Apollo Justice: Ace Attorney Trilogy monta um caso sólido a favor das visual novels de advocacia e prova porque a saga de oratória jurídica da Capcom é a primeira referência a vir em nossas cabeças.
Tendo tribunais como palco central, esta trilogia revive em alta definição títulos originários de portáteis capazes de, ao mesmo tempo, costurar diversão com momentos investigativos que exigem atenção a detalhes de quem está jogando.
Qual seria o veredito, em pleno 2024, para Apollo Justice: Ace Attorney (Nintendo DS, 2008), Phoenix Wright: Ace Attorney: Dual Destinies (Nintendo 3DS, 2014) e Phoenix Wright: Ace Attorney: Spirit of Justice (Nintendo 3DS, 2016)?
A corte está em sessão nesta resenha do Pizza Fria!
Direito hereditário
Que a franquia Ace Attorney é um sucesso descomunal para um tipo muito específico de jogo, ninguém duvida. Uma vez que novos jogadores sempre surgem, parte da questão é definir um ponto de entrada em franquias tão estabelecidas.
A Capcom, sabendo disso, compilou suas “obras” jurídicas em belas coleções remasterizadas: Phoenix Wright: Ace Attorney Trilogy (2019) contém os primeiros casos do célebre advogado; The Great Ace Attorney Chronicles (2021) reúne dois jogos protagonizados por um antepassado de Wright que viaja para aprender Direito na Inglaterra vitoriana (análise); e, agora, Apollo Justice: Ace Attorney Trilogy agrupa os três últimos títulos da linha principal.
Meu contato com a série remonta à época dos jogos de Nintendo DS e 3DS –exceto aqueles de The Great Ace Attorney Chronicles– e me sinto confortável em dizer que qualquer uma dessas coletâneas servem ponto de partida para novos curiosos.
Dito isto, vale ressaltar que a jogabilidade quase não mudou – fora algumas opções de acessibilidade e do log de conversas, a essência de cada título é a mesma, sem tirar nem pôr. Uma opção é ver a história se desenrolar sem interferências de jogadores com o novo “Modo História”.
16 casos e uma sentença: inocentar seus clientes
Para ser mais específico, Apollo Justice: Ace Attorney começa seu arco com um novo advogado, o promissor Apollo Justice. É por isso que o primeiro jogo do pacote Apollo Justice: Ace Attorney Trilogy leva o seu nome.
Por falar em nomes, os personagens sempre me arrancam um riso perdido, pois são muito curiosos. Já não bastasse a obviedade propositalmente quase disléxica de Herlock Sholmes, desta vez temos o literal sobrenome de “Justiça” e, mais sutil, Apolo (em bom português com uma letra L só) é considerado o deus da verdade e do Sol.
Esta trama se passa sete anos após o jogo final da primeira trilogia, Phoenix Wright: Ace Attorney – Trials and Tribulations, colocando Apollo no papel de aprendiz de Phoenix Wright, que perdeu sua licença de advogado.
O objetivo é conseguir que clientes sejam declarados inocentes e, para isso, devemos investigar os casos e interrogar as testemunhas. Isso é feito com muita leitura minuciosa dos depoimentos, assim como idas e vindas ao inventário de evidências, tudo para cruzar as informações e assim deflagrar inconsistências das testemunhas, especialmente quando elas se contradizem.
Além de apresentar provas, como é costumeiro na série, Apollo Justice: Ace Attorney Trilogy tem o sistema de “percepção”, no qual devemos ficar atentos a reflexos involuntários das testemunhas, aqueles sinais que entregam um blefe no pôquer– afinal, o jogo de caras é o tema do principal caso.
Aliás, aprendemos uma mecânica nova no decorrer de cada um dos quatro episódios (ou deveria dizer “julgamentos”?). À medida que nos aprofundamos na história, aprendemos a pressionar testemunhas, a analisar digitais, a mixar som e a usar máquinas de raios X.
Como? Tomando o tempo necessário para analisar tudo que nos é oferecido e assim colocar nossa intuição a serviço da justiça.
Os visuais seguem a estética puramente anime em 2D dos originais, desta vez incríveis em alta definição. As ilustrações brilham por si só, enquanto as animações são escassas, porém carregam o entusiasmo capaz de reforças as ações e sentimentos dos personagens.
Por exemplo, o pleito de abertura “Turnabout Trump” tem um assassinato ao redor de uma mesa de pôquer clandestina no esconderijo de um restaurante russo. Tanto o advogado de defesa quanto o promotor suam, se exaltam, fazem caras e bocas enquanto confrontam versões sobre o motivo ser a derrota no jogo. Até as gafes do juiz e os tiques das testemunhas são as melhores dicas para entender se alguém trapaceou com cartas na manga. Será?
A simplicidade extrema da jogabilidade absorve a pessoa no controle, na tomada de decisões, e basta atenção para seguir adiante. Já os temas musicais mudam de acordo com a tensão ou com a inércia do momento, criando uma camada a mais para contar uma boa história.
Este é um dos jogos Ace Attorney favoritos. Para não iniciados, certamente não se trata de um simulador de tribunais e a massa de toda essa loucura e surrealismo ganha corpo com uma escrita excelente que dá vida a Apollo, Kristoph Gavin, Phoenix Wright e Trucy, filha de Wright.
Seguindo adiante, as outras duas evidências a favor do caso desta trilogia são Phoenix Wright: Ace Attorney – Dual Destinies e Phoenix Wright: Ace Attorney – Spirit of Justice.
Em ambas as ocasiões, Apollo Justice faz parte de um time maior e, por isso, temos o controle do elenco inteiro, como o próprio Phoenix Wright ou sua colega Athena Cykes, uma advogada psicóloga que adiciona suas próprias nuances jogáveis à mistura.
Após a transição de DS para 3DS, a saga optou por uma renovação completa em termos visuais, transformando suas sequências em jogos totalmente tridimensionais. Embora recriem poses e até expressões faciais, a reformulação gráfica também confere uma aparência muito mais moderna e dinâmica, sem alterar jogabilidade nem desenvolvimento.
Não se engane: no geral, continuamos com uma estrutura de visual novel policialesca, escutando os depoimentos das testemunhas atentamente. Tudo com o objetivo de trazer à tona as incoerências em suas falas, auxiliados pelas provas obtidas conforme o caso avança.
A investigação viaja até as cenas dos crimes, nas quais as evidências forenses contradizem mapas ou fotos.
Dual Destinies é o capítulo mais fraco, marcando um momento que os criadores pareciam empacados com novas ideias. Os casos variam muito em uma jornada que segue com risco de ficar repetitiva. Talvez fosse um pouco de fadiga minha, fora o fato de conhecer o enredo, mas ainda assim o título não gasta seu réu primário. Dual Destinies é um bom Ace Attorney e é isso.
Sem sombra de dúvidas, Spirit of Justice é o mais único dos três: uma homenagem às origens da série sem esquecer da evolução. Desta forma, inova ao ter regras e leis próprias, um refresco no meio de quase uma centena de horas (!).
Injuria repetita
Nos consoles portáteis da Nintendo, a interação com a tela de toque aproximava jogadores da experiência, assim como gritar “Objection” ao microfone. Claramente isso se perdeu na adaptação para as várias plataformas e tudo bem.
Contudo, naquela época, Ace Attorney ficou cada vez mais popular graças à excelente localização ao inglês, promovendo a palavra de Phoenix Wright mundo a fora.
Eu disse “inglês”, mas não “português”. Infelizmente, no “Dicionário de Juridiquês Imaginário para Análise de Jogos”, o termo latinesco “injuria repetita” equivale a “crime reiterado”, pois não temos vestígios de tradução brasileira.
Fosse outro estilo, eu implicaria menos. Mas ao ser uma visual novel, um formato cujos diálogos são fundamentais para compreensão e imersão de jogadores, preciso deixar a represália. E a Capcom tem o agravante de localizar muitos de seus títulos com qualidade excepcional no Brasil. Por que o desprestígio desta vez justo com Apollo Justice: Ace Attorney Trilogy?
Vale a pena jogar Apollo Justice: Ace Attorney Trilogy?
A associação entre escrita excelente e elenco carismático cria um júri simulado surreal numa daquelas experiências que somente videogames podem oferecer. E haja escrita: jogar tudo requer pelo menos uma centena de horas. Os menus oferecem a escolha separada de episódios para quem já jogou reviver um caso específico. Além de todo o conteúdo adicional, esta trilogia inclui ainda algumas novidades. Entre elas, o “modo história”, que permite assistir ao jogo completo sem interferências, e conteúdo especial, que inclui galera de arte, estúdio de animação e sala de orquestra.
Apesar de sua jogabilidade muitas vezes “manjada”, são nos intervalos que ganhamos controle que a agência do jogador brilha e parece desatar nós na busca pela resolução dos casos. Aliás, resolver casos parece mais um inquérito policial que um tribunal penal propriamente dito… Ainda que o ritmo possa se tornar repetitivo e a coleção falte com a localização (um grave anacronismo) Apollo Justice: Ace Attorney Trilogy traz três jogos da celebrada série em ilustrações de alta definição e gráficos tridimensionais nos jogos mais recentes.
Assim, o veredito é simples: Apollo Justice: Ace Attorney Trilogy é a melhor representação de seu gênero, com destaque especial para Apollo Justice e Spirit of Justice.
Apollo Justice: Ace Attorney Trilogy já está disponível para Nintendo Switch, Xbox One (compatível com Xbox Series X|S e Play Anywhere), PlayStation 4 (compatível com PlayStation 5) e computador, via Steam e Windows.
*Review elaborada no Xbox Series S, com código fornecido pela Capcom.
Pizza Fria
Reviews, notícias e tudo sobre o mundo dos gamesPor Carlos Maestre, Pizza Fria
Atualizado em 20 Fev 2024.