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Nos tempos do cinismo e amesquinhamento da condição humana e da cultura, o bom gosto - a experiência do elevar-se pelos sentidos - pai de Mozart e da eminência pop dos Beatles, pai da alta gastronomia e do teatro de Shakespeare, pai dos grandes livros que fundam e traduzem a humanidade e pai da generosidade elegante da boa arquitetura, mais parece um velho vagabundo e maltrapilho abandonado na grande metrópole: vitrines e manequins andróginos, carros, barulho, outdoors que adoram peitos e nádegas de mulheres muitas vezes subnutridas, muitas "caras e bocas", pisca-piscas e muita gente respirando muita fumaça e muito tédio. Rousseau, romântico, bucólico e democrata tomaria essas imagens como uma descrição do inferno. O bom gosto está perdido e espalhado esparsamente na cidade que tem como deusa máxima a Paris Hilton.
Theodor Wiesengrund-Adorno não acredita em cultura de massa, mas em indústria cultural. O motivo é que essa "cultura" não brota espontaneamente da massa e, sendo assim, não pode ser tratada como manifestação cultural genuína. Para Adorno, as formas culturais - a estética - da sociedade industrial de mercado são dirigidas ao encontro dos interesses mercantis e da lógica da troca. E é por isso que muitas vezes, seja andando pela cidade e observando a publicidade, seja observando as pessoas, seja exercitando o voyeurismo e bisbilhotando os álbuns de fotos exibicionistas no Orkut, nos sentimos dentro de um editorial da Vogue, em que prevalecem sorrisos falsos, espumantes, plumas, flashes e muito, muito, muito glamour.
Um dia desses, folheando uma revista, me deparei com uma cena hilária. Num anúncio publicitário de óculos de sol, em que havia um homem e uma mulher, aconteceu uma inversão de papéis. Os óculos, que são adereços, eram a peça principal e os dois, a priori peça principal e humanos, viraram adereço dos óculos. E lá estavam os dois, com ares blasé, humilhados, em uma cena surreal, contorcidos de modo a vestir os óculos. Pela primeira vez vi óculos vestirem homens e não ao contrário. Nada contra os editoriais da Vogue, muitos são belos e com lindas fotografias, mas fica aqui a pergunta: Não estaria a estética contemporânea - no sentido amplo, de formas e manifestações culturais - corroída pelo fetichismo* da coisa e do consumo?
É preciso superar esses aquartelamentos estéticos imbecis que aprisionam a noção do belo e reduzem o homem a coadjuvante e consumidor. Viver com estilo, me perdoem a expressão, é viver bêbado do espírito da arte. Nada mais prazeroso. Encrava-se aqui uma coluna desprentesiosa que lança perguntas e uma missão: Procurem o bom gosto. Ele está vagabundeando por aí. Perdido na cidade.
Fetichismo e fetiche: |
Leia as colunas anteriores do Ibrahim:
? Estrangulamento estético: São Paulo é um exemplo de que o brasileiro não cuida do espaço público!
? As vaias nos jogos Pan-americanos: a brasilidade e o homem cordial explicam as vaias dos torcedores brasileiros nos jogos Pan-americanos.
? Tiozão way of life: o colunista desvenda o estilo tiozão, tipo cada vez mais identificado pelas noites da vida!
? Brasil, o mais antigo modernoso: um país de estilo moderno-antigo, formado por uma cultura alegre e despretensiosa!
? Big Mac responsável: está na hora de mudar o estilo de vida e de consumo, em prol da saúde do planeta!
Quem é o colunista: Ibrahim Estephan
O que faz: Cursa administração de empresas
Pecado gastronômico: Double Whooper (oito queijos, carne extra) às 7 da manhã
Melhor lugar de São Paulo: Minha casa
Fale com ele: [email protected]
Atualizado em 6 Set 2011.