Guia da Semana

Foto: Photocase.de


Último minuto do derby na cidade de Hillah, sul do Iraque. O Sinjar está na frente no placar, mas sofre pressão do adversário, o Buhairat. Disposto a tudo pelo empate, o atacante Heidar Kazem recebe a bola na área, se livra da marcação e se prepara para o chute. Praticamente, não tem como errar. Então, o absolutamente inesperado acontece. Um tiro da torcida adversária acerta a cabeça do atleta, que morreria no hospital horas depois.

O padrão de violência demonstrado no estádio iraquiano é muito diferente do que é visto em outras partes do mundo. Em países europeus e latinoamericanos os conflitos são entre torcedores e, cedo ou tarde, com a polícia que chega para reprimir o confronto. Se por um pode até ser alentador saber que, em algum lugar, a situação é mais grave, por outro, é assustador verificar a que nível chega a cabeça de um torcedor.

E no Brasil? Por aqui, uma semana depois do incidente iraquiano, no Rio de Janeiro e em São Paulo, quase simultaneamente houve pancadaria entre torcedores e policiais. No Pacaembu, santistas de uma organizada, ladeados pelo presidente do clube, Marcelo Teixeira, foram filmados em confronto com policiais. Nas imediações do Maracanã, flamenguistas e vascaínos se digladiavam.

Como explicar reações tão violentas despertadas pelo futebol?

Alguém pode evocar a psicologia social e falar da "força do grupo". A irracionalidade se sobrepõe quando um indivíduo comum está com outros que se encorajam mutuamente. Pode-se recorrer a outras áreas do conhecimento, mas aí seria apelar rapidamente demais para a filosofia de botequim, nobre arte tantas vezes desvalorizada. Ater-se a essa explicação não permitiria discutir as soluções adotadas mundo afora.

Na Inglaterra, durante a década de 80, os hooligans tornaram-se um problema crônico. A crise no berço do futebol também atingia os clubes, mas esta seria solucionada com novos contratos de direitos de transmissão televisivas. A primeira tentativa de conter os brigões foi barrar o álcool nos estádios e instalar câmeras de segurança.

Se inicialmente o pior do conflito passou, os grupos de torcedores britânicos amalucados continuam a ser motivo de temor em toda a Europa. Em 2006, por exemplo, a polícia da Alemanha armou um esquema especial para hooligans durante as partidas da Inglaterra na Copa do Mundo. Ações similares acontecem nas partidas da Eurocopa e da Copa da Uefa. Longe dali, mais perto do Brasil, há outro modelo com semelhanças e diferenças. Na Argentina, além das câmeras, passou-se a exigir o cadastro prévio de todos os torcedores. Para comprar ingresso, é preciso estar previamente fichado.


A questão é importante porque tem a ver com as medidas anunciadas pelo governo brasileiro para lidar com o tema. O cadastro dos torcedores e a possibilidade de bani-los dos estádios pode soar bem a formuladores de políticas de segurança pública. Mas provocam arrepios na espinha de defensores de direitos de privacidade. Considerar alguém como potencial envolvido em conflitos é, de certa forma, criminalizá-lo. Essas formas de controle extremado podem ser uma ameaça com contornos que lembram medidas fascistas, defendem esses analistas.

No projeto brasileiro de mudança do Estatuto do Torcedor, diferente do argentino, apenas os integrantes de uniformizadas é que precisariam passar pelo fichamento preventivo. Elas seriam ainda formalizadas como pessoas jurídicas de direito privado e responsáveis pelo comportamento de seus associados.


Outra medida, adotada em caráter emergencial, seria permitir a entrada apenas de torcedores de um dos clubes nos jogos. O ministro dos Esportes, Orlando Silva, defendeu a medida, também incluída pelo vizinho sulamericano. "A situação é tão crítica, mas em São Paulo, nos clássicos, é o caso de uma torcida de mandante presente. É uma situação limite", declarou no Arena Sport Clube, na SporTV.


Será que é só a violência que afasta o público mais pacato? A dificuldade de se comprar ingresso e a falta de conforto não contam? A legalização das organizadas, com todas as responsabilidades envolvidas, resolveria mesmo o problema? São algumas das perguntas centrais desse debate, realizado em partes diferentes do mundo.


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Quem é o colunista: Anselmo Massad é palmeirense e jornalista.

O que faz: Um dos fundadores do Futepoca.

Pecado gastronômico: Cachaça Velha Motinha, pra só citar uma.

Melhor lugar do Brasil: A Mesa de Bar, com conversa animada.

Time de Futebol: Palmeiras.

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Atualizado em 6 Set 2011.