Guia da Semana



Em maio, compareci a um show na companhia de dois amigos. Foi, sem dúvida, a melhor apresentação da banda em questão - pelo menos, dentre as quais estive presente -, mas, infelizmente, não pude aproveitar metade do show, porque uma garota - cujo nome não perguntei, mas chamarei de Clara - ao meu lado desmaiou e, durante cinco músicas, fiquei segurando-a, auxiliada por um garoto - cujo nome também desconheço, mas podemos chamar de Mauro -, berrando para que algum segurança nos visse e a puxasse para fora do sufoco.

Clara vinha à consciência e desfalecia muito rapidamente. As poucas vezes que ela abriu os olhos e pareceu saber o que acontecia à sua volta, tentei aconselhá-la a andar para o fundo da pista, mas sempre que tentava andar, a perna fraquejava e era claro que se a deixássemos tentar recuar sozinha, seria pisoteada.

O frustrante da situação não foi porque tive que segurar uma pessoa que era mais alta e consideravelmente mais pesada do que eu, porque Mauro dividiu o fardo comigo, e sim o simples fato de que, à óbvia exceção de nós dois, nenhumas das pessoas à nossa volta pareceu se importar com a existência de uma pessoa desmaiada entre elas.

Enquanto eu berrava para que uma das garotas da frente se afastasse para que pudéssemos levar Clara para a grade, de onde chamar a atenção dos seguranças era bem mais fácil, uma garota às minhas costas disse que eu parasse de berrar com os outros e fizesse alguma coisa em relação a Clara.

Bom, suponho que não posso culpá-la, já que as minhas mãos estavam ocultas e ela não podia ver que as duas envolviam com firmeza a cintura da garota, amparando-a. É notável, entretanto, que, mesmo após a garota exigir que algo fosse feito da minha parte, quando pedi que ela recuasse para que pudéssemos levar a garota para o fundo, onde ela poderia respirar e se restabelecer, ela não o fez.

Suponho que eu não deveria ter ficado surpresa, certo? Somos todos assim, independente da idade: batemos o pé para que alguém tome uma atitude, mas quando uma é pedida de nós - mesmo uma tão simples quanto dar cinco passos para trás para que uma pessoa que está passando mal possa ser retirada - ficamos em silêncio, e fingimos que não é conosco.

Irônico de uma forma deprimente. Se eu já estava brava com a garota às minhas costas, beirei a fúria com a menina que estava à minha frente; quando pedi que ela fosse para o lado, para que pudéssemos levar Clara para as grades, ela me ignorou. Quando pedi pela segunda vez, ela voltou-se para mim, claramente irritada por ter sua atenção perturbada por uma garota descabelada, suada e em pânico e um garoto que, garanto, não estava em melhores condições, disse, com toda a clareza, ´o problema é seu´.

Foi mais ou menos após a fatídica frase que Clara abriu os olhos, exausta, me entregou sua máquina digital e disse, séria e com uma aceitação apavorante, ´vou morrer aqui´.

Se Mauro e eu já estávamos em pânico, quase explodimos naquele momento. Os meus ´pelo amor, não fala isso´ e os ´não vai, não, a gente vai te tirar daqui´ dele se misturaram aos berros dos fãs e à música da banda. Pedi ao Mauro que a segurasse e, a chutes e empurrões, consegui chegar um pouco mais perto da grade, bem no instante que dois seguranças se agrupavam para puxar uma menina. Berrei que tinha uma pessoa passando mal, o homem me ignorou. Puxei seu braço, berrando por ajuda, ele me ignorou. Puxei com mais força e disse que tinha uma garota desmaiada - aí, ele olhou para mim.

Três guardas, eu, o Mauro e mais algumas pessoas que tiveram sua visão obstruída do palco fomos necessários para conseguir tirá-la de lá.

Então, eu gostaria de responder à adorável anônima que estava à minha frente no show que eu espero que ela nunca passe pelo o que a Clara passou, e que, caso ela passe, que tenha uma Gisele ou um Mauro ao lado dela, que possam auxiliá-la e que tenham mais de dois, num total de quase cinco mil pessoas. Também espero que ela nunca tenha que ficar no nosso lugar, porque só nós sabemos o quão é frustrante segurar alguém e não ter ajuda de qualquer uma das milhares de pessoas à sua volta. Mas, além de tudo, espero que, em algum momento da sua vida, ela entenda que, não, não era problema nosso. Foi uma escolha que Mauro e eu fizemos naquele dia: escolhemos nos importar.

É mesmo uma pena que tenham sido apenas duas pessoas. Em quase cinco mil. Bem, ema, ema, ema... cada um com seu problema, certo?

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Quem é a colunista: Gisele Zwicker. Para ela, um fim de semana perfeito envolve um bom livro, um bom filme e uma ida ao teatro.

O que faz: Preparando-se para prestar o vestibular.

Pecado gastronômico: Filé de frango com arroz.

Melhor lugar do Brasil: São Paulo, Capital. Não há lugar melhor que o lar.

Fale com ela: [email protected]

Atualizado em 6 Set 2011.