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Laerte que me perdoe, mas o meu cartunista preferido é um senhorzinho chamado Joaquín Salvador Lavado. Digo senhorzinho com todo respeito, porque nasceu em 1932, uma data cada vez mais distante, e também porque nunca o vi ao vivo e imagino que se pareça com o homenzinho narigudo e de pouco cabelo de seus cartuns. Joaquín Salvador Lavado é Quino, o pai da Mafalda.
Só que não é sobre Mafalda que quero falar, me refiro àqueles outros quadrinhos, que parecem autobiográficos, mais cotidianos, situações que surgem quando um argentino comum observa a mesa ao seu lado e desenha a maneira como o vizinho pede um café para o garçom. Era uma criança de dez ou onze anos quando conheci Quino, esse argentino de Mendoza. Andava deslumbrado entre as estantes e mesas de uma feira de livros quando ganhei de meu pai uma edição chamada Quinoterapia. Lá descobri um cara que ironizava algumas situações de hospital, de sala de espera, da relação médico-paciente. Conheci um humor que não era feito para dar altas gargalhadas. Era algo diferente, me sentia observado, como se alguém estivesse me olhando ao limpar o ouvido usando um cotonete.
Eis que passei o último feriado na Argentina e me reencontrei com Quino. Em uma livraria da avenida Santa Fé, comprei uma daquelas edições parecidas com as que lia quando era mais novo. Um livro todo roxo, com as palavras ¡Cuánta bondad! em sua capa. Voltava a me sentir observado. Quino olhava agora o mundo depois da invenção do celular e outros aparelhos eletroeletrônicos, cada vez mais onipresentes nas cidades. Uma das páginas mostra um homem elegante (o autor?) no centro de um restaurante tomando um café com toda tranqüilidade. Ao seu redor, homens e mulheres em uma relação nada amigável com celulares, laptops, máquinas de calcular e de expresso - até a TV que transmite uma partida de futebol parece deixar as pessoas tensas. O senhorzinho se mostrava um pouco desapontado com as traquitanas modernas.
Assim como Laerte consegue captar perfeitamente a estética urbana paulista com apenas alguns traços - um poste telefônico, um viaduto detonado, uma portaria de prédio de Moema - Quino entrega a refinada Buenos Aires aos seus leitores. Todo café tem pé direito alto, espelhos com molduras trabalhadas na parede e uma luminária rococó - parece que todo argentino toma café numa espécie de Confeitaria Colombo carioca.
Viajar a Buenos Aires e voltar a ler Quino foi como reencontrar um velho conhecido. Confesso que tenho mantido mais conversas com Borges e Bioy Casares ultimamente e esperava encontrar com eles por lá. Topar com este amigo de infância foi uma surpresa. Logo que cheguei em casa corri para a minha estante e procurei as minhas antigas edições. De uma delas caiu um desenho em que eu tentava copiar o traço do cartunista. Desenhei a cena em que quatro cozinheiros se despediam chorando de uma galinha. O engraçado é que no desenho original de Quino é um porquinho que está entre os cozinheiros. Vai saber porque coloquei outro bicho no colo do chef.
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Quem é o colunista: James Scavone
O que faz: Diretor de Criação da AG_407
Pecado gastronômico: bala de goma
Melhor lugar do Brasil: Trópico de Capricórnio
Fale com ele: [email protected] ou acesse o blog do autor
Atualizado em 6 Set 2011.