Guia da Semana

Fotos: Getty Images

A nova proposta inclui cadastramento de frequentadores de estádios, torcida única em clássicos, além de outras normas

Arquibancadas lotadas, clima de tensão no ar, pipocas e amendoins a postos, e apita o árbitro. Começa mais uma partida de futebol. E quem faz com que o jogo seja sinônimo de emoção, além dos craques e a expectativa de gol, com certeza é a torcida. Senhores com aquele antigo radinho de pilha colado à orelha e enroscando o que resta dos cabelos grisalhos, pais exibindo com orgulho o pequeno filho já com a camisa do time e o emblema estampado no peito, rostos pintados, sentimentos como alegria e raiva misturados, e a ansiedade na luta contra, ou a favor, do cronômetro. Isso é apenas uma parte do que se vê em um estádio.

Mas, nem tudo é tão bonito como parece. A outra face do gramado não é tão amistosa. Com o intuito de reverter o quadro de violência entre torcedores e fazer valer a paz nos estádios, pensando também na Copa de 2014, o promotor de justiça Paulo Castilho elaborou um projeto de lei que prevê alterações no Estatuto do Torcedor. O plano inclui cadastramento de todos os frequentadores de estádios, torcida única em clássicos, além de outras normas. Confira o que o autor do projeto e alguns membros de torcidas organizadas pensam a respeito das mudanças.

Saindo do vestiário

Logo após algum jogo decisivo, infelizmente já se tornou comum abrir um jornal, um site ou uma revista e dar de cara com torcedores protagonizando brigas descomunais. Ainda tramitando no Senado, o projeto do promotor Paulo Castilho visa uma penalização maior para alguns atos praticados dentro e fora de campo, como invasão e ameaça de agressão, a torcida única em grandes clássicos e o cadastramento obrigatório dos frequentadores de estádios. "Eu não tenho a ilusão de que eu sou o salvador da pátria e vou criar uma fórmula mágica que vai resolver o problema. Foi elaborado um estudo. Na verdade, eu procurei o ministro dos Esportes, Orlando Silva. Principalmente na área criminal, que faz parte do Estatuto, há itens que não estão previstos como crime e são considerados", afirma Paulo Castilho.


A torcida é parte fundamental para compor o espetáculo nos campos

Ficha técnica

Entre os itens citados nas mudanças, existe o cadastramento nacional de todas as pessoas que forem ao estádio, mas a medida se estendeu apenas às torcidas organizadas, após passar pela Câmara dos Deputados. Em princípio, segundo o promotor Paulo, o intuito da carteirinha é controlar todos os que estão no campo, acabar com os ingressos falsos (já que cada um terá um código), evitar filas para compra de ingressos e identificar torcedores que se envolverem em tumultos. "Pode-se provar uma confusão através de testemunhas, por monitoramento com filmagem, inclusive de torcidas organizadas. Nesse caso, seria responsabilidade individual do torcedor e também da organizada que participou".

Já na opinião de André Guerra, presidente da torcida associada Macha Verde, representante do Palmeiras, a medida é válida, mas, na prática, não funciona tão bem. "Não posso responder por um crime que uma pessoa cometeu. Prometeram muitas coisas com a carteirinha, e abraçamos a ideia. Fizemos até uma campanha para os sócios se cadastrarem", conta. Depois de um incidente ocorrido em 2008, a história passou a ser diferente, segundo ele. "Aconteceu um tumulto em um jogo onde nós identificamos, através do cadastro, 13 associados responsáveis pela confusão e demos uma suspensão a eles. Era a chance de mostrar que a medida estava funcionando, mas o promotor Paulo preferiu punir a Mancha inteira. Se for para redimir a entidade de qualquer culpa, eu concordo. Mas, do contrário, não", enfatiza.

Cartão vermelho aos visitantes

A medida que prevê torcida única gerou polêmica e ganhou uma proporção enorme entre membros de movimentos organizados e políticos envolvidos com esporte. Segundo o autor do projeto, o fato dos visitantes ficarem de fora do estádio é válido apenas em jogos considerados de alto risco, como clássicos e finais. "É uma medida emergencial, enquanto não alcançamos um melhor nível. Não acho necessário movimentar 4 mil ou 5 mil policiais, parar a cidade, ter de escoltar o pessoal até o local do jogo. Para que correr esse risco? Assim que tivermos outras soluções eficazes, tudo pode voltar ao normal", afirma Paulo.


Os torcedores acreditam que o diálogo entre as organizadas é a melhor forma de acabar com a violência

Ao contrário da opinião do promotor, os torcedores parecem não gostar da norma, pois ela atingiria os jogos que, na opinião deles, são os mais emocionantes. "Uma torcida só acho errado. Fica esquisito ver uma torcida só. Não acho que é a melhor forma de combater a violência. A polícia quer bater e cabe a eles tratar a gente de uma melhor forma", alega o vice-presidente da Torcida Independente Junior da Silva, mais conhecido como Pichá, representante do São Paulo.

O líder da Mancha vai mais além e afirma que o problema central não está somente no torcedor. "O que a torcida tem a ver se o policiamento não consegue fazer uma segurança adequada? Quer dizer que os maus torcedores venceram? É inconstitucional impedir o direito de ir e vir. Os tumultos, nos últimos tempos, foram por conta do policiamento que, por sinal, é o mesmo que faz a segurança em invasões de presídio para conter a rebelião, segura manifestação, desocupa terreno. É preciso rever esse tipo de segurança", afirma André Guerra.

Gol de placa

Os meios para se chegar a uma pacificação ninguém conseguiu exatamente encontrar. Afinal, a violência ainda existe e estará presente enquanto maus torcedores desviarem o foco principal do jogo para outro tipo de "entretenimento". A sugestão de André Guerra é o diálogo entre as organizadas. "Se eu falar que não existe violência é mentira, mas isso tem em todo lugar com grandes públicos. Buscamos conscientizar as pessoas que frequentam a sede, porque uma organizada não é formada para promover nenhum tipo de violência, mas, sim, para apoiar o clube. Acho interessante que as torcidas se falem e entrem em um acordo".

Para o promotor Paulo Castilho, o policiamento ainda é uma das medidas que precisam ser estudadas com urgência e uma das melhores formas de criar um vínculo entre torcedor e autoridade. "Precisamos investir, e muito, na segurança. Se deslocarmos policiais para frequentar as torcidas organizadas, eles poderão conhecer o dia-a-dia da comunidade e vice-versa. Isso criará um respeito mútuo. Quebra essa distância entre os dois e é um jeito moderno de lidar com esse problema", sugere o autor do projeto.

Atualizado em 19 Nov 2012.