas partidas de futebol já foi muito pior na década de 90. Mesmo com o que existe de ruim atualmente, as mulheres não se intimidam e, ao poucos, vão conquistando seu espaço na arquibancada, seja por vontade própria ou por incentivo alheio, como no caso da torcedora Roberta Agra. "Meu namorado sempre está por aqui, mas hoje eu resolvi acompanhá-lo. Ele me protege", comenta tranquilamente.

O começo

Para toda a primeira vez na vida é preciso muito incentivo. Para ir a um jogo de futebol não é diferente, o receio e a insegurança tomam conta de qualquer torcedor iniciante. É nessa hora que entra em cena o destemido e experiente freqüentador de estádios. Após um convite e outro, Mayara Prado resolveu matar a vontade e foi, com um amigo, pela primeira vez às arquibancadas do Palestra Itália. A identificação foi tanta, que hoje ela é presidente da ala feminina da torcida Acadêmicos da Savóia.

O grupo alviverde conta com 1200 integrantes, sendo 200 mulheres. "No começo, as meninas percebiam que um grupo de garotas ficava em um canto da arquibancada e foi se juntando a nós. Lá elas estavam mais seguras, e assim foi crescendo essa turma", revela Mayara, e ainda completa "quando a gente se empolga, as outras que estão lá dentro, mas não são da organizada, ficam do nosso lado e gritam os 90 minutos, sem parar. Chama muito mais atenção".

É natural que nenhum pai ou mãe queira ver a filha delicada freqüentar esses lugares de marmanjos, porém sempre existe na árvore genealógica um tio ou primo que foge às regras e leva a jovem inocente para se misturar com o povão e conhecer esse lado bom que a família não passa.

Palmeirense desde criança, com apenas 7 anos de idade Priscilla Mazini, 26, foi a uma partida de futebol pela primeira vez. O grande responsável? O tio dela. "Ele já tinha me dado todo o uniforme do Verdão e depois me levou ao jogo. Quase não vi nada, eu era muito pequena. Fui o moleque que ele nunca teve", relembra.

Sem pensar muito, o querido tio foi mais longe do que muitos, para completar o "serviço" ele colocou Priscilla como sócia da torcida organizada Mancha Verde, da qual ela é integrante assídua até hoje.

Priscilla Mazini na sede da Macha Verde, em frente ao Palestra Itália



Tragédia de 95

No dia 20 de agosto de 1995, no estádio do Pacaembu, o São Paulo enfrentava o Palmeiras pela final da extinta Supercopa de Futebol Júnior, com portões abertos o local ficou completamente lotado. Naquela ocasião, as duas torcidas se esqueceram de vibrar com o time. Ao término do jogo, invadiram o campo e travaram a maior batalha entre organizadas vista até hoje.

Infelizmente, lá também estavam pessoas que foram apenas incentivar as equipes, mas que saíram machucadas, como a torcedora Priscilla. "Eu fui escondida, com o meu tio, nós falamos para a minha mãe que ele iria me levar no Parque do Ibirapuera, foi o meu primeiro clássico. Na inocência, pulamos o gramado para comemorar e de repente começou aquela guerra, era pedra e pau voando pra cima da gente", lamenta.

Depois de uma experiência assim, ela pensou em deixar de ir ao estádio, mas ao se deparar com a mãe esperando por ela em casa, mudou de opinião. "Quando eu cheguei, ela tinha certeza que eu estava no jogo, então ela juntou as minhas roupas do palmeiras, algumas que nem eram minhas e começou a queimar no meio da rua. Eu fiquei com muita raiva da minha mãe, bati de frente com ela e nunca mais deixei de ir ao estádio", confessa inconformada.

Respeito e convivência

Outra grande dificuldade que impede as mulheres de comparecem aos campos de futebol é o respeito que a maioria dos homens deixa de lado quando se dirigem a elas. Mas a presidente Mayara superou isso. "No começo foi um pouco difícil ter a nossa ´ala´. Os rapazes não aceitavam e achavam desnecessário ter essa parte feminina. Depois eles deixaram o machismo de lado e conquistamos o respeito de todos", admite.

Dentro da associação, ainda pequena e recente, todos já se conhecem e se encontram semanalmente por um só ideal, torcer pelo clube. Mas as integrantes assumem que já "beijaram" alguns homens da organizada. Porém, existem os outros inúmeros torcedores que não conhecem as garotas, desses não tem como fugir. "Eles mexem direto. Quando a gente passa, eles comentam: olha só a torcida das gatas e das gostosas. Mas isso é normal, queremos ser reconhecidas pelo nosso empenho" diz a comandante da Savóia.

Mesmo indo desde pequena nas partidas e sendo sócia da Mancha Verde, a assistente executiva Pricilla não encontrou facilidade para ganhar o seu espaço. São 15000 integrantes, então é normal que nem todos se conheçam, por isso a "luta" é maior. "Os homens dão em cima mesmo, toda menina nova é uma vaca, isso até a garota provar diferente, ela precisa mostrar que está lá pelo time, e não procurando homem. Foi assim que ganhei o respeito de todos", aconselha a experiente palmeirense.

Gradativamente a população feminina vai crescendo nas arquibancadas nacionais. Não é preciso fazer parte de uma torcida organizada para ganhar o seu espaço. A segurança está ameaçada em qualquer lugar. As mulheres são independentes e podem fazer o que têm vontade. Se querem embelezar os estádios e acompanhar uma partida de futebol, os homens só devem agradecer, respeitar e torcer.

Atualizado em 6 Set 2011.