É vencedor quem ganha a batalha, mas é mais sábio quem evita a guerra. Deixando um pouco a filosofia oriental de lado, será que é sempre possível evitar a guerra ? Pensemos no exemplo banal daquela mãe que exige que você almoce com ela todo santo domingo.
Cena 1 : sua mãe te liga e diz que preparou « a torta de frango com requeijão que você tanto ama ». Deitada em sua cama, após uma noite de celebração ao Deus Baco, você tem tudo, menos fome. Quer dormir a tarde inteira e à noite ir no cinema sossegada com seu namorado (ou namorada, sua orientação sexual pouco importa neste caso).
Cena 2 : você tenta contemporizar (adoro a palavra contemporizar) e diz que não está passando muito bem (embora as náuseas causem formigamentos em todo seu tubo digestivo). Sua mãe responde que ela preparará uma sopa no lugar da torta de requeijão. Você diz que não quer comer nada.
Cena 3 : sua mãe, como todas as mães, é insistente e carrega no seu ser mais íntimo a sabedoria dos ensinamentos de sua avó centenária. "Um chazinho, você não precisa comer, filha. Um chazinho de ervas vai ter fazer bem." Chega o momento do impasse. Você não quer vê-la, você só quer a paz da escuridão do seu quarto. Você responde, educadamente : « prefiro ficar em casa hoje, mãe . »
Cena 4 : na casa da família, momentos de tensão. Bater de chinelos no azulejo da cozinha. Dona mãe não suporta a idéia de passar um domingo sem ver a filha. Mesmo que isso represente deixar Seu Pai e o irmão mais novo em casa, ela responde, decidida, pronta para abrir a gaveta e vestir a calça que acabou de recolher do varal : « não tem problema, eu levo a sopa, a torta e faço o chá na sua casa. »
Cena 5 : agora é você que bate os chinelos no carpete. Como dizer à sua mãe que simplesmente não quer vê-la hoje ? Você não quer ir para a guerra, muito menos com sua mãe. Isso vai custar horas de sentimento de culpa, que só serão aliviados no divã do psicanalista. E a hora do psicanalista custa uma fortuna, a hora da morte. Apelando para a luz violeta do seu chakra superior, você diz : « mãe, eu agradeço, mas preferiria ficar sozinha. » Dona mãe começa a chorar.
Cena 6 : Você está perdida. É do tipo que não reclama quando alguém fura a fila, acredita que uma saída política é sempre mais sensata, nunca ergueu a voz para seu chefe. Isso de um lado. De outro, é verdade que às vezes precisou mentir, ou teve insônia, ou pagou uma fortuna de psicanalista (sim, custa a hora da morte). Sempre achou que franqueza não leva a nada, que podemos dizer não dizendo sim, enfim, todas essas bobagens que essas revistas femininas nos fazem crer, tudo tão falso quanto seus horóscopos. A mãe continua chorando, você está passando mal, chegamos ao auge do conflito. Quando de repente, você desliga o telefone na cara dela.
Cena 7 : Silêncio na casa de família, a mãe enxuga as lágrimas e vai reclamar com o pai. Seu pai, geralmente sucinto e entretido nas palavras cruzadas de domingo, apóia seus óculos sobre o nariz e balança a cabeça. A mãe fica muda, guarda a torta de requeijão de geladeira. Você dorme, feliz. No dia seguinte, talvez coma um pedacinho da torta.
* Taíssa Stivanin não almoça com a mãe todo domingo e por razões geográficas não pode vê-la mais do que uma vez por ano.
Quem é a colunista: Taíssa Stivanin
O que faz: Jornalista e filósofa de botequim
Pecado Gastronômico: Sorvete de doce de leite, chocolate amargo e tarte tatin, tudo junto e depois das 22h
Melhor Lugar da Cidade: O rio Sena
Para Falar com Priscila: acesse o Orkut
Atualizado em 6 Set 2011.