Guia da Semana

Casos de abandono
Foto: Photocase.de
? 29/01/06 - Na Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte, é abandonada uma menina de 2 meses, dentro de um saco plástico.
? 02/02/06 - Também em Belo Horizonte, uma menina ainda com cordão umbilical é deixada na porta de uma casa.
? 28/08/07 - Na cidade de Chapecó, em Santa Catarina, duas irmãs encontraram uma menina abandonada em terreno baldio. A mãe biológica da criança tinha 14 anos e diz ter se arrependido.
? 02/10/07 - Outra menina recém-nascida é encontrada no Taboão da Serra, Grande São Paulo. Ela estava dentro de uma lata de lixo e morreu no último dia 26 de novembro, por infecção generalizada.


Somente no primeiro semestre de 2007, 1.631 crianças e adolescentes entraram em abrigos da cidade de São Paulo, sendo 197 por abandono, segundo dados da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social. Uma das possíveis soluções para o caso apareceu em Belo Horizonte e recebeu autorização da Comissão de Saúde do estado para ser discutida. O autor do requerimento é o 1º Secretário da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, Dinis Pinheiro. A audiência pública sobre o assunto foi realizada no último dia 5 de dezembro deste ano, no Teatro da Assembléia Legislativa.

"Os fatos não podem ficar à margem ou como se fossem inexistentes. Especialmente porque o foco é de proteção à criança, fazendo com que as mães não coloquem em risco (de inúmeras formas) os filhos. A dificuldade está no pré-conceito, ou seja, o que as pessoas têm sobre o tema e não aceitam discutí-lo por motivos morais ou religiosos, fingindo que os abandonos não estão acontecendo", diz Pinheiro.

A psicóloga do Departamento de Psicanálise da Criança do Instituto Sedes Sapientae - SP Vera Resende acredita que uma lei como essa poderá deixar a mãe livre da responsabilidade de cuidar da criança, mas não a libertará de seqüelas emocionais, que se manifestarão cedo ou tarde. "Se quisermos nos deter apenas à dimensão biológica da maternidade, seremos obrigados a reconhecer que, no reino animal, mamífero ou não, as matrizes não abandonam suas crias. Ao contrário, protegem-nas e as defendem com vigor", diz.

Foto: Photocase.de


A lei brasileira atual permite que a criança seja encaminhada para adoção após o nascimento com registro realizado e consentimento dos pais biológicos. Os documentos necessários para que o procedimento ocorra são: qualificação completa dela e dos pais, se conhecidos (inc. III do art. 165-ECA), e a indicação do cartório onde foi inscrito o nascimento, anexando, na medida do possível, uma cópia da certidão. A advogada especialista na Vara da Infância e Juventude Tânia da Silva Pereira explica que, na impossibilidade do consentimento dos pais, será promovida a destituição do Poder Familiar (pais não são responsabilizados pela decisão).

O advogado Fernando de Oliveira Geribello conta que mesmo aquelas crianças que vivem com os pais biológicos podem ser adotadas, caso o juiz constate que elas sofrem riscos de desenvolvimento, saúde ou vida.

Lei atual de Adoção
A possibilidade de adoção de criança cujos pais são desconhecidos já existe no Brasil, com o art. 1624 do Código Civil. Nesse caso, a criança denomina-se infante exposto. A lei dos registros públicos (6015/73) contém as normas para o registro de exposto.

Art. 61. Tratando-se de exposto, o registro será feito de acordo com as declarações que os estabelecimentos de caridade, as autoridades ou os particulares comunicarem ao oficial competente, nos prazos mencionados no artigo 51, a partir do achado ou entrega, sob a pena do artigo 46, apresentando ao oficial, salvo motivo de força maior comprovada, o exposto e os objetos a que se refere o parágrafo único deste artigo.

Parágrafo único. Declarar-se-á o dia, mês e ano, lugar em que foi exposto, a hora em que foi encontrado e a sua idade aparente. Nesse caso, o envoltório, roupas e quaisquer outros objetos e sinais que trouxer a criança e que possam a todo o tempo fazê-la reconhecer, serão numerados, alistados e fechados em caixa lacrada e selada, com o seguinte rótulo: "Pertence ao exposto tal, assento de fls..... do livro....." e remetidos imediatamente, com uma guia em duplicata, ao Juiz, para serem recolhidos a lugar seguro. Recebida e arquivada a duplicata com o competente recibo do depósito, far-se-á à margem do assento a correspondente anotação.

Art. 62. O registro do nascimento do menor abandonado, sob jurisdição do Juiz de Menores, poderá fazer-se por iniciativa deste, à vista dos elementos de que dispuser e com observância, no que for aplicável, do que preceitua o artigo anterior.



Foto: Photocase.de
O parto anônimo é baseado no "Accouchement sous X" do Direito Francês, instituído em 1993, que se trata de um procedimento especial fundamentado no art. 326 do Código Civil e art. L222-6 do Código de Ação Social e das Famílias, autorizando a gestante a não se identificar na ocasião do parto. Nesse sistema, a mãe biológica tem até dois meses para se arrepender, caso contrário, a criança será encaminhada para adoção sem conhecê-la. Apenas em 2004, foram 560 partos anônimos no país.

Tânia conta que os hospitais públicos devem acolher gratuitamente a mãe durante um mês antes e até um mês depois do nascimento. O procedimento deve ser autorizado também pelo pai. Assim que ele for informado sobre a gravidez, possui o direito de renunciar ou não à responsabilidade através de documento autêntico. Dessa forma, é afastada uma eventual investigação de paternidade.

Mesmo assim, o filho poderá ter acesso às suas origens após a maioridade, caso deseje. Durante a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança da ONU/89, foi declarado o "direito da criança de conhecer seus pais e ser criada por eles", portanto a legislação francesa convoca a mãe para informar os elementos de sua história e do bebê. As informações são confiadas ao Conselho Nacional de Acesso às Origens e poderá ser revelado se o filho assim desejar.

Foto: Photocase.de


"No Brasil, em audiência assistida pelo Ministério Público e por um Curador Especial, deve ser autorizada à gestante a manifestação expressa de seu consentimento para a adoção, em ´produção antecipada de prova´, mesmo antes do nascimento, o que permite o encaminhamento da criança aos adotantes logo ao nascer, evitando o abrigamento e facilitando, assim, a destituição do Poder Familiar", finaliza a advogada.

Prós e contras

Foto: Photocase.de
Os defensores do parto anônimo acreditam que essa seria uma solução para mulheres que, por motivos de consciência ou religião, não querem abandonar a criança. Segundo o IBDFAM, as estatísticas demonstram que, nos países onde é permitido o procedimento, os números de recém-nascidos abandonados e de infanticídio têm diminuído consideravelmente.

"Isso permite que a mãe dê à luz e entregue o bebê para adoção no hospital, sem se identificar, evitando casos dramáticos como o da mãe em Minas Gerais que jogou a filha num córrego. Apesar de não parecer a melhor opção, diante dos casos que estamos vendo atualmente pode ser uma alternativa para evitar esses dramas", afirma Tânia.

A psicóloga Ana Lúcia Autran conta que, se um indivíduo desconhece suas origens, a lacuna em sua história de vida poderá levar a conflitos. Quando a mãe abandona o filho, não acompanhar o desenvolvimento da criança e não receber o afeto da mesma pode gerar culpa e angústia.

Rejeição pós-parto
Depressão pós-parto: o anonimato é decidido apenas antes do parto. De qualquer forma, a mãe com depressão pós-parto nega o nascimento da criança e se recusa a cuidar dela, chegando a ter alucinações auditivas com vozes que dizem para matá-la. Os médicos devem perceber logo o que está acontecendo para tratar a mulher e cessar as idéias de rejeição. A ginecologista Kátia Serra diz que a depressão pode demorar em melhorar, portanto é preciso a família intervir, uma vez que a mulher está doente.



A psiquiatra Rita Jardim acredita que falar a verdade para a criança não é garantia de que a pessoa não irá ter problemas, porque algumas não conseguem superar o fato de terem sido rejeitadas ou abandonadas, independente da razão que levou os pais a fazerem isso.

Foto: Photocase.de
Quanto ao que leva uma mãe a abandonar o filho, ela explica que os transtornos de personalidade são observados em casos de abandonos cruéis, como na lata do lixo ou no rio, para afogamento. Quando há depressão, não existe maldade, mas abandono dos cuidados básicos, por não conseguir realizá-los, alegando ser incapaz de ser mãe. "Essa mãe pode vir a matar o próprio filho por medo de que ele venha a sofrer ou por não sentir competência para cuidar, podendo até mesmo tentar o suicídio para o alívio do sofrimento", diz.

As mães viciadas em drogas e álcool tendem a abandonar a criança em função das dependências. Raras são aquelas que entregam o filho para adoção de forma altruísta, mas essas últimas costumam manter o contato, não sendo observado qualquer problema de ordem psiquiátrica.

"O principal conceito sobre o parto anônimo é que ele só deva ocorrer com mães em condições emocionais saudáveis", completa Kátia, lembrando que é importante ter dados genéticos da família para prevenir doenças na criança.

Roda dos Expostos
Foto: Photocase.de
A roda dos excluídos acabou no Brasil em 1950. As janelas eram localizadas nas Santas Casas do país, onde as mães deixavam seus filhos. A idéia era praticada em toda a Europa desde o século XII (Idade Média), por volta de 1198.

As janelas ficavam em conventos e igrejas. As mulheres deixavam a criança e tocavam uma campainha. A prática continuou até o século XIX, quando foi abolida e retornou recentemente em alguns países.

Hoje, a roda está mais moderna, sendo um guichê acessado do lado de fora dos edifícios de hospitais. Ela é equipada com berços aquecidos e deixa à disposição da mãe materiais informativos em inúmeros idiomas, sobre entidades onde ela pode buscar ajuda.



Lá fora

Foto: Photocase.de
A Espanha erradicou o parto anônimo de sua legislação. Nos Estados Unidos, 28 dos 50 estados permitem o procedimento; Itália e Luxemburgo também possuem a autorização. De acordo com o Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, a França ocupa o segundo lugar no mundo no tráfico de crianças para adoção internacional e esse seria um dos motivos que levaram à permissão do processo.

Na Alemanha, é utilizada a "janela de Moisés" ou "Roda dos Excluídos", locais geralmente ligados às Igrejas em cooperação com hospitais ou centros de assistência médica garantida, onde as mães podem deixar seus filhos recém-nascidos. Este ano, o Japão anunciou a proposta de construir um hospital com as janelas de Moisés. Elas existem em países com alto índice de abandono, como Índia, Paquistão, Áustria, República Tcheca, África do Sul e Hungria.

Países e tempo de arrependimento
Nos países onde o parto anônimo é permitido a mãe entra no hospital com nome fictício e possui um tempo para arrepender-se da decisão. O único problema é que, durante esse tempo, a criança fica sem identidade. No Brasil, de acordo com Pinheiro, o prazo para que ela possa se arrepender deve ser até que o filho seja adotado, quando a legislação disciplina a extinção do vínculo biológico. Veja os países e o tempo permitido para o arrependimento:

Bélgica - 2 meses após o parto
Grã-Bretanha - 6 semanas
Alemanha e França - 2 meses
Paraguay - 45 dias
Áustria - 8 semanas
Suíça - "o consentimento da mãe não será dado até que ela tenha se recuperado suficientemente depois do parto."

*Dados do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM



Colaboraram:
? Dinis Pinheiro
? Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo
? Vera Resende
? Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM
? Tânia da Silva Pereira
Escritório de Advocacia Professor Caio Mario da Silva Pereira - Rua Visconde de Pirajá, 330, sala 1007, Ipanema - RJ
? Fernando de Oliveira Geribello
FG Advocacia e Consultoria - Rua Riachuelo, 44, cj 55 - SP
Fone: (11) 5613-3889 / 3241-5210
? Ana Lúcia Autran
Downtown - Av. das Américas, 500, Bl. 20, Sl. 213 - RJ
Fone: (21) 3433-8354
? Kátia Serra Almeida
Espaço Médico Downtown - Av. das Américas, 500, Bl. 8, Sl. 320 - RJ
Fone: (21) 3171-3171
? Rita Jardim
Pink Chic: Downtown - Av. das Américas, 500, Bl. 04, Lj. 115 - RJ
Fone: (21) 2496-3668

Atualizado em 6 Set 2011.