Guia da Semana




A paixão nacional própria de churrasco com amigos ou mesas de boteco não quer se resumir ao líquido dourado, refrescante e de baixo teor alcoólico. Para isso, a mistura básica de água, malte, lúpulo e fermento encontrou nos pequenos produtores um terreno fértil para ganhar outras matérias-primas - como a mandioca, mel e café - e atingir público local, apostando na qualidade de sua produção em pequena escala.

Com o mercado em ascensão e os consumidores se aventurando cada vez mais no universo das cervejas artesanais, os fabricantes ganham força e espaço nas prateleiras do mercado, lojas especializadas e no cardápio dos bares. Com mais de cem microcervejarias no país, o líquido especial permitiu ao brasileiro outras possibilidades de aroma, textura, cor e teor alcoólico. Pensando nisto, o Guia da Semana foi saber se, assim como as cervejas de outros países, a produção nacional já adquiriu um Brazilian way of beer (identidade nacional cervejeira), respeitando a diversidade e os gostos regionais.

Boom cervejeiro

O bom momento da economia estimula o consumo de cerveja no país. Segundo o Sindicado Nacional da Cerveja, em 2010, a produção nacional alcançou a marca recorde de 12,6 bilhões de litros, um crescimento de 18% em relação a 2009, mais do que o dobro do PIB. Esse resultado levou o país a posição de terceiro maior mercado de cerveja do mundo, atrás apenas da China e dos EUA.

"Quando tinham como opções os rótulos importados, a oferta era menor e o produto era mais elitizado. A oferta nacional fez crescer o público geral, que descobriu ao tomar um chope de maior qualidade que existe a possibilidade de beber uma cerveja feita em pequena escala, boa a preço acessível", afirma Paulo Almeida, dono do Empório Alto de Pinheiros, que concentra quase 400 rótulos da bebida fermentada.

Foto: Carol Mendonça

Estão catalogados em todo mundo mais de 130 tipos de cerveja

O interesse pelo consumo das cervejas artesanais e especiais acompanha esse crescimento. O segmento aumenta em torno de 15% ao ano e estima-se que hoje existam no país 175 microcervejarias nas regiões Sul e sudeste. Apesar disso, ainda é preciso criar e cultivar uma cultura cervejeira nos consumidores. A participação das microcervejarias hoje, no mercado nacional, é de 0,15%. A expectativa para os próximos 10 anos é alcançar 2%.

Apesar de a liderança ainda ser das Stantard Lager - cervejas vendidas comumente nos mercados, leves e de teor alcoólico baixo (4,5%) - os números apontam que o Brasil, que tinha pouco mais de cinco empresas comercializando há duas décadas, caminha da mesma forma que a Inglaterra e os EUA na valorização das cervejas artesanais. "Na Inglaterra do século passado, as fusões de fábrica resultaram em poucos rótulos. Com o surgimento dos homebrews de cerveja (produtores em casa), nos anos 60/70, chegou a ter 20 mil pessoas nessa área. Os EUA tiveram essa fase nos anos 80, quando passaram de 5 mil cervejarias a 30 e hoje já ultrapassam 1700", revela Paulo Almeida.

Mercado nacional

Com pouco tempo de crescimento, ainda é cedo para apontar quais caminhos nossa produção e consumo vai trilhar. Apesar disso, algumas características podem ser notadas para definir uma futura escola brasileira. Uma delas é o uso de matérias-primas nacionais na composição da bebida. A Colorado usa mandioca, café, mel, rapadura e até castanha-do-pará para seus rótulos; a Bodebrown tem receitas com graviola, tamarindo e outras frutas nacionais; e a Way já prefere descansar a bebida em umburana, uma madeira nacional usada para envelhecimento de pinga.

Outras características também são notadas. As gaúchas Abadessa e Coruja optaram por fazer a chamada cerveja viva: a bebida não-pasteurizada precisa ser refrigerada o tempo todo para não estragar. Já as cervejarias mineiras Wäls e Backer ficaram conhecidas por fazer uma referência belga.

Apesar de concentrar 40 estilos dos mais de 130 existentes, o mercado brasileiro é relevante. É só saber que, dos quatros rótulos de cerveja champenoise produzidas no planeta, dois deles são brasileiros (Lust e Wäls Brut). "O mercado americano realizou esse processo que estamos começando hoje, há 30 anos. Eles já conseguiram ter uma identidade, mas isso leva um pouco de tempo, repetição e cuidado. É ainda muito cedo pra falar da escola brasileira, mas estes podem ser considerados alguns embriões", enfatiza o sommelier de cerveja André Canceglieri.

Talvez a melhor forma de análise seja regional, já que a maioria dos microprodutores restringe as bebidas às suas localidades. Além disso, a alta taxação das matérias-primas importadas - lúpulo, fermento e maltes especiais - ainda prejudicam a produção e encarecem a cerveja. Como a competição com os rótulos de fora ainda é desleal, muitos fabricantes preferem restringir a área de venda.

Público-alvo

Foto: Carol Mendonça

"O mercado nacional ainda é muito jovem, está em uma fase mais germinal da coisa", destaca André Canceglieri



Por ser uma bebida leve, refrescante e para o calor, a standard lager propicia o consumidor beber em grande volume e descontroladamente. Os especialistas veem nesta situação o mote para introduzir o hábito e a cultura das cervejas especiais. "As características são mais marcantes e você acaba consumindo em quantidade bem menor, em uma ocasião especial ou para fazer um programa diferenciado. Por isso, o nosso lema é 'Beba menos, mas beba melhor!'", conclui André Canceglieri.

Como muitas produções se reduzem ao consumo local, a internet tem facilitado o contado com o cliente. Além de enviar o produto por correio, a rede mundial de computadores forma clubes que avaliam os rótulos, dão dicas de compra e apontam para as principais promoções.

Para o sommelier, hoje em dia, o maior concorrente das cervejas artesanais não é os rótulos standards, mas a ignorância e desconhecimento do próprio público. "Hoje o brasileiro está acostumado com um tipo de cerveja, mas existem mais de 130 tipos. É preciso oferecer diversidade de marcas e incentivar que esse consumidor cada vez mais experimente coisas complexas", revela André Canceglieri.

Não perca!
Para reunir os amantes e curiosos da cerveja, o 1º Beer Experience é a opção na capital paulista. Organizado pelo sommelier Andre Cancegliero, o evento pretende reunir 180 rótulos vindos da Itália, Bélgica, República Tcheca, Estados Unidos, Escócia, Alemanha e, claro, várias do Brasil também, desde as mais conhecidas até as dos menores produtores.

Durante o encontro estão programados shows ao vivo, jogos de cerveja e muita degustação. Além disso, o evento que pretende reunir 5 mil visitantes no Centro de Convenções Frei Caneca, vai oferecer harmonização de cervejas com pratos preparados nos seis restaurantes participantes. Os convites podem ser adquiridos no site do Festival ou em algumas lojas/bares especializados em cervejas como Empório Alto de Pinheiros em São Paulo.


Serviço:

1º Beer Experience - Festival de Degustação de Cervejas (20 de agosto, sábado)
Endereço: Rua Frei Caneca, 569 - 5º andar - Consolação
Horário: das 10h às 21h
Preço: R$ 40,00
Telefone: (11) 6493-9452


Confira a seleção de 10 cervejas artesanais selecionadas por André Canceglieri



Fotos: Carol Mendonça

Atualizado em 11 Fev 2014.