Profissional do vinho deverá ter formação para trabalhar na área
Falta pouco para uma reivindicação de quase 30 anos do público gourmet e da gastronomia finalmente alcançar um novo patamar. A Comissão de Assuntos Sociais do Senado (CAS) aprovou em 6 de julho último a regulamentação da profissão de sommelier. Agora está nas mãos da presidente Dilma Rousseff assinar o projeto de lei (PL 88.527) ou vetá-lo. A expectativa é positiva e abre a discussão: afinal de contas, o que é importante para a formação de um profissional habilitado a sugerir e combinar sabores?
Segundo o texto legal, considera-se sommelier o profissional que executa o serviço especializado de vinhos nos mais diversos segmentos, de eventos gastronômicos em salões, restaurantes e hotéis, passando por supermercados, lojas especializadas e até em companhias aéreas e marítimas.
Segundo os especialistas entrevistados, não houve muitas alterações da primeira redação do texto, apresentado pela primeira quando o ministro das Minas e Energias Edison Lobão ainda era deputado federal, em 1982. "Para nós já é um avanço, pois é um marco legal importante e qualifica a profissão para quem está querendo entrar no mercado da restauração" comenta José Luiz Borges, presidente da sucursal paulista da Associação Brasileira de Sommelier (ABS - SP), que ainda cita a crescente demanda do mercado. "Hoje, há um público mais fiel aos restaurantes que já sabe distinguir o bom do mau profissional".
Entre as funções e atividades exercidas, o sommelier deve participar no planejamento e na organização de todas as etapas do consumo do vinho, decidindo as quantidades e qualidades a serem adquiridas, cuidando das condições ideais de armazenamento em adegas e prateleiras até o trabalho no salão, interagindo com o consumidor no planejamento da carta e no momento do serviço, aconselhando e informando sobre as características do produto, sugerindo harmonizações com pratos e demais artigos gastronômicos, tirando dúvidas e resolvendo reclamações de clientes. O exercício do ensino sobre a bebida também está entre as atribuições.
Gargalo da formação
Foto: Bruno Cesar Dias
Carla Saueressig, especialista em chá, defende visão ampla da profissão
Mesmo com o avanço do dispositivo legal, ainda há muitos gargalos nessa história. Um deles é não destacar o trabalho hoje desenvolvido por profissionais especializados na prova e serviço das demais bebidas, como água, cerveja, café, chá e destilados, bem como de outros artigos gastronômicos, como charuto e chocolate.
"Um sommelier completo tem de entender de tudo isso, algo já comum na Europa. É um trabalho cuja principal função é compreender, principalmente, de variações de bebidas", opina Carla Saueressig, especialista em chá, treinada junto a Thomas Holz e proprietária da Loja do Chá, instalada há 12 anos em São Paulo.
Outra lacuna do projeto de lei é a falta de critérios sobre carga-horária e currículo necessários para a formação profissional.
"Estamos buscando ver formas de estruturação mínima para esses cursos, para não vermos uma proliferação ainda maior de cursos caça-níqueis. Senão, teremos um cenário parecido com o dos cursos de Direito, que forma bacharéis que nunca serão advogados, pois não passam na prova da Ordem", comenta Borges. Atualmente, 96 instituições de Ensino Superior oferecem o curso de gastronomia no Brasil. Há dez anos, eram quatro.
Com 30 anos de existência no Rio de Janeiro e 20 em São Paulo, hoje a ABS é a principal entidade formadora do Brasil. O curso profissional tem duração de aproximadamente dois anos, com aulas semanais de três a quatro horas. O foco é o vinho, com estudo de cepas do Velho e Novo mundo, noções de geografia, história e degustações sensoriais com pratos e demais bebidas e artigos. Somente em São Paulo, cerca de 300 profissionais são formados por ano. Boa parte dos alunos já trabalha no setor como garçom ou maître e, por meio de convênios da entidade com os estabelecimentos, ganha o estímulo e oportunidade para aprender e desvendar a arte do vinho e das harmonizações.
Perspectivas em ascensão
Foto: Divulgação
Dedicação e disposição podem render até R$ 20 mil, revela Valmir Pereira
Na bolsa dos contracheques praticados pelo mercado, a variação vai do salário-mínimo a R$ 20 mil, valor alcançado pela montagem de refinadas cartas de vinhos de restaurantes tarimbados, premiações em concursos internacionais. Mas a média salarial é bem mais realista, pagando ao sommelier algo próximo ao salário de um maître, entre R$ 3 mil e R$ 5 mil, nas casas de médio porte. O rendimento pode aumentar com a comissão na venda de rótulos. Quem explica é Walmir Pereira, hoje sócio-proprietário do restaurante La Fiducia, em Copacabana, Rio de Janeiro.
O sommelier se diz orgulhoso por ter descoberto a vocação junto a clientes como Zózimo Barroso, Carmen Mayrink Veiga e outros poderosos no extinto Le Bec Fin, na restaurante frequentado pela alta sociedade da década de 70 e ter sido registrado como sommelier no primeiro Laguiole, no centro da cidade, já no início dos 90.
Ainda no tema remuneração, Valmir afirma que é possível alcançar valores ainda maiores, mas tem de agarrar a profissão com unhas e dentes. "A somellierie exige conhecimento e prática, e principalmente, querer a carreira, uma vida de correria, no calor da cozinha, e com turnos nos sábados, domingos e feriados. Já recebi jovem de carro importado, que falava não sei quantos idiomas e formação europeia, e que não aguentou, e muitos jovens vindos da fome do Nordeste que vão muito bem", revela Valmir, deixando claro que sensibilidade e percepção dependem muito mais da vontade do que da origem.
Atualizado em 12 Fev 2014.