Guia da Semana

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Enquanto fazia as malas controlava-se para não chorar. Tarefa difícil. Tão difícil que não demorou muito para que uma lágrima, mais salgada do que o normal, escapasse dos olhos para cair em cima da calça de veludo, no armário, para emergências. Nunca se programava para dormir ali. Deixava, então, algumas peças limpas em uma das gavetas dele para esse tipo de imprevisto. Acontece que sempre terminava suas noites naqueles lençóis, de segunda a sexta-feira, religiosamente.

A quem ela queria enganar? A última coisa que pegou para amarrotar dentro da mala foi o pijama verde, escondido em um canto e dobrado com cuidado neurótico. Um conjunto de regata e short para as viagens de verão. A mãe dele sempre tão gentil! Aparecia com um mimo em todos os encontros. Ela retribuía com strudel de maçã e carolinas. Seria injusto dizer que os presentes que ganhava da sogra eram a melhor parte desse relacionamento, desastroso à maioria das mulheres. Com ela, das vezes anteriores, não fora diferente, sempre tivera "dedo podre" para escolher mãe de namorado. Lembrou da sua própria, que sabiamente dizia "Namore moços órfãos". Frase criada por causa da experiência conturbada com a mãe do marido, que hoje a reconhece como filha quase legítima.

A primeira sogra tinha um filho que não merece ser lembrado, um marido indiferente e era muito inteligente. Tinha dezesseis anos e uma "rival" intelectual. Uma adolescente boba, criada em um bairro que mais parecia uma cidade de interior, vestia saias e tênis de acordo com o estilo da capa da revista de adolescentes. Achava um saco ter que ler literatura brasileira, e não entendeu O Livro Dos Prazeres. Bem feito! Mereceu essa crueldade. Mereceu alguém cheia de si. Alguém que tinha opiniões fortes e detestava ser contrariada. Uma mulher com uma biblioteca dentro de casa e um escritório no mezanino. E a única coisa que, no auge da sua estupidez teen, conseguia criticar era o marido primata que mantinha dentro de casa. Burra! Mereceu aquele "Filho, eu sei que ela gosta de refrigerante light, mas na minha casa ela vai tomar normal, pois estamos acostumados assim". Burra mil vezes por ter ficado quieta!

A segunda tinha um filho que a fez sofrer quando de repente terminou o namoro de três anos. De repente, porque ela não percebia que tornava a relação chata com seus ciúmes, desconfiança e brigas. Era uma sogra que se incomodava com um filho apaixonado. Uma sogra gelada, que diminuía a poesia do amor. Ria de qualquer agrado que ele fazia para a namorada. E foi capaz de puxar a menina no canto, um dia, para falar de todas as qualidades da ex-nora. Naquele momento ela só conseguiu delirar: matava a sogra a facadas com prazer. Se ela não existisse, metade de seus problemas também não existiria. Menina boba. Boba e burra, de novo. Nunca vai aprender!

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A única vez que fisgou um sem mãe, morreu de medo. Achou que pudessem desenvolver uma relação esquisita. Acabou com tudo depois do primeiro telefonema que veio poucas horas depois do primeiro beijo. Pois é, já. Doação, palavras no diminutivo e fofurinhas masculinas têm de ter o cheiro forte do corpo deles. Muita entrega era demais. Além de tudo, ela apostava que um dia ele se apaixonaria por um rapaz e seriam felizes para sempre.

A terceira e última iluminou seu futuro. Teria ela feito a escolha certa: namorado - que virou marido - e sogra? Pela primeira vez na vida era pressionada a se casar por outra mulher que não fossem sua mãe e sua madrinha. E sempre arrematava "Você nunca teve uma sogra que empurrou tanto o filho pro altar, certo?" Um doce! Conquistou-a com outros carinhos também, como convidá-la para as compras, para preparar a festa de aniversário da irmã e para a missa. Insistia em agradecer os cuidados com o filho "Coloque-o no eixo, está muito perdido". Tomou o pedido como uma obrigação e passou até a controlar os gastos e vícios dele. Diferente de muitos homens, ele não gostou quando aquela moça entrou na sua intimidade e compartilhou dos seus problemas. Ele preferia ter de falar com a mãe sobre o assunto a cada quinze dias, que era quando se encontravam.

A sogra lhe faria falta. Burra de novo! A única vez que acertou na mãe, errou a dose de amor e cuidados com o filho. Invadiu, pois tinha a permissão da primeira mulher da vida dele. Pegou o pijama verde e, antes que jogasse na mala, tirou todas as roupas que já estavam lá dentro. Devolveu à gaveta. Enfiou o conjuntinho dentro da bolsa e foi embora, culpando-se. Burra! Não foi esperta o suficiente para segurar essa!

Quem é a colunista: Priscila Nicolielo
O que faz: Redatora da TV Bandeirantes. Também escreve para Teatro, Cinema e Internet.
Pecado Gastronômico: Beijinho de coco
Melhor Lugar da Cidade: a Praça Roosevelt está bacana
Para Falar com Priscila: [email protected] ou acesse o blog da autora.

Atualizado em 6 Set 2011.