Guia da Semana

O soar fino e característico do berimbau chama quem está por perto. As batucadas no atabaque e as batidas no pandeiro acompanham, sendo logo seguidas pelas palmas dos que se aglomeram para participar do jogo prestes a começar. O canto em coro complementa o ritual que dará início a mais uma roda.

Que navio é esse que chegou agora, é o navio negreiro com escravos de Angola. Da boca de cada capoeirista, letras contam as raízes históricas dessa arte. É difícil precisar ao certo quando e como ela surgiu, por falta de documentação - assim como todo o passado dos negros no Brasil. Mas sabe-se que a luta foi trazida pelos escravos e aqui era utilizada como uma forma de defesa.

"Eram movimentos soltos tirados dentro da cultura deles e que depois foram organizados pelos mestres Pastinha e Bimba", explica Felipe Augusto Moreira, contra-mestre do grupo Luanda Brasil, na Academia Attack, em São Paulo. Segundo ele, Pastinha foi o responsável por disseminar a capoeira de Angola, que tem origem na dança africana n'golo e é marcada pelo ritmo mais lento e movimentação mais próxima do solo. Já Bimba criou a Regional, que mistura elementos da Angola às artes marciais, e que se popularizou rapidamente nas ruas - principalmente da Bahia - pelo seu jogo mais rápido.

Duas capoeiristas agacham-se à frente dos tocadores e ao pé do berimbau, que é levemente movimentado para baixo anunciando o começo do jogo. Um aperto de mão entre elas, para demonstrar amizade e respeito, e logo um aú é dado - que é semelhante à estrela da ginástica olímpica - levando-as ao meio da roda. Golpe, esquiva, contra-ataque, saída pelos lados, os corpos deslocam-se em círculos, mas sem tirar os olhos do outro. O objetivo é sim, atingir o adversário, mas a violência passa bem longe do que hoje é a aclamada capoeira.

Foto: Gael Oliveira

Luiza Bernat ataca Juliana Mazzola com um parafuso

A manifestação cultural que já foi proibida no país no final do século 19 ao 20 e era vista negativamente pela sociedade como luta de vadios, bêbados e mendigos com o tempo cruzou as fronteiras e começou a ser vista como uma arte genuinamente brasileira cada vez mais apreciada no exterior. Ao mesmo tempo em que a capoeira passou a ser contemplada, cresceu a procura pelos curiosos em aprender as técnicas da luta. Dentre os entusiastas, muitas mulheres. Sim, elas, que até a década de 80 eram raridade e hoje passaram a ser presença marcante nas rodas de rua, escolas e academias.

O corpo todo ginga

"A maioria das mulheres a procura, a princípio, em busca de condicionamento físico. A capoeira é o único esporte que trabalha todas as qualidades físicas do ser humano, desde a parte da força e resistência, principalmente da perna, glúteo e abdômen, além do equilíbrio e alongamento", explica Felipe. A parte aeróbica também é um dos motivos que muitas começam a praticar. Com uma hora de aula intensa, segundo ele, é possível perder de 600 Kcal a 800 Kcal.

Caroline dos Santos é uma das que foi atrás dos treinos inicialmente em busca de uma atividade física que não fosse a academia. Praticou três anos durante o colégio, mas parou por não conseguir conciliar com a faculdade e o trabalho. "Quando larguei, eu engordei muito. Depois que voltei, emagreci mais de 15 quilos em um ano", conta.

Com o tempo, a publicitária de 25 anos foi se envolvendo cada vez mais com os movimentos, as músicas e os instrumentos. De duas vezes por semana, aumentou a frequência do treino para seis, e hoje em dia é o bem-estar e a redução de estresse que lhe fazem ir quase que diariamente às aulas.

Foto: Gael Oliveira

A capoeira trabalha, principalmente, as pernas, glúteos e o abdômen

Fabiana Mazzola, de 35 anos, começou a jogar ao perceber os benefícios que o esporte trazia aos dois filhos, Vinícius e Vitor, de 10 e 7 anos, respectivamente, que treinam desde os três anos na escola. Mesmo já sendo professora de Educação Física, Fabiana conta que as aulas aumentaram seu condicionamento físico, a flexibilidade e a força. No corpo, sente enrijecimento nas pernas e na bunda, além de (sim, meninas!) diminuição da celulite.

Mais saúde, mais cultura

A prática frequente melhora também a respiração, o que foi essencial para Luiza Bernat que começou a fazer capoeira por insistência da irmã, Liana Bernat, que já pratica há cerca de seis anos. "Eu tenho asma e as aulas aumentaram muito minha resistência, que já é baixa", conta. Antes de se aventurar nas gingas e golpes, Luiza tentou sem sucesso criar gosto por outros esportes e aulas de dança, mas com a capoeira foi diferente. É daquelas que se apaixonou logo de cara, passou a treinar todos os dias, evoluiu rapidamente e hoje em dia dá aulas para crianças.

Além dos benefícios ao corpo, mente e saúde, a arte trazida pelos escravos africanos é muito procurada também por seu valor cultural, histórico e por aliar exercício físico ao canto e o tocar de instrumentos "É um esporte bem completo, tem uma parte rítmica, folclórica, arte marcial e acaba sendo também um ponto de encontro de amigos", ressalta Caroline.

E todo mundo pode jogar, independente da idade e falta de hábito em praticar exercícios físicos? "A restrição só existe no caso de pedido médico, de algum problema na coluna, por exemplo, que impediria praticar qualquer tipo de exercício. Hoje em dia, inclusive deficientes físicos jogam capoeira", responde Felipe.

Fotos: Gael Oliveira

Atualizado em 10 Abr 2012.