Lembro sempre daquela Copa. Nossa confiança era inabalável.
Nós brasileiros estávamos em estado de graça. Tínhamos conquistado a copa de 94 e saído de uma fila de 24 anos. Além disso, contávamos com o melhor jogador do mundo.
Aquele garoto franzino, que esquentava a ponta do banco da seleção de 94 e vivia recebendo cascudo dos jogadores mais experientes, havia se tornado o principal jogador do Brasil: seu nome é Ronaldo.
Era tempo de Plano Real, da reeleição de Fernando Henrique Cardoso como nosso presidente. Era um período de confiança do nosso povo. Era tempo em que a internet ainda não havia se enraizado em nossa vida como hoje. O Google nem existia ainda!
Como em toda Copa do Mundo, os favoritos eram os de sempre: Brasil, Argentina, Holanda, Alemanha, Inglaterra e Itália.
Lembro de que Pelé declarou que uma equipe africana venceria a uma copa antes do fim do milênio. A Nigéria despontava como a mais forte equipe do continente africano, mas havia caído no grupo de outra seleção apontada como favorita: a Espanha.
Mas havia um time de quem não se falava muito aqui no Brasil na época. Era a equipe que jogava em casa e havia se preparado como nunca para ser campeã: a França.
França, que começou a copa arrasadora. Com vitórias sobre a África do Sul (3 X 0) e a Arábia Saudita (4 X 0). Os blues também conseguiram vencer um terceiro jogo duríssimo contra a Dinamarca e se classificaram com três vitórias.
Já "nuestros hermanos" argentinos começaram também com força total. Venceram todos os jogos da primeira fase, com destaque para a impiedosa goleada de 5 X 0 nos "reggae-boys" da Jamaica. O problema era enfrentar um velho adversário e inimigo íntimo: a Inglaterra.
Este jogo é considerado um dos maiores jogos de todas as copas. A batalha de Saint Ettiene começou com um penal pra Argentina, que Batistuta (el BatiGol) converteu, 1 X 0. De pênalti também, a Inglaterra empatou.
No fim do tempo normal, com um gol de Owen para os europeus e outro de Zanetti para os sulamericanos, o 2 X 2 apontava a prorrogação. A prorrogação com morte súbita não conseguiu "matar" ninguém. No fim, após decisão por pênaltis, os ingleses voltaram pra casa mais cedo.
Outro favorito voltou para casa com um papelão deste tamanho. A Espanha outra vez decepcionou sua torcida. Estreou com o pé esquerdo, tomando uma piaba da Nigéria (3 X 2), com direito a frangaço do goleirão Zubizarreta. No segundo jogo, a coisa ficou desesperadora com o empate em 0 X 0 com o Paraguai de Gamarra (o zagueiro que não fazia faltas). No fim das contas, a goleada por 6 X 1 sobre a Bulgária de nada adiantou. E a fúria também arrumou as malas.
Mas nem só de favoritos viveu esta competição. Outros confrontos marcaram época e ficaram para a história. Pela primeira vez, os Estados Unidos e Irã se enfrentariam numa copa. E por obra do destino (ou não), a partida foi marcada para o dia oficial do Fair Play da FIFA. (Fair Play, pra quem não sabe, é jogar bonito, ser leal com o adversário, respeitar a outra torcida).
É claro que durante os dias que antecederam esta partida, terroristas e agitadores dos dois lados ameaçavam atentados, bombas, tiros, etc. Mas no fim nada aconteceu e o Fair Play venceu. Quem também venceu foi o Irã, que comemorou como se tivesse conquistado a Copa do Mundo em Washington. Um completo delírio iraniano.
Outra surpresa, a Croácia, ia derrubando favoritos. Se classificou em segundo no grupo da Argentina, bateu a Romênia nas oitavas e aplicou um 3 X 0 sensacional na Alemanha na fase seguinte, chegando à inédita semifinal.
Seu adversário seria a França, que havia enfrentado duas batalhas duríssimas: o Paraguai nas oitavas e a Itália nas quartas. Os sulamericanos endureceram o jogo de forma incrível e o 0 X 0 só foi vencido com um gol do zagueiro francês Blanc na prorrogação, que decretou a morte súbita dos paraguaios. Já contra a Itália, outro 0 X 0 e a vitória nos pênaltis levou os franceses à semifinal.
Já o Brasil vinha muito bem, obrigado. Passou sem muitas dificuldades pelo Chile nas oitavas (4 X 1) e venceu a Dinamarca nas quartas (3 X 2). Nas semifinais, nossa seleção enfrentaria um velho e conhecido adversário: a Holanda. A mesma laranja mecânica que tinha cruzado nosso caminho nas quartas de final, no jogo mais espetacular da copa de 94.
Na primeira semifinal, a Croácia mostrou de novo que não estava pra brincadeira e meteu 1 X 0 na dona da casa. O jogo estava tão duro para França, que nem Zidane, Henry ou Trézeguet estavam dando jeito. O salvador dos blues foi de novo um zagueiro: Lilian Thuram, que marcou dois gols na base da raça e levou sua seleção para a sonhada final em casa.
Já o caminho do Brasil foi complicado como sempre contra a laranja mecânica. O primeiro tempo foi tenso e disputado. Mas a um minuto do segundo tempo, após um passe espetacular do pernambucano craque de bola Rivaldo, Ronaldo saiu na cara de Van Der Sar e só teve o trabalho de empurrar para as redes. Brasil 1 X 0.
Mas o jogo continuava duro e o Brasil não conseguia definir o resultado. A Holanda lutou até o final e foi recompensada aos 42 do segundo tempo, quando Patrick Kluivert subiu ao 5° andar e decretou o empate de cabeça.
A prorrogação foi dura, mas o placar não foi alterado. Pênaltis de novo.
A Holanda tinha o goleiraço Van Der Sar, mas o Brasil tinha o herói de 1994 Cláudio André Taffarel. E o brasileiro fez de novo dos seus milagres, pegou duas cobranças e ajudou a levar o escrete canarinho a mais uma final.
Lembro de que o sentimento do torcedor brasileiro era de completa confiança. Havíamos eliminado o melhor time da competição, o único que poderia bater de frente com o Brasil.
Era questão de tempo até o penta.
Domingo cedo saí para almoçar com a família e ver o Brasil ser campeão. As ruas estavam cobertas de bandeiras, pintadas de verde e amarelo. Mas toda essa euforia acabou minutos antes do jogo, quando foi divulgada pela primeira vez a escalação do time de Zagallo com Edmundo no ataque, substituindo Ronaldo.
Ninguém havia entendido direito. Só sabia que algum problema tinha ocorrido com Ronaldo. Quando foi mudada a escalação e Ronaldo foi confirmado no time titular, a euforia brasileira já havia ido embora.
E foi com resignação que acompanhamos a França bater o Brasil de forma incontestável por 3 X 0. Aquele time de quem ninguém falava, tinha a melhor defesa e o melhor ataque da competição e aproveitou o estádio lotado de seus fanáticos torcedores e um Brasil fragilizado pelos problemas extracampo para levantar sua primeira copa.
Nós, meros torcedores, voltamos para casa com a bandeira verde e amarela enrolada e sem entender direito o que havia acontecido. E as informações desencontradas sobre o fato ocorrido na concentração só ajudavam os brasileiros a não entenderem esse resultado.
Depois disso ouvi muitos dizerem que o torneio foi comprado, que o Brasil entregou a final. Teorias e explicações surgiram de todos os cantos tentando explicar aquela derrota. Porém nenhuma delas respeitava o fato de que a França tinha um belíssimo time e fez uma preparação irrepreensível para ser, com todos os méritos, campeã do mundo pela primeira vez.
Na cabeça do torcedor canarinho o filme não parou, a bola daquela final não parou de rolar. Imagina-se como seria uma nova final, com o Brasil inteiro. Para o torcedor brasileiro aquela final - assim como a de 50 - ainda não acabou.
Caio Calazans (@cabrito13) trabalha na área de softwares, estuda jornalismo e é torcedor apaixonado, que frequenta estádio desde criança, admirador do futebol arte, do futebol força, da pelada com os amigos e até do jogo de botão
Atualizado em 1 Dez 2011.