Guia da Semana

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Cidadezinha do interior de São Paulo. Uma Ferrari F1 Challenge Stradale, um desses carros quase etérios, com nome e sobrenome, vai de encontro a uma árvore depois de parecer totalmente desgovernada. Deixa lá sua carcaça vermelha, inerte como carro de exposição. As pessoas param para observar e balançar a cabeça.

Já percebeu que a cada dois ou três meses ficamos sabendo de uma Ferrari que terminou seus dias antes do previsto? Sei que colocar um motor V8 de 3.586 cilindradas em um carro feito de alumínio não é das combinações mais seguras, mas deve haver um jeito de controlar o diabo que mora debaixo do capô. Deve ter uma maneira de aproveitar toda a sua potência sem acionar o airbag no final. Será que é preciso ser piloto profissional para buscar um pãozinho na padaria?

O fato é que extrapolei um pouco ao falar de Ferraris (mesmo porque estou longe de ter este tipo de problema no meu dia-a-dia), mas precisava de um exemplo de impacto para provar que certas coisas que deveriam ser muito simples - como dirigir carros - estão fugindo do nosso controle nos tempos atuais. Donos de telefones celulares de último tipo não usam nem um décimo de suas funções, me disse outro dia um amigo que trabalha na marca líder do mercado. Computadores são usados basicamente para navegar na internet e para escrever no editor de textos. Até mesmo o caseiro forno de microondas é usado somente para fazer pipoca o aquecer leite de manhã. Por que? Porque todos estes equipamentos estão complexos demais.

O mundo ficou complicado da noite para o dia. Antes a gente dava risada de nossas mães quando a luz do videocassete ficava com o 12:00 piscando sem parar. Agora, estamos todos tentando adivinhar como as coisas funcionam. Cada um tem uma regra diferente, parece o Brasileirão, que muda de regulamento todo ano. Muitas vezes, para deixar o procedimento ainda mais difícil, não basta nem apertar o botão certo, é preciso apertar e segurar por alguns segundos. Consigo até ver um engenheiro rindo sozinho, imaginando o usuário desesperado, que não consegue nem ao menos sintonizar sua estação preferida no rádio do carro.

Demorei para comprar um i-Pod, mas acabei sucumbindo aos encantos de Steve Jobs. E não foi porque não consigo ficar um minuto sem ouvir as últimas músicas do Snow Patrol ou do Bloc Party, mas pelo botãozinho giratório. Observava meus amigos usando aquele botão maquiavélico e ele me olhava de volta. Sabia que eu não tinha o menor controle sobre ele. Certo dia tive uma epifania. Imaginei um mundo onde tudo era controlado pelo botão giratório consagrado pela Apple. Desde os carros, o chuveiro e o abajur de leitura até a geladeira e a torradeira. Enxerguei a minha triste figura, anos mais tarde, sentado numa poltrona qualquer, tendo que pedir para o meu neto abrir a geladeira pro vovô poder fazer um sanduíche. Entrei em pânico e comprei um i-Pod na mesma hora.

Eis que agora domino o botão giratório completamente. Tenho 30Gb de memória e uso menos de 2Gb, mas sei exatamente o que fazer. Adestrei este aparelho mas sou nocauteado diariamente por outros equipamentos. Muitas das fotos que tiro com o meu celular somem logo depois, vão para o limbo do SIM card, aquele lugar que o Papa insiste que não existe. O mesmo acontece com os arquivos MP3 que baixo no meu computador, alguns deles seguem o caminho certo da pasta "músicas". Outros desviam e vão para o caminho da perdição. Confesso que, nestas horas, tenho vontade de arremessar o computador na mesma árvore que ficou no caminho da Ferrari.


Leia as colunas anteriores do James:

? Ibira de manhã: As impressões do colunista sobre o estilo de quem freqüenta o Parque do Ibirapuera!

? Os publicitários e o humor negro: Com o aquecimento global, teremos verão durante o ano inteiro!

? O estilo do poeta: A arte da conquista do poeta chileno Pablo Neruda: mar, vinho, humor, boina e, claro, poesias!




Quem é o colunista: James Scavone

O que faz: Diretor de Criação da Salem

Pecado gastronômico: bala de goma

Melhor lugar do Brasil: Trópico de Capricórnio

Fale com ele: [email protected] ou acesse o blog do autor

Atualizado em 6 Set 2011.