Guia da Semana

Fotos: Leonardo Filomeno


Tataraneta de Campos Salles e modelo. Adriana Salles tinha tudo para viver nas passarelas de moda ou nas colunas sociais. Mas o caminho escolhido foi outro: o boxe, esporte pelo qual ela luta por reconhecimento e respeito há mais de 14 anos, em busca do título mundial. Primeira campeã paulista e brasileira da modalidade, se diz fã do filme Menina de Ouro, comparando sua história com a da protagonista do filme de Clint Eastwood, vivendo em uma realidade, na qual onde até pouco tempo, as mulheres não tinham vez.

Com 39 anos recém completados, a pugilista número 1 do país interrompeu o seu treino para receber a nossa equipe. Com um jeito meigo e sorriso no rosto, a boxeadora (que também toca piano) abriu a guarda e mostrou que não tem papas na língua, falando abertamente sobre o esporte, feminilidade, cuidados com o corpo e atletas de fachada.

Guia da Semana: Como você conheceu o boxe?
Adriana Salles:
Admirava o Mike Tyson e o conheci através de uns amigos que lutavam. A minha história é semelhante a do filme A Menina de Ouro, onde todos viraram as costas e ninguém queria ajudar. Alguns comentavam: "Pô, loirinha, modelo e de olho azul, não, eu não fico com essa responsabilidade não!". Aí fui com um amigo para o Panamá, onde treinei com Roberto Durán "Mano de Piedra" - que gostava da minha "direitcha" - e comecei a praticar.

Guia da Semana: Antes de optar pelo Boxe, você era modelo, saía bastante, bebia, se envolveu com drogas... O que mudou em sua vida?
Adriana:
Mudou tudo. Sem o boxe, não estaria aqui feliz e cheia de saúde. Como modelo, ganhava bastante dinheiro e trabalhava muito, mas sentia que faltava alguma coisa. Nessa época, fui para o Japão e Espanha. Quando voltei, quis melhorar minha saúde, parar de sair à noite.

Guia da Semana: O público conhece o boxe masculino de elite pelos salários altos e apostas milionárias. Funciona da mesma maneira para as mulheres?
Adriana:
A gente tem que ter sorte, como eu. Conheci o Seu Edu, meu empresário e o Xuxa, que considero o melhor treinador. No Brasil, a bolsa para subir no ringue é entre R$ 300,00 e R$ 500,00. A maior bolsa que tive aqui, quando ganhei o título brasileiro, foi de R$ 3 mil. Quem me levou para ganhar título e dinheiro no exterior foi o Seu Edu. Lá fora, ganhei U$ 8 mil na última luta. É muita diferença.


Para não perder o ritmo, Adriana Salles treina de segunda a sexta, além de trabalhar como instrutora de boxe e personal trainer.

Guia da Semana: Quantos anos você tem de em cima dos ringues?
Adriana:
Doze anos, com 35 lutas, sendo 17 no profissional. São cinco nocautes e quatro derrotas, contando a primeira luta não profissional no Panamá. Mas eu só considero uma derrota, na verdade, que é contra a Alejandra Marina Oliveras La Locomotora, quando perdi o título mundial para ela, em agosto de 2007. Ela subiu no ringue com 10 quilos a mais que eu, pedimos o anti-doping duas vezes e nada. No dia da luta a panturrilha dela estava o dobro da minha coxa. Aguentei dez assaltos e perdi. Essa foi a única que sem sacanagem. Em fevereiro de 2008, com a Marcela La Tigresa Acuña, bati pra caramba, mas deram a vitória para ela. A última foi em novembro, na Alemanha, com a Ina Menzer. Estava uma luta legal, até ela acertar uma cabeçada em mim e o juiz não fez nada. Ele ficava grudado em mim, como se quisesse falar: "Você não vai nocautear ela!". Boxe é ataque, defesa, maior número de golpes e iniciativa. Fui tudo isso na luta e deram o título para ela, só porque estava em casa (revela com lágrimas nos olhos).

Guia da Semana: Existe essa história de acerto, luta combinada?
Adriana:
Luta combinada, já não sei. Mas é fato que se você não ganha lá fora por nocaute, não ganha. Mesmo fazendo uma luta perfeita, se não derrubar, eles dão por ponto para o seu adversário. É triste para o atleta, né? Fiquei muito chateada no final do ano e quase parei mesmo, só não parei porque eu amo boxe e por causa deles (Seu Edu e Xuxa).

Guia da Semana: O boxe feminino no Brasil é uma modalidade recente?
Adriana:
É. Tem muitas meninas que falam que lutam boxe, mas não lutam. Quer que eu cite nomes? Tem uma que aparece na televisão, com um título Mundial que não existe, como o WIBA. Todo mundo sabe que existe a Organização Mundial do Boxe (WBO), a Associação Mundial de Boxe (WBA) e Federação Mundial (FIBE), mas o WIBA? Eu mesmo fui para a Argentina e me falaram que tinha uma sérvia naturalizada brasileira, campeã mundial. Tem outras aí que aparecem no BBB se dizendo boxeadoras, sobem em cima do ringue e passam a maior vergonha. Boxe feminino já é colocado lá para baixo. Ver uma menina que não sabe lutar fazer o maior absurdo em cima do ringue só piora a reputação.


Identidade: inspirada no filme de Clint Eastwood e na sua vida, a pugilista tatuou a protagonista em suas costas

Guia da Semana: Para encarar a pesagem antes da luta, você precisa perder muitos quilos? Qual o segredo para isso?
Adriana:
Preciso. Até quatro quilos em uma semana. Para isso, corto o carboidrato, consumo pura proteína e reduzo a água. Para você ter uma idéia, na disputa pelo meu primeiro título paulista, no peso-mosca, estava com 1,72 metros e tinha que ter aos 49 quilos. O presidente da Federação comentou que só via o esqueleto com o fundo azul em cima do ringue. Eu subia em cima da balança e bebia água com colher de chá para não engordar.

Guia da Semana: Você tem alguma preocupação com a beleza?
Adriana:
A principal é dormir bastante. Como acordo cedo para dar aula, chego em casa por volta das 10h, tomo café de manhã e durmo até o horário do treino (13h30). Fora isso, uso cremes para hidratar a pele e consumo muita proteína e vitamina. Minha refeição principal é no café da manhã, com um sanduíche de peito de peru com queijo branco, acompanhado com vitamina ou suco de laranja. Depois do treino, como uma salada de frutas ou um açaí. Não ganho peso fácil porque suo muito, por isso tenho medo de parar. Mesmo assim evito gordura, mas o meu problema é o chocolate.

Guia da Semana: Qual foi o momento mais importante da sua vida no esporte?
Adriana:
O momento de guinada foi o título brasileiro. Mas a luta que mais me emocionou foi em fevereiro do ano passado, contra a La Tigresa. No final, o público do Uruguai estava torcendo para mim, em uma luta que ganhei, mas não levei por causa do juiz. Lembrando, dá vontade de chorar, pois eles subiram em cima do ringue pra contestar. Foi uma coisa muito bonita. Eu que sou boba, choro quando lembro.

Bate-Bola

Nascimento: 16/2/70

Cor: preto e azul

Livro: Diário de um mago, de Paulo Coelho

Trilha Sonora para sua vida: Levanta a Guarda, música que uns rappers fizeram pra mim.

Ídolo: Mike Tyson

Filme: Gladiador

Defeito: Ansiosa, nervosa

Qualidade: Humildade

O que não faria por dinheiro: Não me venderia por qualquer coisa

Uma frase: Sempre de cabeça em pé, mas com muita humildade.

Atualizado em 10 Abr 2012.