Guia da Semana

Do anonimato ao glamour. Fluvia Lacerda foi tentar a vida no exterior, como milhares de compatriotas, e encontrou, além do emprego de babá, faxineira e garçonete, uma realidade que jamais havia sonhado. Considerada a brasileira pioneira em trabalhar no exterior com o segmento Plus-Size (voltado à modelagem de roupas para gordinhas), deixou de lado fraldas, flanelas e bandejas e deu lugar a capas de revista, cliques e grifes famosas no mundo todo. Hoje, com a agenda lotada, a modelo não para de viajar por diversos países e ganhar cada vez mais visibilidade no cenário da moda.

Contratada há três anos por uma das grandes agências dos Estados Unidos e estrelando campanhas milionárias, a carioca de 28 anos - que mede 1,72 metro e usa manequim 48, é uma das modelos mais bem pagas no ramo das "cheinhas". Fluvia, que mora em Nova Iorque com o marido australiano e a filha de 8 anos, deu um tempo entre um clique e outro para conversar com o Guia da Semana. Confira!

Guia da Semana: Como você decidiu seguir a carreira de modelo?
Fluvia Lacerda: Quando cheguei aos Estados Unidos, a vida não foi fácil. Lavei chão de restaurante, fui babá e faxineira. Não tinha dinheiro para nada, comia macarrão instantâneo todo santo dia. Uma típica história de imigrante brasileira no exterior. Lembro que o frio era horrendo e era comum entrar em desespero e cair na choradeira. Nessa mesma época, minha família começou a passar por necessidades no Brasil então, eu também me sentia na obrigação de ser forte para ajudá-los. Um dia, estava dentro de um ônibus, voltando do trabalho de babá, quando fui abordada por uma americana, que me questionou sobre a possibilidade de trabalhar como modelo. Na hora, achei que era uma piada, afinal, como eu, uma mulher acima do peso, poderia ser considerada "material" ideal para o mundo da moda? Ela me direcionou para uma agência de modelos, dando uma explicação rápida de como funcionava esse mercado Plus Size. Alguns dias depois, tomei coragem e fui conhecer a tal agência. Saí de lá com o contrato e minha vida mudou completamente.

Guia da Semana: O que te motivou a aceitar o convite?
Fluvia: Eu não tinha nada a perder. Foi como se surgisse uma luz no fim do túnel. Nunca pensei em ser modelo, até porque minha referência era como a de qualquer outra pessoa: mulheres magérrimas e sem curvas. Mas, à medida que fui conhecendo mais esse mercado, vi que minha missão não era apenas estrelar campanhas ou participar de sessões fotográficas. Era libertar as pessoas de suas prisões mentais, mostrar que a auto-estima abre muitas portas, principalmente a da felicidade. As pessoas adoram falar mal, criticar. Mas, e daí? Enquanto alguns perdem tempo com essas besteiras, é importante viver cada dia. Seja gordinha ou magrela, morena ou loira. Muitas pessoas, às vezes, pensam que levanto a bandeira apenas das gordinhas. Não é nada disso. Minha bandeira é a da auto-estima, ser feliz do jeito que é, principalmente porque a beleza vem em pacotes diferentes. Existem pessoas pré-dispostas geneticamente a serem magras, outras não. E o meu questionamento é: por que aquela que não tem tendência a ser magra precisa se submeter a todo tipo de loucura (até cirurgia) só porque fulano e beltrano dizem que não é bonito?

Guia da Semana: Quando você percebeu que sua carreira deu certo?
Fluvia: Quando tive que abandonar a vida de babá para me dedicar só a isso. Cada dia estava fotografando em um lugar diferente, para marcas distintas. Hoje, sinto que vivo o melhor momento da minha carreira. Não só por conta do trabalho em si e das inúmeras viagens, e sim por poder conversar com outras mulheres de diversas partes do mundo e abrir seus olhos. Com quanto mais pessoas eu puder ter contato, maiores as chances de combater essa ditadura da magreza.

Guia da Semana: A questão do peso te incomodou em algum momento?
Fluvia: Nunca. Tanto que nunca fiz dieta na vida. Minha mãe é professora de educação física e sempre pratiquei esportes, por conta disso. Nunca deixei de fazer nada por causa do meu peso. Acho que isso está muito ligado à cabeça e como você se vê perante outras pessoas. Para mim, o importante sempre foi ser uma pessoa saudável.

Foto: Divulgação


Guia da Semana: Já sentiu algum tipo de preconceito por ser diferente das modelos de passarela?
Fluvia: Dentro da minha própria família. Sempre lidei com as sugestões indesejáveis de fazer plástica ou dietas malucas. Com comentários de que tenho um rosto lindo, como se um dia fosse magra seria um ser humano completo. As pessoas tentam impor o que julgam ser "beleza perfeita" e não conseguem entender a ideia de que simplesmente sou feliz do jeito que sou. Mas sou craque em me desligar desses tipos de sugestões que chegam a serem rudes.

Guia da Semana: Porque no Brasil as modelos GG não emplacam?
Fluvia: É uma questão de visão de mercado. Não entendo porque isso ainda não acontece no Brasil. Não existe um mercado desenvolvido de roupas Plus Size no país. O fato é que isso é uma mina de ouro e ninguém percebeu ainda. Há demanda, que eu sei. Na Europa, a diferença é brutal. A começar que não é preciso ir a uma loja especializada para encontrar tamanhos maiores. A mesma roupa que é confeccionada para a magrinha, também é encontrada em manequins 42, 44, 46, 48 e até maiores. Recebo centenas de e-mails diariamente de gordinhas que relatam suas histórias, que reclamam da falta de opção, que chegam a pagar R$ 300,00 numa calça porque é a única que serve. E eu me pergunto: por que ninguém investe nisso? É como se o dinheiro de uma gordinha não tivesse valor. Eu tenho pensado muito nisso. Quem sabe daqui um tempo vocês não se deparem com a marca Fluvia Lacerda no Brasil?

Guia da Semana: Quais as dicas para as mulheres que estão acima do peso não errarem no visual?
Fluvia: Em primeiro lugar, precisam valorizar a si mesmas, se curtirem, se amarem do jeito que são. O fato é que podemos ser lindas e maravilhosas mesmo com uns quilinhos a mais. As cheinhas têm tendência de viver em extremos. Ou usam preto (para disfarçar) ou só se vestem com roupas super coladas em branco ou cores vibrantes, que ressaltam mais do que deveriam. Para estar dentro da moda, uma regra é valiosíssima: vestir aquilo que lhe cai bem, respeitando o seu corpo. Se você tem um corpo com formato de pera, por exemplo, use roupas mais escuras e estampas discretas na parte de baixo. E na parte de cima, pode abusar dos coloridos, estampas e estilos mais divertidos e vibrantes. Se você já faz o gênero triângulo invertido, faça tudo ao contrário.

Guia da Semana: Você faz exercícios ou segue algum tipo de dieta?
Fluvia: Eu malho cinco vezes por semana, mas vou para a academia porque eu gosto da sensação, da energia e da disposição. Não malho pensando nos quilos que vou perder ou nas calorias que estou queimando. Meu ritual inclui andar de bike, para fortalecer os músculos. Duas vezes por semana, faço aulas de ginástica localizada, também com o objetivo de manter tudo durinho. Uma vez por semana pratico Flamenco e há três meses me matriculei no curso de yoga Bikram, realizada numa sala à temperatura de 40°C, com duração de 90 minutos. Com relação à alimentação, ser gordinho não quer dizer sair comendo tudo o que vê pela frente. Nunca fiz dieta, mas também não vivo comendo besteiras, tampouco tenho uma vida sedentária. No entanto, se quero comer um chocolate ou um prato com arroz e feijão, por exemplo, não me nego a esse prazer de forma alguma. Não como frituras, ou massas feitas com farinha branca. Consumo alimentos integrais. Não bebo refrigerantes e não como comidas processadas. Eu me preocupo com os ingredientes químicos adicionados nas comidas ao invés do número de calorias.

Foto: Divulgação


Guia da Semana: Alguma vez você já pensou em fazer cirurgia plástica?
Fluvia: Não condeno quem faça, porém acho que, hoje, isso está fora de controle. As mulheres são constantemente bombardeadas por uma beleza que vem a custo de passar fome ou ir para a faca. Eu me revolto com certas situações e sou honesta ao dizer que tem coisas que ainda não consigo entender. Ainda me choca quando vejo que muitas pessoas perdem a chance de curtir o prazer de ser mulher, de curtir amores, a família e os amigos, simplesmente por conta do constante pensamento de que precisam ser magras.

Guia da Semana: Você tem medo de críticas?
Fluvia: Sempre vão existir críticas: se você é muito alto precisa ser mais baixo, se tem cabelos vermelhos deveriam ser loiros, se ele é cacheado precisaria ser liso, se é muito baixinha não pode ser perfeita, a muito magra é feia, a cheinha vive afogada em paranoias e sonhando com uma pílula mágica para ficar magra. Sou objetiva e lógica quanto a esse aspecto da minha vida. Acredito que as pessoas vão pensar o que quiser não importa o quanto você se esforce pra se encaixar num molde, que muitas vezes não é seu por natureza.

Guia da Semana: Qual o seu maior sonho profissional?
Fluvia: Com certeza é trabalhar no Brasil, estrelar uma campanha, criar um mercado que ainda não existe. Poder ajudar as mulheres a se vestirem melhor e encontrarem a felicidade dentro de si. Afinal, quem pode se sentir sexy vestindo um saco de batatas ou roupas do tempo da sua avó? Na minha última ida ao Brasil tentei fazer compras no shopping e não consegui comprar nada, me decepcionei. O mercado simplesmente continua como há 10 anos, quando fui morar no exterior. É preciso mudar isso!

Guia da Semana: Qual conselho que você daria às mulheres infelizes com o corpo?
Fluvia: Eu sempre me achei linda. Mas não digo isso de forma "metida" ou que me sinta melhor que as outras pessoas. Como disse, beleza não deve ser traduzida apenas por traços do rosto, pernas contornadas ou pela silhueta. Ela é um conjunto de coisas, principalmente, que carregamos dentro da gente. Infelizmente, o tempo não para. Enquanto algumas mulheres perdem momentos importantíssimos buscando ser alguém que os outros aceitem, acabam por se esquecer de buscar a própria felicidade. Então, meu conselho só poderia ser um: seja feliz, se ame, se curta do jeito que é e gaste mais tempo pensando em você e nas pessoas que ama do que com aquelas que só querem te ver pra baixo.


Atualizado em 10 Abr 2012.