T. S. Spivet tem apenas 10 anos, mas já tem faro de cientista e enxerga o mundo por uma cortina de regras e equações matemáticas. A cada passo que dá, novos ângulos se formam e se equilibram em cálculos exatos – previsíveis, confiáveis e muito mais fáceis de compreender do que a morte de seu irmão gêmeo.
Em “Uma Viagem Extraordinária”, novo filme de Jean-Pierre Jeunet (diretor mais conhecido no Brasil por “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”), são as dolorosas entrelinhas que guiam a jornada do jovem herói. Neste drama que em quase nada lembra o otimismo de Amélie, são as palavras não ditas que empurram a criança para a estrada.
A tristeza avassaladora da situação é diluída pela delicadeza característica do diretor e pela leveza do olhar infantil, conduzido pelo talentoso ator mirim Kyle Catlett. Entre lencinhos molhados e maquiagens borradas, há espaço para risadas sinceras e para a contemplação dos cenários cuidadosamente pincelados de tons pastéis e contrastes vibrantes.
T.S. abandona a casa dos pais numa região rural dos EUA para cruzar o país até Washington, onde deve receber um importante prêmio científico. Ele sai com uma mala pesada demais para seu tamanho e pega carona num trailer, estacionado sobre o vagão de um trem. No caminho, conhece um morador de rua (Dominique Pinon, que trabalhou em todos os sete longas dirigidos por Jeunet até agora), uma vendedora de cachorro-quente, um caminhoneiro e uma assessora que enxerga no garoto gênio uma mina de ouro.
“Como as pessoas conseguem construir tantos ângulos retos se seu comportamento é tão obtuso?”, impressiona-se T.S. diante dos arranha-céus na cidade grande. Ele sabe bem que a matemática é apenas um olhar organizado e artificial sobre o caos que rege a vida humana. Sua vida, em especial: com seu pai caubói (Callum Keith Rennie), sua mãe bióloga (Helena Bonham Carter), sua irmã aspirante a Miss (Niamh Wilson)... E sem seu irmão (Jakob Davies), que era o favorito do pai e morrera diante de seus olhos. Talvez por culpa sua.
“Uma Viagem Extraordinária” é uma história infantil, mas com uma sensibilidade rara. Os estereótipos estão ali, o exagero e a forma lúdica de narrar também, mas o significado não tem nada de simples e não há bem nem mal; não há vilões. É a história de uma família contra si mesma, e de um menino contra uma realidade irreversível.
Assista se você:
- Gosta de filmes franceses
- Gostou dos outros filmes de Jean-Pierre Jeunet
- Quer ver um filme bonito, delicado e denso
Não assista se você:
- Não quer ver um filme que faça chorar
- Não gostou dos outros filmes de Jeunet
- Não gosta de filmes europeus
Por Juliana Varella
Atualizado em 5 Nov 2014.