No universo da sexualidade, há uma premissa quase que indiscutível para a maioria dos casais: o sexo é muito importante para a harmonia da relação. Mas ao contrário do que se pensa, as brasileiras estão insatisfeitas, já que somente 9% das mulheres se dizem felizes com seu desempenho na cama. Além disso, elas acreditam que ter uma alimentação saudável e tempo de convivência com a família são mais importantes do que a atividade sexual. Pelo menos, é o que revela a maior pesquisa já feita no país sobre comportamento afetivo e sexual.
Comandado pela psiquiatra e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Carmita Abdo, o estudo Mosaico Brasil foi feito com mais de oito mil pessoas de todas as regiões do Brasil, em uma proporção de 51% de homens e 49% de mulheres. Por meio de um questionário anônimo e confidencial, a especialista averiguou como anda a sexualidade dos brasileiros. Em um bate-papo com o Guia da Semana, Carmita desvenda tabus e dá dicas para que a mulherada se sinta mais feliz na hora do sexo.
Guia da Semana: A sua pesquisa traz um resultado revelador: apesar da aparente liberação sexual promovida pela mídia, pelas novelas de TV e pelas músicas, as brasileiras ainda têm muitos receios em relação ao sexo. Por que isso ainda acontece?
Carmita Abdo: O sexo ainda é mitificado e existem muitos tabus. Além disso, a educação sexual ainda é feita de uma forma muito ineficiente. Então, as pessoas acabam aprendendo somente na iniciação sexual e preservam diversos mitos. A mulher tem mais dificuldades do que o homem, pois está vivendo um período de transição. Ela está começando a entender o próprio corpo. Antes, a mulher imaginava que o sexo era prazeroso só para o homem e só o fazia para a procriação. Viver uma sexualidade mais erótica só foi possível com o advento da pílula (anticoncepcional). Isso é muito recente e as novas gerações ainda estão aprendendo a lidar com essa situação.
Guia da Semana: Apenas 9% das mulheres estão felizes com seu desempenho na cama. Por que? O que impede a mulher de ser feliz no sexo?
Carmita: Completamente satisfeitas (são) só 9 %, mas existem graus variados de satisfação. Por um lado, porque a exigência é bastante alta, pois a população brasileira é vista como muito receptiva à sexualidade. Mas as dificuldades sexuais no Brasil são as mesmas do que as de outros países. Nós não temos nenhum tipo de proteção contra a disfunção erétil, a ejaculação precoce ou em relação à falta de desejo da mulher, que é um grande problema no climatério.
Guia da Semana: Quais são as principais queixas das mulheres em relação ao desempenho sexual?
Carmita: Quando a mulher é muito jovem, a inexperiência faz com que ela tenha bastante desejo, mas dificuldade de atingir o orgasmo. Na maioria das vezes, o parceiro também é inexperiente e ambos estão aprendendo juntos. Quando ela atinge uma maturidade, por volta dos 35 anos, depende de um parceiro interessado e resolvido sexualmente, mas boa parcela dos homens também tem dificuldades sexuais importantes que os torna pouco habilidosos sexualmente. Depois, aproximadamente aos 45 anos, ela passa para o climatério e tem o desejo sexual bem mais abrandado. Nessa fase, há dificuldades de penetração, já que a lubrificação diminui por causa dos hormônios.
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Guia da Semana: A questão fisionômica ainda é um fator que prejudica o desempenho sexual das mulheres?
Carmita: As brasileiras têm mesmo o culto à beleza como uma das prioridades. Às vezes, elas fazem até uma certa confusão entre sensualidade, sexualidade e beleza. Logicamente, uma mulher bonita é muito atraente e pode estimular sexualmente seu parceiro. Por outro lado, o aspecto físico não dá a garantia da continuidade dessa aproximação. Ela precisa estar bem resolvida em relação à sexualidade para permitir que o encontro seja algo prazeroso. Se ela for bonita, mas não se sentir sexualmente interessante, a beleza não vai contribuir para o prazer sexual de ambos. Assim, é importante que a mulher se preocupe não só com a beleza, mas com a saúde sexual, que faz com que ela estabeleça com o parceiro um vínculo de confiança.
Guia da Semana: A maioria das mulheres ainda fica constrangida quando tem de falar sobre suas preferências com o parceiro, mesmo nos casos de relações estáveis e duradouras. Por que isso ainda acontece e como dificulta a satisfação da mulher?
Carmita: Se ela não comenta isso no início do relacionamento, depois que passam alguns meses, a mulher pode passar a fingir e sustentar essa situação. As mulheres costumam não comentar sobre como o prazer é mais facilmente desencadeado e o que faz com que ela se sinta mais interessada. Porém, há aquelas que ficam satisfeitas mesmo sem atingir o orgasmo. Isso não é uma obrigação como é para o homem. Homens e mulheres não são idênticos no desempenho sexual e nem nas necessidades que têm durante o ato. À medida em que o homem perde esse conceito errôneo de que a relação só vai valer se ela alcançar o orgasmo, é possível ter relacionamentos mais saudáveis.
Guia da Semana: De acordo com a sua pesquisa, as mulheres são mais confiantes do que os homens em relação ao desempenho sexual. Como é a auto-estima das mulheres brasileiras em relação ao sexo?
Carmita: Por sermos conhecidos como um povo altamente sexualizado, as mulheres ficam mais à vontade no relacionamento. Mas muitas vezes, a mulher gostaria de ousar mais, de se posicionar e de comentar sobre suas preferências durante o ato. Porém, ela ainda se sente constrangida e se ele tem a sensibilidade de perceber isso, é ótimo para o casal. Se ele não se dá conta, ela ainda tem receio de se posicionar. Essa é uma questão que a mulher brasileira, apesar de toda a sua auto-estima, ainda não consegue lidar.
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Guia da Semana: É o homem que ainda escolhe a hora, o local, a frequência e mesmo a duração da relação sexual?
Carmita: Pelo contrário. Hoje, o início e a frequência são muito mais definidos pela mulher. Dentro de um padrão normal de relacionamento, o sexo só vai ocorrer se a mulher se disponibilizar. Mas essa questão de que o homem tem que estar sempre pronto para o ato sexual é um equívoco. Ele raramente coloca limites na mulher. Ele se sente compelido à contrapartida dela, mesmo que a hora seja inadequada. Geralmente, ele tem uma disponibilidade bem maior, mas quem dá o ritmo é a mulher.
Guia da Semana: Quais são as dicas para que as mulheres sintam-se mais satisfeitas em relação ao sexo?
Carmita: Antes de tudo, é importante se educar em relação ao processo. Existem sites especializados no assunto, assim como livros dedicados à temática. Conversar com um médico também é uma boa opção para ter informações avalizadas. Também é importante procurar conhecer a sua forma de prazer. O cuidado com a saúde também é fundamental. Há algumas regrinhas de saúde que valem para tudo, que são evitar o sedentarismo, ter uma dieta balanceada, não fumar, não usar drogas, usar medicamentos com controle médico, evitar bebidas em excesso e, na medida do possível, evitar situações de estresse. Com tudo isso, é possível preservar boa parte da saúde física e psíquica. Além disso, é preciso ter cuidados com o vínculo. A mulher hoje está esquecendo que o vínculo não é construído instantaneamente. Em um relacionamento, isso vai acontecer ao longo do tempo. Pode até ocorrer uma explosão de prazer em um primeiro encontro, mas isso não significa que se repetirá nas próximas vezes. O prazer se torna mais agradável à medida em que a intimidade vai se tornando mais presente na vida do casal.
Atualizado em 10 Abr 2012.