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Saber como agir na hora da crise é um dilema para muitos pais. |
Imagine a cena: você está no supermercado, fazendo as compras da semana. Junto está seu filho, que caminha todo esperançoso pelos corredores, querendo descobrir algo bem apetitoso, mas nada saudável, para levar. Claro que ele encontra e mais claro ainda que você se recusa a levar aquela porcaria. Pronto, é o que basta para o pequeno abrir o berreiro no volume máximo e começar aquele teatrinho que todo pai odeia, de se jogar no chão até conseguir o que quer. O que fazer nessa hora? De acordo com uma pesquisa divulgada em fevereiro deste ano pela Fundação Perseu Abramo, de São Paulo, 75% das mulheres e 59% dos homens acham que dar uns tapas no filho de vez em quando é necessário para educá-lo.
Essa opinião, a favor dos tapinhas, prevalece mesmo após a divulgação do Projeto de Lei nº 2.654/2003, proposto pela deputada Maria do Rosário (RS), que ficou conhecido como aquele que proíbe a palmada. Ele altera dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente e impede que pessoas dessa faixa etária sejam submetidas a qualquer forma de punição corporal. Acusados de dar palmadas e puxões de orelhas serão encaminhados para tratamento e orientação em programas de proteção à família. Já os casos de violência imoderada, como espancamentos, estupros, maus-tratos e abandono, continuarão sendo punidos mais severamente, conforme o modelo atual.
O pediatra Lauro Monteiro, editor do site Observatório da Infância, não concorda com a criação da lei, por acreditar que ela não vai resolver o problema cultural de que bater educa. "O bom é que este projeto de lei ajudou a levantar a discussão do tema, mas penso que é utópico, pois não tem como fiscalizar", ele opina. Para o médico, mais importante do que criar uma punição severa é educar, tanto pais como crianças, sobre como bater não resolve. "Se pensarmos que antigamente existiam castigos como a palmatória ou botar o garoto ajoelhado no milho, vemos que o pensamento da sociedade mudou. Acredito que isso um dia irá acontecer com a palmada 'educativa'".
Vale ou não usar?
Na opinião da pedagoga e especialista em educação infantil Gilda Rizzo, o uso da palmada até funciona para controlar os pequenos, mas de forma negativa, pois, apesar de conseguir interromper o comportamento indesejado, isso ocorre pelo medo. "A criança precisa entender o por que tem que parar, para ela própria optar pelo comportamento adequado e de forma voluntária", explica ela. "Para mim, a 'educação' do bater precisa ser totalmente cortada".
A especialista conta que a formação do raciocínio crítico da criança começa quando o adulto impede que o pequeno faça atividades inadequadas, como arrancar o brinquedo do outro ou pintar as paredes com caneta, sempre esclarecendo o motivo. Gilda afirma que essa explicação é essencial, pois a criança criada na base da pancada aprende a não demonstrar o que quer para não apanhar. "Ou seja: não é que ela aprendeu o que é certo, apenas não faz arte na frente daquele adulto, especificamente, para não apanhar".
Segundo Gilda, a palmada cria uma dependência moral da criança, que levará este comportamento pelo resto da vida, fazendo com que a pessoa faça tudo escondido. "A construção do conceito de certo e errado deve ser baseada no respeito, com o adulto ajudando-a a entender que não deve repetir aquela ação, pois existem consequências". E nada de primeiro deixar a criança fazer besteiras para depois dar palmada: "Os pequenos não têm juízo de valor, de quanto custa uma cadeira ou um laptop, por exemplo. Então, é preciso estabelecer limites antes de bater".
Os dois lados
Mas entre a opinião dos especialistas e a realidade dos pais existe um abismo de diferença. Uma das adeptas da palmada é a executiva de vendas Cristiana Alesandra Gimenes Lopes que, ao lado do marido, o gerente de loja Paulo Sérgio, acha que uns tapinhas de vez em quando resolvem, sim, pois é um jeito da criança respeitar quando faz alguma arte. "Claro que não pode espancar, longe disso, mas acho que a palmada pode ser educativa, principalmente se for dada na hora certa". O casal tem duas filhas, Gabriela, de 12 anos, e Lyvia, de sete. Ela conta que, pelo menos no caso da menor, que é mais arteira, um simples castigo não resolve. "Só dando umas belas palmadinhas no bumbum mesmo".
Nessa mesma pesquisa do Instituto Perseu Abramo, quando questionados se já haviam batido no filho, 15% das mulheres e 42% dos homens responderam que nunca deram nenhum tapa. Desse grupo fazem parte a arquiteta Luciana G. Nóbrega Sena e o marido, o engenheiro Hudson. Ambos preferem utilizar a tática do carinho e diálogo quando a filha Lorena, de um ano e oito meses, faz algo errado. Até hoje, a menina nunca levou uma palmada dos pais, pois eles não acreditam que resolva. "Minha criação foi baseada em palmadas e esse tipo de 'educação' só resultou em uma grande distância no relacionamento com meus pais", conta Luciana.
Para controlar a pequena Lorena nos momentos de crise, a arquiteta prefere se expressar de maneira mais enérgica, mostrando que a menina não deve ter determinada atitude. "Na maioria das vezes tenho que insistir, pois ela é teimosa, mas sabe que tem que parar. Mesmo assim, prefiro falar várias vezes a ter que usar violência". Nessas horas, tanto Luciana quanto Hudson acreditam que um "castigo leve", como colocar Lorena no berço quando ela está teimando, ajuda.
Autocontrole é fundamental
Dr. Lauro concorda com este último grupo e acredita que, de forma alguma, deve-se usar força física com a criança, até pelas diferenças de estatura. "Normalmente, o local mais atingido pela brutalidade dos adultos é a cabeça, porque fica bem ao alcance das mãos". Ele conta que nos Estados Unidos também existe uma lei para colocar limites nos pais, que até permite que se bata na criança, mas com algumas regras: apenas após um ano de idade, sempre nas nádegas e somente com a mão aberta, pois fechada é um soco, algo proibido. Também não pode deixar marcas. "Acho que o corpo da criança não foi feito para ser dividido em locais que podem ou não apanhar. Simplesmente não tem que bater", atesta o pediatra.
Por isso, na próxima vez que o pequeno der chilique e se jogar no chão do supermercado, para não recorrer ao tapa, o melhor a fazer, segundo os dois especialistas, é respirar fundo, controlar a raiva e tentar mostrar para a criança por que não vai levar aquele doce dessa vez, seja pela qualidade ou pelo preço. Só assim ele vai aprender, de forma voluntária, a se alimentar na hora certa - e ainda vai respeitar melhor as decisões da mãe.
Atualizado em 19 Nov 2012.