Guia da Semana

Foto: Sxc.hu


Eu jurei que nunca mais acabaria a noite naquele bar, o de sempre. Amigos e desconhecidos receptivos. Cães sem dono. Luzes. Palavras que, mesmo jogadas, significam. Como sou uma pessoa de vida social facilmente moldada por terceiros, acabei a noite mais uma vez naquele bar. "Garçom, o de sempre, por favor!"

Eu também jurei que nunca mais o procuraria. Jurei. Isso não quer dizer que nunca mais o encontraria casualmente naquele bar, onde, por coincidência, nos conhecemos e que, por afinidade, freqüentamos. No meio de toda a gente o meu primeiro olhar caiu em cima dele. O mesmo sorriso. O mesmo cabelo. Os mesmos olhinhos vivos daquele dia. Quando não se tem o que dizer para alguém, melhor do que se calar é fingir que não vê, isso dizem os corações machucados. Vapt. Melhor ainda é sentir a mão dele segurando a sua para dizer "Boa noite". O primeiro round é seu! Uma explosão eufórica interna quando parte de você a proposta de encerrar a conversa! "E fim de papo", como diria o Maluco Beleza. Como se você tivesse mais o que fazer por ali. "Garçom, o de sempre, de novo, por favor!" Mas você não tem mais o que fazer por ali, porque depois dessa surpresa você admite para si mesma que foi parar naquele bar só por uma razão: o mesmo sorriso, o mesmo cabelo, os mesmos olhinhos vivos daquele dia. Conclusão: dois juramentos em falso.

Foto: Sxc.hu


Por que eu sempre tenho de dividir as minhas alegrias histéricas com alguém? Na falta de um namorado, amigos estão aí para isso! Eu não me importo de acordar ninguém a uma da manhã para contar os bons imprevistos que a vida me apronta. Não quer me atender? Não me atenda, mas saiba que vou insistir! Engraçado é percebê-lo do outro lado da rua também com o celular grudado na orelha. O mesmo sorriso... E você fantasia que ele também atrapalha a noite de sono ou de amor de algum amigo confidente. Como a maioria dos homens acha isso "ataque de menina", pode ser outra coisa. Pode ser trote. Pode ser outra mulher! Chega a dar raiva daquele sorrisinho!

Quando o telefone toca, você espera que seja o retorno do amigo dorminhoco, tomado por remorso. Você espera que seja a sua mãe: "Não chegue tarde". Você espera que seja engano e a cobrar. Mas é ele. Sem tempo para fazer o charme típico da mulher louca-de-amor-mas-que-tenta-se-fazer-de-difícil, demorar para atender, porque ele está se aproximando, olhando para você, do mesmo jeito como te olhou da primeira vez, você atende. O "Boa Noite" de antes se transforma em "por que você desapareceu" e todas as outras baboseiras que eles nos falam para tornar aquele encontro mais sublime que o primeiro de Alice e Daniel em Closer. Você até pensa "Cachorro", mas não vale a pena. Não mais. E naquele momento você se envergonha por sempre olhar para todos os outros do mesmo jeito como olhou pra ele da primeira vez. Você se arrepende por tê-lo enganado como faz com todo mundo. A decência passou longe daquele bar quando vocês se conheceram. Então por que chamar de baboseira tudo o que você escuta e diz agora?

Foto: Sxc.hu
"Você tem um mês para me aproveitar". Caramba! Foi o melhor que você pensou pra dizer? Tudo bem, a resposta também é intensa, inesperada e como a sua, descartável "Vamos fugir". Duram cinco os minutos de planos extravagantes expressados em palavras tímidas. Você finaliza com um "E fim de papo", de novo. Muito medo de que os olhinhos vivos procurem outras direções como os seus fazem habitualmente. Você não quer, mas "antes prevenir...". Pensa em se acostumar, porque, inevitavelmente, depois daquele bar, as suas noites vão acabar sempre no travesseiro pensando em como transformar aqueles cinco minutos em todos os dias, todas as ligações, casa dos pais, lençóis dele, olhares só para você, cumplicidade, dvd-edredon-sofá. E você jura que nunca mais vai fugir. Jura em falso. Mais uma vez.

Quem é a colunista: Priscila Nicolielo
O que faz: escreve para Teatro, TV e Cinema.
Pecado Gastronômico: Pão de Mel
Melhor Lugar da Cidade: Karaokê do Bahia
Para Falar com Priscila: [email protected] , acesse o blog da autora ou assista à peça CIAO, que ela escreveu.



Atualizado em 6 Set 2011.