Por Laerte Vargas
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Três palavras que abrem as comportas da imaginação, que nos convidam a visitar reinos inimagináveis e nos transportam para outras épocas.
A partir do jogo do faz-de-conta, vamos conduzindo a criança no aprendizado da vida e, sem ter cara de aula, ensinamos ética, cultura geral e tantas outras lições apreendidas pela via do afeto! Mas... será que eu tenho jeito pra isso?
Claro que sim! Todos nós temos um contador de histórias clamando por botar a boca no trombone. É preciso, no entanto, descobrir o seu estilo e o seu jeito muito próprio, inimitável, de contar histórias.
A maioria dos educadores pensa que é preciso uma parafernália: bonecos, panos, sonoplastia e se dispor a extrapolar limites além da sua personalidade.
Calma! Não é nada disso! Caras e bocas podem fazer a criança pensar: "mas que adulto idiota!".
Seja simples no contar, sofistique na escolha das histórias.
Vamos falar dessa tal simplicidade? Pois bem, contar histórias é, acima de tudo, compartilhar. Crie para a Hora do Conto uma organização diferente das carteiras. Se for possível encostá-las e espalhar tapetes pelo chão, melhor ainda. À criança deve ser dada a possibilidade de ouvir deitada, sentada, encostada na parede, "futucando" o nariz, da forma que lhe der na telha!
Se for impossível essa "desorganização" ou criar um canto para a contação de histórias na sala, organize as carteiras num semi-círculo - as histórias eram contadas assim nos tempos idos. A roda tem um efeito inclusivo mágico nesse momento.
Mas simplicidade quer dizer contar a história de qualquer jeito? Na-na-ni-na-não! É claro que para dar voz a uma história, você deverá ter lido várias vezes o conto, grifado com cores diferentes palavras importantes na história, brincado com as imagens que elas suscitam e feito sua viagem muito particular pelo enredo que ela tece. Nada de treinar em frente ao espelho! Isso já era e, além do mais, somos, às vezes, os piores juízes de nós mesmos!
Grave a história e deite-se numa atitude de relaxamento: nuca alongada, pernas dobradas e pés apoiados no chão, espaço entre as pernas correspondente à largura da sua bacia. Respire pausadamente, prestando atenção ao seu ritmo respiratório: expiração, pausa, inspiração, pausa, expiração. Dê um tempo para o seu corpo ir se soltando, a mente silenciando, nada de "musiquinha" de relaxamento; a idéia não é fazer você dormir e, sim, serenar a mente para receber a história.
Então, ouça a história. Procure visualizar os personagens, o local onde a história acontece e não seja tão crítico nesse momento, use a gravação apenas como condutora da sua viagem. Perceba se existem lacunas na narrativa - contação não é cinema, com corte e edição. Se a princesa está na floresta e deseja chegar ao castelo, ela terá que sair da mata, pegar a estrada, entrar no reino, cruzar a praça principal para, finalmente, ver o castelo majestoso lááááááááááááá no alto da colina. Não pule etapas. E sinta a pulsação da história: expansão, pausa, contração, pausa, expansão...
E aí? Foi bom pra você?
Conseguiu ver a "cara" dos personagens? Sentiu um frio na espinha quando a assombração perseguiu a menina pelos corredores do castelo?
Talvez aqui e ali tenha percebido que algumas palavras se repetem em demasia e seja melhor enriquecer o vocabulário das crianças com palavras novas; talvez o desenlace esteja acontecendo de um jeito súbito demais. Ótimo! Então, mãos à obra!
Não conseguiremos "engravidar as palavras de sentido" se não formos viajantes do conto.
E isso me faz lembrar um pré-requisito fundamental para um contador de histórias: uma boa dose de delírio. Pessoas muito racionais e práticas talvez venham a encontrar maior dificuldade para dar voz a uma história. Afinal, como acreditar que aquele sapo era um leão de pedra que vivera encantado durante anos na caverna do Elfo Azul e agora se transforma em príncipe frente aos olhos da Princesa Anã?
Contar histórias é imaginar o inimaginável, o conto só ganha corpo e existe quando é materializado na imaginação do ouvinte e do contador. Aí, sim, ele estará cumprindo a sua missão essencial.
Ponho uma "musiquinha" aqui nesse momento mais triste? Tocar um instrumento pode até ser, mas lembre-se sempre que a leitura que você faz do conto pode não ser a leitura que a criança faz. O ouvinte pode estar dando graças a Deus da bruxa ter acabado de vez com aquele príncipe idiota. Não imponha sua leitura, dê espaço para que a criança faça a dela. Esse é um dos nossos intuitos ao promover a Hora do Conto, lembra? Formar leitores múltiplos.
E nada de finais moralizantes, viu? A moral deve ser subliminar e o tempo para a criança digerir o conto deve ser preservado sempre.
Também nada de atividades imediatamente após a contação de histórias. A Hora do Conto, por si só, já é uma atividade repleta de conteúdos.
Se quiser desenvolver tarefas a partir das histórias contadas, deixe para o dia seguinte, permita que a criança vá pra casa jiboiando o conto e possa comentar após um tempo.
Quanto ao repertório... Bem, isso já é uma outra conversa. Todos nós sabemos que dar conta da vida profissional e pessoal já são tarefas suficientes para exaurir qualquer um, principalmente as mulheres.
Vá trabalhando seu repertório devagar, comece com as histórias contadas pelo povo à sua volta. A criança adora ouvir contos que aconteceram bem pertinho, naquela casa abandonada no final da rua e que todo mundo evita passar em noite de lua cheia. O imaginário popular está pipocando com lendas desse tipo que são, além de tudo, um excelente antídoto para os temores infantis. Alguns educadores e pais acham que as histórias de almas penadas podem tornar a criança insegura e temerosa, mas o resultado é exatamente o oposto! Os causos de assombração levam as crianças a vencerem seus medos internos com mais facilidade, pois tudo se dá no plano do era uma vez.
Uma estratégia simples e sedutora para diversificar o repertório contado em sala de aula é criar uma rede entre os educadores que atuam na escola: cada um trabalha duas a três histórias por semestre e depois se revezam visitando as turmas dos colegas.
E sempre contar histórias populares, claro! Não é à toa que esse material oriundo da literatura oral se preserva até hoje. Ele fala, numa linguagem metafórica, dos percalços e embates que a criança viverá na idade adulta.
Bocas à obra? Mas não se esqueçam de me contar os resultados. Como bom contador de histórias, adoro ouvi-las também!
Quem é o colunista: Laerte Vargas é carioca e apaixonado por cultura popular.
O que faz: Atua como terapeuta corporal, contador de histórias e facilitador de oficinas.
Pecado gastronômico: Lasanha aos quatro queijos.
Melhor lugar do Brasil: Parati - RJ
Fale com ele: Spaço dos Contos (21) 2262 0035 ou [email protected]
Atualizado em 6 Set 2011.