Bas-fond é moda, atitude e delírio. Sempre foi e sempre será. Tudo bem, houve uma época em que ele andou meio por baixo, associado unicamente a mulheres de vida fácil, cafonice e negócios escusos. Mas, nas últimas décadas, o cinema trouxe a temática de volta com títulos como Moulin Rouge, do australiano Bazz Lurhman, e, mais recentemente, Burlesque, estrelado pelas divas (do passado) Cher e (do presente) Christina Aguilera (leia aqui sobre a origem do cabaré e confira a seleção de filmes pelo Guia da Semana).
Das telas, o burlesco ganha a cena da babel paulistana com destaque para um espetáculo e um estabelecimento. Cada um a seu estilo, o Trix Mix Cabaré Contemporâneo e o At Nine Cocktail Bar proporcionam esse envolvente encantamento, regando a noite com erotismo, arte, bebidas e diversão.
A baixa ribalta
Chove em São Paulo, mas o público não deixa de chegar ao Estúdio Emme, em Pinheiros, para mais uma apresentação. Todos sentados, dentre eles um senhor cinquentão acompanhado da esposa, de 34 anos. É claro que ele não passaria desapercebido dos olhos de Mademoiselle Blanche. "Ei, você aí, careca e bem apessoado... vovê deve ter grana, não, amigo? Não quer começar a noite fazendo uma doação para a gente rifar aqui no palco?" dispara a palhaça. A plateia cai na gargalhada, inclusive o supracitado personagem acidental. Detalhe importante: a carteira doada foi leiloada por R$ 23,50 mais um vale-transporte eletrônico.
Foto: Dora AB Mendes
Rhena de Faria como Mademoiselle Blanche, a mestre de cerimôniasda temporada de março do Trix Mix
"Para o artista, a proposta do cabaré é muito desafiadora, pois o público pouco conhece o gênero, logo, não está ganho desde o início, como no teatrão tradicional. Aqui, a sedução da arte se dá a duras penas e é exercida a cada minuto, até o momento em que a plateia está aqui, no bolso" explica mais tarde Rhena de Faria, já desincorporada da personagem de nariz vermelho.
Com mais de dez anos de palhaçaria e integrante do grupo teatral de improviso Jogando no Quintal, a artista é a mestre de cerimônias convidada até o final de março do Trix Mix Cabaré Contemporâneo. Por dois meses, ela chamou e organizou a entrada dos oito números que compõe o espetáculo, que percorre a cena paulistana desde 2007. No final do ano passado, o cabaré aportou nesse recente palco da zona oeste.
"Já tínhamos entrado em contato com esse conceito na Europa, e em Berlim, essa cena é muito forte. O cabaré contemporâneo nada mais é do que uma releitura dos antigos shows de variedades, apresentando, numa única noite, bailarinos, mímicos, cantores, malabaristas, manipuladores de bonecos... ou seja, todo o tipo de expressão artística", conta Emiliano Pedro, fundador, curador e diretor do Trix Mix.
Com quatro anos de estrada, Emiliano e a parceira Raquel Nunes já abriram espaço para os mais diversos tipos de artistas, totalizando cerca de 200 atrações brasileiras e estrangeiras.
"Enquanto a escola francesa se apoia na figura das mulheres, sejam sedutoras cantoras ou dançarinas de belas pernas, o nosso cabaré tem um forte acento circense, juntando números entre cinco e 15 minutos costurados pela direção artística. Essas 'cortinas' podem ser um corpo de baile, uma vinheta musical ou um mestre de cerimônias, como estamos fazendo agora", detalha ainda mais Emiliano. Para o diretor, o importante é a qualidade artística dos números e dos profissionais, independentemente da conotação, seja sexual, satírica ou circense.
E assim seguiu a noite, que contou com as apresentações de Caleidoscópio, dos acrobatas do Solas de Vento, da dupla Tchê Malambo, com um belo show de bolinhadeiras gaúchas, e da dançarina Mariana Duarte, que mescla técnica circense com dança burlesca, cheia de caras e bocas, entre outras quatro atrações, todas costuradas pela palhaça Blanche.
A personagem, desenvolvida especialmente para essa temporada, é, para a atriz, a prova de que cada risada e aplauso recebidos dizem muito mais do que uma mera satisfação qualquer de um público pagante. "Todo o espetáculo é feito num bate-bola com a plateia, com o que ela responde das nossas provocações. O cabaré tem um potencial de vanguarda muito grande, dando vazão à loucura e à criatividade".
A noite é uma criança... sapeca
Foto: Nathalia Clark/APG
Os homens vão ao delírio, embriagados pela sensualidade de Cleo e pelas bebidas servidas por Talita Simões
No palco, no corredor ou cercada de homens, Cleo esbanja sensualidade. Os olhos masculinos parecem que comem cada pedaço de seus quase um metro de pernas. As mulheres preferem não reparar muito nisso, mas ficam encantadas com a voz, límpida, possante e envolvente da cantora-atriz-bailarina que arrasa nas noites de sexta-feira no At Nine Cocktail Bar.
"Cabaré é glamuroso né? E artista adora glamour, poder estar com esse corselet, essas joias todas. O burlesco exige muito do artista. Tem de dançar, cantar, contar essa história com o corpo".
Essa santista de 24 anos está em São Paulo desde 2005 e se jogou na carreira artística do teatro musical. Além do At Nine, pode-se curtir o trabalho de Cleo no musical Mamma Mia e também no Brooklyn, outro bar que remonta essa proposta, mas com uma roupagem mais clean e americanizada. Para a próxima temporada, a ser iniciada em abril, ela promete misturar Broadway com a moderna Los Angeles, juntando Byoncée com Lisa Minelli acompanhada de banda.
Enquanto Cleo descansa e prepara voz para Diamonds are a girl's best friend, e os frequentadores pedem um dos deliciosos martinis da casa, uma outra figura da noite comanda a discotecagem. "Adoro o clima daqui e me sinto verdadeiramente em casa. A decoração, o estilo, tem muito haver comigo", diz Raquel Pacheco, a mais nova DJ da casa.
Para quem não juntou o nome à pessoa, estamos falando de (e com) Bruna Surfistinha, a jovem de classe média que se prostituía e colocava tudo na Internet, e depois no seu livro (O Doce veneno do Escorpião) e agora tem sua história contada na telona em Bruna Surfistinha.
Raquel atacará de DJ às quartas e sábados. "Faz um tempo que queria ser DJ e aqui eu encontrei quem acreditasse nesse meu novo trabalho. O público vai curtir um som bem variado, com muito flashback e house, passando pelos também pelo rock dos anos 80", diz a jovem do escorpião tatuado.
Foto: Nathalia Clark/APG
Ambiente do bar de martinis, localizado nos Jardins, em São Paulo
Definitivamente, o At Nine é a casa que mais se aproxima do padrão clássico do cabaré. Inaugurado há um ano, o bar de Talita Simões é uma das novidades mais fervilhantes dos Jardins. O projeto começou tímido, somente sextas e sábados. A chegada do sócio Guliano Girondi turbinou o conceito.
"Há dez anos tinha esse projeto, e, ao longo desse tempo, fui agregando coisas e conhecimento", diz a sócia, que além de mandar bem na coquetelaria, também é atriz. A fama alcançada com seus drinques exóticos, feitos como xaropes que levam ruibarbo, canela, pimentas e demais especiarias, no Skye, bar do Hotel Unique, chegou aos ouvidos de um grupo de investidores que queriam algo diferente para apostar na noite paulistana. (Clique aqui e saiba mais sobre os inusitados aromas das taças em ípislon do At Nine).
Não dá para saber se o retorno é garantido, mas a casa vem fazendo bonito, garantindo público seleto, na maioria jovens bem nascidos entre 22 a 35 anos e disposto a conhecer (e pagar pelos) os fantásticos drinques e aproveitar o espetáculo. Além de Cleo, e da novata DJ Raquel, o palco do At Nine recebe também o ilusionista Ricardo Malerbi (no momento em viagem internacional) e a dançarina pin up Cheesecake, que abusa ainda mais da sensualidade com um chiquéssimo peep-show feito numa banheira às terças e quintas-feira. É bas fond para francês nenhum botar defeito.
Atualizado em 10 Abr 2012.