É madrugada. Há muito já se foi a hora razoável pra se dormir. Depois de um exaustivo dia de trabalho e de uma noite de estudo, como fazem as mães de crianças bem pequenas, que, ao final do dia, esquadrinham a casa catando os brinquedos espalhados pelo chão, me vejo catando no ar migalhas de desatenção de filhos já adultos. Relembrando fragmentos de conversas com mulheres da minha geração, uma percepção dolorida de um enorme cansaço me vem. Algo me escapa ao entendimento e, inevitavelmente, versos do Los Hermanos vêm me cutucar. Ah faça-me o favor... Diga ao menos o que foi e se eu faltei em te explicar... Eu rezo, ai Deus do céu, ou alguém no chão, diga-me o que foi que eu deixei faltar...
Minha geração vem pagando o preço que paga quem experimenta, tentando acertar. Fomos criados com certa rigidez e pegamos horror a isso. Criamos nossos filhos com liberdade e demos, demos, demos... Não apenas conforto material, mas amor, carinho, atenção, compreensão, aceitação.
Hoje, os adolescentes - e me parece que a adolescência está se prolongando até os 30 - são ótimos. Bonitos, saudáveis, inteligentes, bem-informados e bem-sucedidos profissionalmente. Não fosse o fato de serem muito autocentrados, de terem certa dificuldade em relação à afetividade e de imaginarem que casas são autolimpantes e armários se autoabastecem, concluiríamos que, realmente, acertamos.
Nossos filhos, muito mais confortáveis do que nós quando ainda na casa de nossos pais, não têm pressa de conquistar seu próprio espaço. Os que se casam, contam, não raro, com a possibilidade de, caso sua aventura venha a fracassar, voltar pra casa dos pais, às vezes com filhos pequenos no colo.
Todos os dias encontro mulheres que, por volta dos 50, em vez de estarem curtindo o resultado do que plantaram ao longo da vida, estão criando os netos, com responsabilidade não de avós, mas de mães.
Junte-se a isso o fato de que, nessa idade, já nos sentimos responsáveis por nossos pais. E também a dura constatação de que, apesar de as mulheres terem se inserido no mercado de trabalho, e, muitas vezes, serem autossuficientes financeiramente, os homens não tiveram tanto interesse assim em conseguir autossuficiência em relação à vida pessoal. Resultado: temos muita gente dependendo da gente...
Mas... não podemos depender de ninguém. Experimente adoecer ou perder o emprego perto dos 50. Aqueles que aprenderam a ser nossos dependentes não estão preparados pra que dependamos deles. E o mercado de trabalho nos trata com sua crueldade inata. Quando é que será a nossa vez de descansarmos um pouco, e aproveitarmos a vida, sem o peso de tanta responsabilidade em nossas costas?
Há pouco tempo um amigo, pensando sobre essas coisas, argumentou que é preciso ter paciência pra esperar o momento em que veremos, afinal, o resultado do que construímos. Que nossos filhos precisam ser pais e seus filhos precisam crescer pra que, enfim, sentindo na pele as dificuldades que enfrentamos para criá-los, percebam nosso valor.
Talvez seja isso mesmo... Mas parece demorar muito... E me vem a sensação de que posso ouvir o vento passar, assistir à onda bater, mas o estrago que faz a vida é curta pra ver...
Minha geração se atreveu a testar formas diferentes de amar, de fazer sexo, de trabalhar, de se relacionar. Questionamos os preconceitos e tivemos a liberdade de escolher que caminhos percorrer. Hoje, já conseguimos chegar a algumas conclusões - muitas que contradizem o que nos foi ensinado. E vamos continuar tentando entender o que é melhor pra nós. Se em alguns momentos acertamos e em outros erramos feio, o importante é que não tenhamos medo de continuar buscando nossa autonomia. O que não dá pra abrir mão é de fazermos nossas próprias escolhas. E, apesar do cansaço, assumi-las e as suas consequências. E lá vem nossos Hermanos de novo:
Ahhh... Ora, se não sou eu, quem mais vai decidir o que é bom pra mim? Dispenso a previsão! Ah, se o que eu sou é também o que eu escolhi ser, aceito a condição.
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Quem é a colunista: Alguém que quer aprender e ensinar o que aprendeu de bom, pra não estar sozinha nessa...
O que faz: Escritora, ghost writer, blogueira, mãe, dona-de-casa, etcetcetc...
Pecado gastronômico: A minha torta de duas cores... humm...
Melhor lugar do mundo: Dentro de mim.
O que está ouvindo no carro, rádio, mp3: Tanta coisa... Los Hermanos, Cássia Eller, Adriana Calcanhoto, John Mayer, Alejandro Sanz, Seu Jorge, Marisa Monte, Nando Reis e por aí vai. .
Fale com ela: [email protected] ou acesse seu blog.
Atualizado em 6 Set 2011.