- Esse cara é gay?
- Acho que sim.
- Por que acha isso?
- É só olhar. Ele é carinhoso, gosta de ler, de cultura, música, não conta vantagens. Eu nunca o ouvi falando que come todas. Não gosta de futebol, é educado, não briga nem é violento com criança.
- Mas será que civilizado não seria um adjetivo mais preciso para ele? Afinal, o perfil que você apresentou é interessante.
- Você agora é chegado? Que nada, esse cara é gay!
- De onde você tira tanta certeza? E que importância tem isso? Essa não é a primeira coisa que observo em alguém. Por exemplo, ser mau caráter não é privilégio gay, concorda? Por que será que entre homens existe esta preocupação em saber quem é o quê?
- Sei lá, as coisas são assim.
- Você acha que estar atento à homossexualidade do outro é um modo de esquecer a sua? Será que é por isso que a gente fica ligado nisto? O sexo serve aos homens para que eles se esqueçam do que?
- Tu ta dizendo que eu sou enrustido? Que é isso, meu irmão, eu sei que sou macho.
- Então por que você se preocupa tanto com esta história se o cara é ou não é gay? Você fala dele como se estivesse falando de você.
- Não tô te entendendo...
- Acho que os homens usam o sexo para se entorpecer. Nisso homo e heterossexuais são idênticos.
- Sai fora, eu não sou que nem esses caras, a gente não tem nada em comum.
- Você ainda pensa pequeno, Tomás.
- Teo, você viaja demais!
- Pode ser, mas pensar me alimenta. Quando falo com você vejo as mesmas expressões ditas pelo meu avô, pelo meu pai e meus tios, meu irmão e meus amigos. Mudou muito pouco o modo como nós nos pensamos. Temos poucos recursos para compreender o que sentimos, o que nos angustia e nos enche de alegria. Podemos ser brincalhões, debochados, desafiadores, esportistas e galinhas, mas isto não nos faz sentir homens porque precisamos ser reconhecidos a partir de um destes estereótipos. Se não nos encaixamos, então podemos ser vistos como não sendo homens. O machão depende da bicha para existir e vive-versa.
Não é à toa que são universos próximos. O veado procura o machão que o tripudia. Não importa quem come quem, ou quem dá para quem, o sexo tão falado por ambos serve para entorpecer. Nós crescemos acreditando que o coração é nossa parte fraca ou, ainda, que as razões do coração podem nos levar à loucura ou à humilhação. Meu avô dizia que um homem que segue seu coração viverá eternamente em uma prisão sem saída. Por outro lado, não podemos passar uma borracha em nosso desejo de sermos carinhosos e atenciosos com homens ou mulheres sem a mediação sexual. O prazer sexual vem nos protegendo há décadas da angústia que nossos sentimentos geram, por conseqüência nos tornamos péssimos amantes ou, melhor dizendo, palhaços performáticos.
Sentir significa ser atravessado pelo que vemos e que toca nossos corações sem que haja a priori uma mediação da razão. Nós não fomos treinados para isto. Meu pai me dizia que o sentimento é o que nos animaliza e que devemos desprezá-lo, encontrando formas de nos livrar dele. Ele dizia que, se eu tivesse alguma dúvida quanto a isto, deveria olhar para os apaixonados. Eles são exagerados, dizia ele, o sentimento serve exclusivamente para isso: para nos levar ao exagero e ao ridículo. Apesar de achar que a paixão é uma coisa incômoda e saber que passa, eu não posso deixar de pensar nos motivos pelos quais as paixões da infância não desaparecem.
O que assusta na homossexualidade é que ela nos lembra das violências pelas quais passamos e que tivemos de engolir, das humilhações que vivemos e que não conseguimos esquecer, de tantas mentiras que contamos sobre quem somos - é para isto que nos serve a bicha salvadora. Ela nos serve para negar tudo isto na medida em que polariza com a representação de um macho super-qualquer-coisa. Imaginamos que o sexo nos livraria deste fardo, por esta razão devemos fazer sexo o mais cedo possível para escaparmos do sentimento de impotência diante da vida. Padecemos por medo de falhar, de perder a ereção ou de gozar antes do tempo. Pensamos que o sexo nos daria garantia de que somos homens, mas ele não é reparador ou curativo. O sexo é visceral e sensório, é o único momento em que vencemos a morte. Ele está além do amor ou do ódio, ele é o sagrado em nós. Nós ainda não aprendemos a possuí-lo com o cuidado que merece fora da pornografia dos bacanais.
Leia as colunas anteriores de Sócrates Nolasco:
Perto dos cinquenta
Viag(a)ra Falls
Mulheres de papelão
Quem é o colunista: Sou aquele que deixa o que encontrou melhor do que estava antes.
O que faz: Psicanalista, Escritor e Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Pecado gastronômico: Ostras com Cristal do Roederer.
Melhor lugar do Mundo: Yosemite National Park e San Francisco.
O que está ouvindo no carro, iPod, mp3:Yoshida Brothers.
Fale com ele: [email protected]
Atualizado em 6 Set 2011.