A Traditional Jazz Band toca em bares clássicos como o Bourbon Street
Clubes de Nova Orleans, homens e mulheres bem vestidos fumam seus charutos ao som de jazz, no início do século XX. O cenário é simbólico no nosso imaginário, mas um dos principais representantes do gênero no Brasil teve um começo de carreira bem diferente.
A data não poderia ser mais marcante: 1964. O Brasil passava por grandes transformações político-culturais que ficariam marcadas para sempre na sua história. No mesmo ano, na contramão política que começa a se organizar, sete estudantes universitários decidiam formar uma banda para tocar clássicos do jazz. Nesses mais de 40 anos, muitas mudanças ocorreram no país - e com os garotos também.
O grupo que tocava em festinhas de faculdade passou a frequentar bares tradicionais de São Paulo, como o Opus 2004. Daí para os festivais nacionais e internacionais foi um pulo. Ou melhor, um salto. Hoje, com 25 cds gravados, a Traditional Jazz Band é um dos mais expressivos nomes do estilo musical.
A banda é formada por músicos reconhecidos nacional e internacionalmente: Alcides "Cidão" Lima (bateria e washboard), Edo Callia (piano), Eduardo Bugni, o Dudu (banjo e violão), Austin Roberts (trompete), Carlos Chaim (contrabaixo), William Anderson (trombone) e Marcos Mônaco (clarinete, sax-tenor). Ao longo dos seus anos de estrada, a Traditional Jazz Band vem se esforçando para mostrar que o jazz é um gênero acessível e que pode ser apreciado por todos. Para isso, organizam desde palestras comparando o mundo musical com o de negócios até o projeto Vamos ao Jazz, que em fevereiro de 2011 completa 11 anos, cujo objetivo é apresentar o gênero musical ao público, destacando seus vários estilos, autores, intérpretes e instrumentos.
O Guia da Semana conversou com o trompetista Austin Roberts, integrante desde a formação original, sobre a trajetória da banda e a atual produção brasileira no gênero. Confira!
Guia da Semana: Como o jazz e o trompete entraram na sua vida?
Austin Roberts: Comecei a tocar trompete com onze anos, meu pai é americano e gostava muito de jazz. Ele trazia discos do Louis Armstrong, Glen Miller, e o sopro e metais mexeram muito comigo. Um dia eu disse para a minha mãe "quero aprender trompete", e ela me perguntou "você tem certeza?", e eu, "tenho". Então eles me deram um instrumento bem baratinho porque não sabiam se eu ia tocar e arrumaram um professor. Tocando aqui e ali, conheci pessoas que tinham o interesse comum e formei um núcleo de jazz, de onde surgiu a nossa banda.
Guia da Semana: Como e quando foi formada a Traditional Jazz Band?
Austin Roberts: A banda começou em 1964, na Universidade Mackenzie. Estudávamos cursos de Engenharia, Direito, Economia, e nos reuníamos para tocar em festinhas da faculdade. Passamos a tocar em teatros, escolas e formamos um grupo muito aficionado pelo jazz tradicional. A banda foi progredindo, gravamos disco, programas de televisão e, em 1970, conseguimos patrocínio do Itamaraty para ir a Nova Orleans, onde ganhamos o prêmio de Melhor Conjunto Estrangeiro. Daí em diante, tocamos em festivais por toda a América Latina, Europa e fizemos a trilha sonora de três filmes, como Amor, estranho amor. E a banda continua em plena atividade.
Foto: Divulgação
A banda apresenta a história do estilo musical no projeto Vamos ao jazz, todas as sextas na Livraria Cultura
Guia da Semana: De 30 anos para cá o grupo criou sua própria produtora, a TJB Empreendimentos Artísticos. Qual a vantagem de trabalhar dessa forma?
Austin Roberts: Temos uma liberdade para escolher o repertório, podemos fazer os cds mais baratos e não temos problemas com direitos autorais. Como o jazz não é muito popular no Brasil e nós temos muitas composições nossas, às vezes isso gerava confusão na gravadora.
Guia da Semana: Quais são as influências musicais da Traditional Jazz Band?
Austin Roberts: Começamos tocando música do Louis Armstrong mas fomos até as big bands dos anos 1940, como Duke Ellington, Glenn Miller e um pouquinho dos anos 50, homenageando Chet Baker.
Foto: Divulgação
Nomes como Louis Armstrong e Glenn Miller serviram de influência para a banda
Guia da Semana: Fora dos palcos, a banda participa do projeto Afinando Pessoas e Instrumentos para o Sucesso, voltado para o mundo empresarial. Como é isso?
Austin Roberts: Fazemos uma palestra-show comparando uma banda de jazz a uma firma. Se você faz corpo mole, é invejoso ou não faz a sua parte, o ambiente torna-se desagradável. Então, mostramos isso tocando: quando uma pessoa desafina e diz que não é ela, quando um quer aparecer mais que o outro e não deixa tocar, situações que o ser humano apronta em vários lugares. Quem começou com esse tipo de projeto foi o Zimbo Trio e tem muitos grupos que fazem isso em universidades. Já trabalhamos com isso na Votorantin, Bradesco, Itaú e Caixa Econômica Federal.
Guia da Semana: Qual a sua opinião a respeito da atual produção de jazz brasileira?
Austin Roberts: Aqui em São Paulo tem grandes músicos do jazz, tem um projeto chamado Elefante, que tem bandas fabulosas como a Soundscape e a Mantiqueira. Para o profissional daqui viver só de jazz é meio difícil, ele tem que tocar outras coisas além do jazz. Mas eu acho que o nível dos brasileiros não está devendo nada lá para fora.
Guia da Semana: Você acredita que essa situação difícil para o jazzista brasileiro é decorrente de uma crise do estilo musical ou abrange todos os músicos?
Austin Roberts: Não acho que seja uma crise do jazz, o jazz nunca foi muito popular, a não ser Louis Armstrong, Ella Fitzgerald. Os jazzistas nunca morreram ricos, mas o prazer que eles tinham de improvisar no palco não tinha dinheiro que pagasse. E quem gosta de tocar é um viciado na música, parece até que é picado por um mosquitinho, não consegue parar de tocar. Na banda ninguém se sustenta com o jazz, por mais que tocamos e ganhamos para isso, mas espiritualmente eu não conseguiria parar de tocar.
Veja vídeo da apresentação da Traditional Jazz Band no vão livre do MASP, em São Paulo, 20 de novembro de 2009
Atualizado em 6 Set 2011.