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De todos os presentes darwinianos que o homem recebeu do processo evolutivo, os dedos opostos foram dos mais essenciais na afirmação da supremacia da raça humana sobre os outros animais da Terra. Com quatro dedos apontando em uma direção mais um dedão em ângulo reto, o homem tornou-se capaz de produzir ferramentas, segurá-las e atacar o inimigo. Capaz de construir máquinas e armas poderosas. Capaz de desenvolver meios de transporte cada vez mais rápidos. E, é claro, dominou a arte de manejar o controle remoto da televisão.
O controle remoto talvez seja uma das grandes invenções da humanidade - e olha que eu não sou um grande fã destas tecnologias glorificadoras da preguiça, como o vidro elétrico, a escova de dente elétrica ou até mesmo o elevador - mas a simples idéia de apertar um botão e escolher entre mais de 80 canais sentadão no sofá me faz pensar que atingimos o grau máximo da civilização. Claro que um bom controle remoto em punho torna-se completamente inútil sem uma programação de quantidade - note bem que não digo de qualidade. Um controle remoto para zapear apenas entre os chamados canais abertos é como ter um carro que vai de 0 a 100 em menos de nove segundos e estar engarrafado numa avenida qualquer de São Paulo.
Geralmente prefiro alguns poucos diabos conhecidos, um canal de notícias, um de entretenimento, de desenhos, dois ou três de filmes e o inevitável History Channel - um capítulo à parte. Me encanto com os encontros e desencontros do destino. Uma comédia em seus últimos instantes, pouco antes da subida dos letreiros, um repórter engasgando ou trocando alguma palavra. Um dedo treinado é capaz de buscar maravilhas nunca dantes assistidas. Canais obscuros - mesmo depois de ajustar o brilho -animações gráficas com palitos de fósforos, leilões de porcelana inglesa ou um telejornal de algum país do Oriente Médio.
Um bom zapeador se sente melhor sozinho. É ele contra a programação e contra o tempo. Com a prática é possível assistir a três ou quatro programas simultaneamente. Os breaks comerciais nunca são sincronizados, mas um profissional sempre sabe o momento exato de voltar para o canal que assistia e descobrir a resposta do quiz lançado. Com as repetições dos canais de filmes é possível formatar seus próprios roteiros, inverter e revolucionar começos, meios e fins como Jean Luc Godard; enxertar diálogos de venda direta em filmes de época, criando roteiros de matar Tarantino de inveja. Quando se está acompanhado, a rapidez é um elemento fundamental. É preciso aproveitar pequenas distrações ou fazer parecer um acidente: "Eu estava limpando o controle remoto e ele disparou, bem."
Considero o zapear uma arte essencialmente masculina. O homem sai à caça da melhor programação para alimentar a família armado de seu controle remoto e algumas pilhas AAAs extras. Também deve ter algo a ver com a (in)fidelidade e com a necessidade de dar uma espiadinha na programação vizinha - a grama do campo de futebol do canal ao lado é sempre mais verde e coisa e tal - mas acho melhor não seguir por esse caminho. Já as mulheres preferem uma boa dose de filme do começo ao fim. "Não mexe nesse controle remoto!", dizem, como se a mudança de um canal de televisão se incluisse na teoria do caos e fizesse chover nos arredores de Pequim.
Devo muitas horas de diversão ao controle remoto, mas a economia mundial também me deve alguma coisa, muitos canais dariam traço no Ibope sem a maestria de zapeadores como eu. Finalmente, deixo uma dica para neo-zapeadores: pule de um canal a outro à vontade, aperte aleatoriamente os botões sem adotar qualquer tipo de padrão, mas ao perceber que está para se render ao sono, zapeie nos limites de 3 ou 4 canais seguros e que não farão feio se você for pego dormindo em frente à televisão.
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Quem é o colunista: James Scavone
O que faz: Diretor de Criação da AG_407
Pecado gastronômico: bala de goma
Melhor lugar do Brasil: Trópico de Capricórnio
Fale com ele: [email protected] ou acesse o blog do autor
Atualizado em 6 Set 2011.