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".. Dein ist mein schönstes Lied
Weil est allein aus der Liebe erblüht
Sag mir noch einmal mein einzig Lieb
O sag noch einmal mir: ich hab' dich lieb".
Trecho da canção alemã Fritz Löhner-Beda
Vivia numa dessas cidades tão pequenas, que parecia ter parado no tempo: uma igreja em frente à praça, a prefeitura do outro lado da rua e um hospital pequeno na esquina. As casas - em sua maioria, modestas, coladas uma ao lado da outra - eram coloridas e as ruas não tinham calçamento e eram cobertas com mato rasteiro.
Filha temporã de um militar e de uma dona de casa, era calada e extremamente recatada. Na infância, era vidrada por contos de fadas e histórias inventadas pelo pai na hora de dormir. Juntava as poucas bonecas e criava um mundo próprio cheio de príncipes, bruxas e princesas. Muito sozinha, com poucas crianças na vizinhança e com irmãs mais velhas que ela, chegou a criar uma amiga imaginária, que a acompanhou até a chegada da adolescência.
Tinha hábitos simples - até porque a rotina da cidade não dava alternativa -. Havia terminado o colegial e poderia optar pelo curso técnico de enfermagem, pedagogia ou se conformar em esperar por um marido que a tirasse da casa dos pais e, com muita sorte, a levasse para uma cidade maior. Optou em ser auxiliar de enfermagem e, pouco depois, foi trabalhar no hospital.
Os rapazes, considerados bons partidos para as moças da cidade, mal alcançavam a maioridade e se mudavam para estudar nas faculdades da capital. Um baile, nas noites de sábado, era a única esperança para conhecer um ou outro forasteiro que chegasse lá.
A timidez e a marcação cerrada do pai acabaram criando nela o hábito de construir, no silêncio do quarto, romances repletos de emoção, declarações públicas de amor e príncipes encantados que - paradoxalmente ao tempo da cidade - deixava o cavalo branco de lado e a raptaria num carro importado preto de várias portas.
Os príncipes já foram morenos, orientais, parecidos com jogadores da seleção e com galãs de novela, mas foi num loiro com quase o dobro do seu tamanho que parecia ter encontrado o par ideal. Deu a ele o nome de Luccas, com dois 'cês', e com um sobrenome impronunciável tal como as palavras alemãs: poucas vogais e várias consoantes.
Achava que o homem dos seus sonhos tinha que ser alto para impor respeito. Os olhos eram azuis como o céu do verão. Cabelos loiros levemente arrepiados e um brinco em forma de flecha, que cruzava as duas pontas da orelha. Ele chegava sem hora marcada, assoviava no portão e jogava pela janela trechos de poemas de Cecília Meireles, Caio Fernando Abreu e Martha Medeiros.
Nas noites cobertas de nuvens, ele a levava para olhar a lua, que saía para iluminá-los, e encontrar o mar. Os domingos eram felizes e as segundas nunca chatas. Tomavam banhos de cachoeira e ele a surpreendia no meio da noite com serenata e muitas músicas de Djavan.
A família e os amigos comentavam que ela andava estranha. Sempre saía com pressa do hospital para se trancar no quarto e vivia sendo pega falando sozinha. O pai pensou em levá-la a capital para ser consultada por algum doutor, que a curasse por amar alguém que não existia. Rasgou cartas, desenhos, jogou fora flores mortas e ameaçou bater na filha no dia em que a viu beijando o espelho.
A solução foi mesmo pagar uma viagem dela com a mãe para a capital. Consultou psicólogos, psiquiatras e até mães de santo. Depois de um mês e a promessa de que nunca mais tentaria pronunciar palavras alemãs na hora do almoço, elas voltaram para a rotina da cidade pequena e sem grandes surpresas.
Dois meses se passaram e ela foi chamada para uma reunião no hospital. Um novo médico havia assumido a diretoria e queriam apresentá-lo à equipe. Estava com a cabeça baixa, quando sentiu a movimentação das pessoas e a entrada de um rapaz bem alto, olhos claros, cabelos loiros e um jaleco branco que cobria até o final das pernas. Na altura do peito, via-se uma placa com um nome de poucas vogais.
Leia as colunas anteriores de Guilherme Gonzalez:
A dama da linha verde
15 anos-luz
Amor com escalas
Quem é o colunista: Guilherme Gonzalez.
O que faz: ator e produtor.
Pecado gastronômico: risoto de lula e sorvete de açaí com tapioca.
Melhor lugar do Brasil: Praia de Pipa (RN).
O que está ouvindo: Todo o repertório de Djavan.
Fale com ele: [email protected]
Atualizado em 6 Set 2011.