Régua de degustação de saquês, uma bossa nova do Itigo Sakehouse
A porta de entrada pode até ter o noren, a típica cortina franjada, ou uma grande lanterna vermelha. Mas, dentro dos novos izakayas, o que o frequentador vai encontrar é menu apurado, decoração caprichada e uma certa ocidentalização dos costumes, como cartas de saquês e shochu impressas e perfumadas. Seja na sofisticação ou em seu estado mais original, essa bossa japonesa presente em todas as grandes cidades do mundo agora conta com dois representantes em São Paulo. E o melhor: um de cada estilo, apresentando facetas pouco conhecidas da gastronomia japonesa.
Em português bem claro, a melhor tradução para izakaya é boteco. Eles começaram como empórios no Japão medieval que serviam amostras de saquês para cativar os clientes. E os clientes foram gostando e pedindo mais: um tatame para poder sentar e relaxar, algo para salgar a boca, um balcão com cadeiras para abrigar solteiros e jovens e, pronto, nascia um estilo de bar que se espalhou pelo país, da capital Tóquio a menor aldeia no interior da Ilha de Okinawa.
A simplicidade é uma das marcas do izakaya, pois japa que é japa gosta de coisas simples, com pouca invencionice. No entanto, a abertura dessa cultura para o Ocidente e a necessidade de atrair (a grana dos) turistas levou à modernização (principalmente no quesito serviço) de restaurantes e bares do país a partir da décadade 80. Os izakayas não ficariam de fora ( veja box abaixo), e hoje é possível encontrar das casas mais simples e rigorosas à tradição até redes e estabelecimentos que apostam na alta gastronomia.
Nos anos 90, os izakayas estouraram nos EUA (maior país consumidor de saquê). Demorou um pouco para justamente São Paulo, cidade com a maior colônia nipônica do mundo, ter o seu. Felizmente, esse problema foi sanado e hoje pelo menos quatro estabelecimentos reivindicam o título. Dois merecem destaque: o sofisticado Itigo Sake House e o tradicional (porém recém aberto) Izakaya Issa.
"No início, o público confundia e vinha em busca de sushi, muito devido à falta de informação sobre o conceito", comenta Ana Toshimi, de 28 anos, sócia proprietária do Itigo. Neta de japoneses e admiradora da cultura, Ana bebeu nas origens para criar seu bussiness plan de projeto final do curso de Administração: um bar no estilo izakaya. O tema virou paixão e motivo de leituras, pesquisas e viagens. Passados cinco anos, abriu em setembro de 2010, junto com o amigo Evandro Aguiar, a casa nos Jardins.
O Itigo prima pela beleza. Sua grande porta de vidro funciona como vitrine, expondo algumas das garrafas que também estão à venda para consumo em casa. São 30 tipos de saquê, apresentados em carta e divididos em categorias como futsu, honjozo, junmai, ginjo e daiginjo. Há também especialidades como genshu (saquê não diluído), nigori (saquê com presença de resíduos de arroz, tornando o líquido esbranquiçado), nama (não pasteurizado) e aromatizados. Esses podem ser degustados no belo balcão de granito bem como nas mesas (ocidentais) do salão, que buscou reproduzir a profundidade típica do modelo tradicional.
Os garçons foram treinados para explicar ao cliente um pouco dessas inúmeras categorias, dadas pelo grau de polimento do grão de arroz e a adição ou não de álcool, aprofundando a experiência de consumo. Segundo a empresária, o saquê nigori (nuvem em japonês, por conta de sua cor esbranquiçada e turva), saquês espumantes (também da categoria nigori) e um saquê daiginjo (superpremium) com polimento de mais de 70% do grão do cereal (oferecendo uma bebida extremamente fina e seca) são os destaques da carta.
Para completar os sabores do Itigo, a cozinha, conduzida por Fabio Okamoto. O chef tem 32 anos e acumula passagens por restaurantes na Europa e Japão. "Diferente do senso comum, o modelo de izakaya não valoriza a bebida mais do que a comida, mas sim dá igual importância aos dois, por se complementarem", comenta Okamoto, que comanda três cozinheiros e seis garçons. A casa resolveu também abrir para almoço.
Num outro canto da cidade, mais precisamente na Liberdade, o Isakaya Issa têm seu estreito espaço (um balcão de fórmica, mesas baixas e um salão reservado para grupos maiores) cheio e movimentado de clientes até numa segunda-feira chuvosa.
Foto: Bruno Cesar Dias
Balcão feminino e atendimento familiar é a marca do Issa, na Liberdade
A casa já existe no bairro há muitos anos. No entanto, era conhecida apenas pelos membros mais antigos da colônia. Até ser comprada por Margarida Haraguchi. Filha de imigrantes e casada com um chef de cozinha e que não revela idade nem sob tortura, Margarida já havia estado à frente de um restaurante, "uma casa simples e comum no Jaguaré", antes de ir com a família tentar a sorte no Japão e conhecer os izakayas. Os filhos lá ficaram, ela para cá voltou.
Um pouco mais de cinco meses, colocou a mão na massa e abriu o Issa em novembro de 2009. O bar virou moda. "O Issa é um legitimo izakaya, basicamente o único, pois não possui hostess, não tem garçom, a cozinha é pequena e todos que lá trabalham têm relação familiar ou muito próxima", explica Alexandre Tatsuya Iida, consultor de saquês e proprietário do empório Adega de Sake.
O balcão do Issa é comandado por Margarida e mais três amigas. Dois auxiliares ficam na cozinha para os preparos mais pesados, pois boa parte da comida é feita no balcão mesmo, aos olhos do cliente e embaixo das garrafas que adornam a parede. Margarida prefere não detalhar quantas garrafas tem - "depende da época, né, aqui é pequeno, não tem como estocar". Por alto, ela imagina ter 10 a 15 rótulos de saquê para serem apreciados nas versões gelada (miasake) ou a temperatura ambiente (chamados de quentes, ou atsukan) e outras 15 de shochu, um tipo de destilado que pode ser extraído da batata doce, do trigo, do arroz e da cana de açúcar.
Os habitues compram suas garrafas preferidas e lá deixam etiquetadas com seus nomes, como num clube de uísque (bebida também vendida lá, assim como cerveja de garrafa). No entanto, as bebidas de maior saída são os saquês, especialmente os rótulos Osseno Yukidoke, Takashyimizu Karakuchi e Shinsei Karakuchi.
Para acompanhar, pratos tradicionais da cozinha de boteco japa, como o okonomiyaki (uma fritada de ovos, trigo e batata recheada com pedaços de porco, camarão, legumes e coberta de flocos de atum seco), mekajiki (atum branco assado temperado no bagaço de arroz de saquê e servido com nabo ralado) e tokoyaki (bolinhos com massa de cará e trigo, recheado de polvo e servidos com maionese e molho tonkatsu). Comidas aliás também são (e muito bem) preparadas no Itigo. "Ih, eles viviam aqui, vendo e observando tudo", entrega Margarida enquanto prepara mais uma fornada de seus bolinhos.
Sofisticando a tradição
Foto: Divulgação
Em San Francisco, o Namu serve de petiscos com inspiração francesa a destilados coreanos
"É impossível dizer qual é o melhor izakaya do Japão, pois eles estão em cada esquina e variam muito de acordo com a região. No entanto, um legítimo representante tem de ter a maior parte de suas vendas em bebidas alcoólicas, não possui uma carta da bebida nem sequer estoque, pois é um produto de grande rotatividade, e oferece tira-gostos rápidos, para serem consumidos em porções por todos da mesa", explica Alexandre Tatsuya Iida, proprietário da Adega de Sakê e profundo conhecedor da bebida.
Um desses é o Galali. São duas unidades em Tóquio, uma voltada para saquês (no bairro de Omotesando) e outra só com shochu, em Sendagaya. A primeira casa é bucólica e ocupa uma antiga construção tradicional, segundo o modelo balcão corrido e algumas mesinhas. Já a segunda, uma área remodelada da cidade cheia de novos e modernos espigões, apresenta ambiente mais descolado, com luz difusa e garrafas de cerâmica na decoração. A cozinha de ambas é elogiada pelos melhores críticos de gastronomia do mundo, bem como a do Rokkaku (também em Tóquio), o primeiro izakaya a entrar para o seleto grupo três estrelas do Guia Michelin.
Nos Estados Unidos, um dos representante mais destacados dessa onda é o Namu. Localizada em San Francisco, a casa, comandada pelos irmãos Lee é sucesso de crítica e público desde a abertura, em 2006. Seguindo os padrões dos restaurantes ocidentais, o Namu abre para almoço aos finais de semana e tem extenso cardápio, de saladas a pratos de inspiração francesa e coreana (aliás, essa também a origem da família), além de outras aclamadas criações do chef Dennis Lee. A casa se garante na categoria izakaya graças aos variados tipos de saquês daiginjo, ginjo, junmai, especialidades, além de vinhos internacionais e de soju (outro destilado de arroz, esse de corte coreano, bem próximo ao shochu japonês). Todos organizados em carta, como manda o gosto ocidental.
Quer saber mais sobre a bebida e seus tipos? Clique aqui e descubra!
Serviço:
Itigo Sake House
Endereço: Alameda Lorena, 871 Jardim Paulista, São Paulo
Telefone: (11) 3062-7875
Horário Segunda a sexta, 12h às 14h30; terça a quinta, 19h às 23h; sexta e sábado, 19h à 1h
Izakaya Issa
Endereço: Rua Barão do Iguape, 89, Liberdade, São Paulo
Telefone: (11) 3208-8819 / 7677-4910
Horários: Segunda a sábado, 18h30 às 23h30; domingo, 18h às 23h
Namu
Endereço: 439, Balboa street, San Francisco, Califórnia
Telefone: 415 - 386 - 8332
Horários: sábado e domingo, 10h às 03h; segunda a sexta, 18h às 22h30
Galali - Omotesando
Endereço: Jingumae Av. 3-6-5, Omotesando, Tóquio
Telefone: (03) 3408-2818
Horários: Todos os dias, 18h às 3h
Galali - Sendagaya
Endereço: Sendagaya Av. 2-6-4, Sendagaya, Tóquio
Telefone: (03) 5786-1820
Horários: Todos os dias, 11h30 até às 14h e 17h às 23h
Rokakku
Endereço: 4F, 1-5-5 Azabujuban, Minato, Tóquio
Telefone: (03) 3401-8516
Horários: Todos os dias, 12h até às 14h e 18h às 03h
Atualizado em 10 Abr 2012.