Os livros sempre foram inimigos da guerra. Adquirir conhecimento, em inúmeros momentos da história da humanidade, era sinônimo de subversão e perturbação em detrimento à ordem estabelecida, irritando profundamente os detentores do poder.
Foi assim na destruição das bibliotecas de Constantinopla em 1204 pela Quarta Cruzada, a de Kioto no Japão no século XV, o Ìndex Librorum Proibitorum do Papa Paulo IV, que listava os livros proibidos aos fiéis sob pena de excomunhão, ou os bombardeios russos que destruíram mil bibliotecas e 11 milhões de livros em Grozny, na Chechénia, bem como aos que dizimaram a Biblioteca Nacional de Madri durante a guerra civil, e sem esquecer dos livros queimados pela Revolução Cultural na China e de quando, no ano de 1933, em frente à Universidade de Humboldt de Berlim, o regime nazista queimou 20 mil livros escritos por "degenerados" e oponentes ao regime.
Como não poderia deixar de ser, o cinema retratou alguns desses episódios em filmes como O Nome da Rosa (foto), dirigido por Jean-Jacques Annaud, adaptado do romance de mesmo nome do escritor italiano Umberto Eco, que gira em torno das investigações de uma série de crimes misteriosos, cometidos dentro de um monastério medieval, na qual as causas dos crimes estavam ligadas à manutenção de uma biblioteca que mantinha em segredo obras que não seriam aceitas em consenso pela igreja cristã da Idade Média.
Em Balzac e a Costureirinha Chinesa, o autor do romance de mesmo nome e também diretor do filme homônimo, o chinês Dai Sijie, retratou a vida na China durante a revolução de 68, quando o líder chinês Mao Tse-Tung mudou radicalmente a vida do país sob a opressão do Exército Vermelho com a instauração da Revolução Cultural, que, entre outras medidas, expurgava das bibliotecas obras consideradas símbolos da decadência ocidental, numa época em que as universidades foram fechadas e os jovens intelectuais eram enviados para o campo para serem reeducados por camponeses pobres.
Já o ator, diretor e crítico cinematográfico François Truffaut dirigiu em 1966 a adaptação do romance de Ray Bradbury, intitulado Fahrenheit 451 (foto), em que num futuro recente os livros e toda a forma de escrita são proibidos por um regime totalitário e se alguém é flagrado lendo é preso e "reeducado" ou então, se numa casa são encontrados livros e alguém denuncia, "os bombeiros" são chamados para incendiá-la. Guy Montag, vivido por Oskar Werner, é um desses bombeiros. Desestimulado pelo modo de vida que leva junto à sua esposa Linda, interpretada por Julie Christie, uma mulher supérflua, que tem seu mundo fundamentado por programas televisivos ou em conversas fúteis com as vizinhas, conhece Clarisse, também interpretada pela própria Julie, que o incentiva a ler transformando radicalmente sua vida. Denunciado por Linda, é perseguido e posteriormente encontra exílio na terra dos homens-livro, uma comunidade formada por pessoas que decoravam os livros e os destruíam para publicá-los quando não fossem mais proibidos e cada qual trocava seu nome pelo título do livro escolhido.
Da Idade Média inquisitória, passando pelo Maonísmo repressor e Fahrenheit 451, algumas palavras nos soam extremamente familiares dentre as quais figuram: regime totalitário, reeducação e inquisição, como parte intrisicamente ligada de uma história que teima em se repetir por meio da opressão e do controle moral e político que se utilizaram as ditaduras surgidas na Europa ao final da Primeira Guerra Mundial e na América Latina nos anos que compreendem a Guerra Fria e bem antes a favor da Igreja Católica.
Talvez a censura aos livros nos tempos atuais não tenha grande importância, e certamente não sejam eles os maiores inimigos da guerra, como insistem em nos mostrar determinados chefes de nações, que com sua arrogância e prepotência continuam a impor suas vontades absurdas a favor dos seus, repreendendo toda e qualquer manifestação contrária.
Contudo, embora os tempos sejam outros, nunca é demais reler o livro preferido esquecido dentro de uma gaveta ou empoeirado no fundo da estande, pois será dificil prever quando seremos novamente privados de lê-los.
Fotos: Divulgação / www.sxc.hu
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Quem é o colunista: Pedro Giaquinto, 31, formado em artes cênicas e letras. Seu maior objetivo no momento é conseguir financiamento para seu curta-metragem Roda, Vida Gigante.
O que faz: É produtor e escreve críticas sobre filmes em outros sites.
Pecado gastronômico: massas em geral.
Melhor lugar do Brasil: São Paulo no feriado.
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Atualizado em 10 Abr 2012.