Prepare-se para um programa diferente, indicado para todas as idades e que pode ser feito a qualquer momento do ano, independentemente da estação. Econômico, é possível de ser percorrido a pé, dispensando até entradas em museus e outros estabelecimentos, se houver. Nesse passeio especial, o barato é estar nos cenários descritos em grandes obras da literatura brasileira, e fazer uso dos livros como mapas para explorar as capitais brasileiras.
Primeiro, escolha uma obra da literatura cujo cenário seja sua cidade. Há várias, e a diversão é essa, dar chance ao leitor-viajante escolher pelo estilo, gênero e época mais próximos ao seu gosto, de romances policiais, poesias modernistas ou narrativas contemporâneas.
Para começar a brincadeira, damos uma mão e apresentamos trechos e cenários de seis capitais sobre o olhar de seus escritores. À medida que avançar nas páginas, um monte de referências e construções, parques e todo o tipo de estabelecimento vão saltar aos olhos. Anote tudo numa lista e consulte aqui, no Guia da Semana, e em outras publicações. Antes, certifique-se que os locais ainda existem e não mudaram seus nomes, aproveitando para saber mais dos destinos escolhidos.
Tudo pronto? Agora é trilhar por páginas e ruas, imaginar os personagens ali, no momento de ação, sobrepondo histórias e fantasias com o instante concreto à vista, podendo, inclusive, ajustar passagens literárias a certos locais. Da beira do Guaíba aos corredores do Palácio do Catete, um mundo de sensações e ideias irão passar na sua cabeça. Sente, observe, escreva, fotografe, desfrute.
O dia que o cão morreu - Porto Alegre
O romance de estreia de Daniel Galera, lançado em 2003, fala sobre a vida de um jovem em Porto Alegre que tem sua rotina alterada pela chegada de um cachorro e da bela Marcela.
Usina do Gasômetro
A vista da janela é exatamente a mesma daquele apartamento, com a água cinzenta do Guaíba, a chaminé da Usina, as ilhas e os prédios.
A chaminé em questão é da Usina do Gasômetro, antiga fábrica de gás da cidade e atual centro cultural, que encerra a orla do Guaíba (conhecido por muitos como rio, mas que, na verdade, é um lago). A medida em que a história avança, outros pontos da cidade, como o Viaduto Borges de Medeiros e as ruas do bairro Cidade Baixa, entram no universo desse protagonista sem nome.
Paulicéia Desvairada - São Paulo
Apesar de Brás, Bexiga e Barra Funda, do escritor Alcantara Machado, ser umas das obras mais conhecidas por retratar os pontos tradicionais da cidade, foi Mario de Andrade e seu Paulicéia Desvairada que mostraram todas as contradições e possibilidades da capital paulista. No poema Lira Paulistana, ele explica sua ligação umbilical com cidade.
Centro de São Paulo
Na rua Aurora eu nasci
Na aurora da minha vida
E numa aurora cresci
No largo do Paissandu
Sonhei, foi luta renhida,
Fiquei pobre e me vi nu.
Abandonado e em eterno processo de revitalização, o centro de São Paulo é um dos lugares mais ricos no país em pontos turísticos e coisas para se fazer. Pela Rua Aurora alcança-se uma das praças mais bonitas da cidade, o Largo do Arouche, que conta com dois importantes restaurantes, O Gato que Ri e Le Cassarole, e a balada GLS Cantho. De lá, é só seguir pela Avenida São João, passar pelo Bar Brahma ao cruzar com a Avenida Ipiranga para chegar ao Largo do Paissandu. Difícil escolher o que fazer primeiro: ver as exposições e filmes da Galeria Olido, conhecer a Igreja Nossa Senhora do Rosário, se deliciar com o Bauru do Ponto Chic, bater perna na Galeria do Rock ou simplesmente curtir o clima dessa Babilônia tropical.
Hilda Furacão - Belo Horizonte
Nascido em Ferros, interior de Minas Gerais, Roberto Drummond era um adolescente quando foi morar na capital. Trabalhou como repórter no extinto jornal Folha de Minas, quando conheceu todo o tipo de gente, servindo de inspiração para o seu mais famoso romance, uma mistura de memória, ficção e realidade.
Igreja de São José
Quando fui estudar no Arnaldo (...) fui morar na mitológicaRua da Bahia. Morava em frente à Biblioteca Municipal , ao lado do célebreGrande Hotel, e em cuja ponta, um dia, trêmulo de emoção, espero peloromancista Jorge Amado para pedir um autógrafo.
A Rua da Bahia concentrou e continua a concentrar boa parte da vida cultural e política de BH. O Grande Hotel já não existe mais, dando espaço para o Edifício Maletta, ponto de encontro da boemia, com a Cantina do Lucas, e um pouco acima, o La Greppia. No mesmo quarteirão, o Museu Inimá de Paula é porto seguro para ver boas exposições e pesquisar no acervo de arte brasileira. E na Rua dos Tupis, ali perto, a Igreja de São José, poderia ter ser o altar onde o padre Malthus enfrentou a tentação em forma de mulhar chamada Hilda Furacão.
O Vampiro de Curitiba - Curitiba
Mesmo com o crescimento e desenvolvimento, Curitiba ainda é considerada uma capital calma e bucólica, principalmente por conta de seu povo, de hábito ordeiro e pacato, e o verde que se espalha por bosques e parques. Imagine então na década de 70, quando o livro foi lançado e trazia o personagem Nelsinho, que tinha uma estranha fixação pelas mulheres.
Ruínas de São Francisco
Olhe as filhas da cidade, como elas crescem: não trabalham nem fiam, bem que estão gordinhas. Essa é uma das lascivas que gostam de se coçar. Ouça o risco da unha na meia de seda. Que me arranhasse o corpo inteiro, vertendo sangue do peito. Aqui jaz Nelsinho, o que se finou de ataque. Gênio do espelho, existe em Curitiba alguém mais aflito que eu?
O livro tornou a cidade internacionalmente famosa pela escrita de Dalton Trevisan, concisa e direta. Não há locais descritos na obra, mas com certeza, as Ruínas de São Francisco e o Parque Barigui, cravados na cidade, seriam locais ideais para Nelsinho fazer suas vítimas.
Agosto - Rio de Janeiro
Cantado em prosa e verso desde que os primeiros portugueses aqui chegaram, é até difícil escolher um único livro que traga a Cidade Maravilhosa como cenário. No entanto, Rubem Fonseca foi feliz ao pegar a figura de Gregório Fortunato e juntar com o ficcional detetive Mattos, juntando neste livro a cultura do subúrbio com o clima da zona sul num belo enredo que conta o suicidio de Getúlio Vargas.
Hipódromo da Gávea
Às três da tarde o Chefe do Gabinete Militar da Presidência, General Caiado de Castro, chegou ao Palácio do Catete.(...) Gregório deu instruções aos batedores da Polícia Especial, fez um gesto para Dornelles de que a comitiva podia partir.(...) Precedida pelas motocicletas dos batedores de boné vermelho, a comitiva saiu pelos portões da rua do Catete, em direção ao Hipódromo da Gávea.
Uma das construções de maior beleza da cidade, o Palácio do Catete conta as histórias do Império e da República brasileiros, mantendo intacto e aberto à visitação o quarto onde Vargas se matou. O trajeto sugerido é um dos mais belos da cidade, passando pelas praias do Flamengo e de Botafogo, Casa de Ruy Barbosa, Parque Lage e Jardim Botânico até chegar ao Jockey Club, colado com a Lagoa Rodrigo de Freitas.
Poesia Completa - Recife
Em 1930, Manuel Bandeira, que junto com Mario e Oswald de Andrade já tinha causado rebuliço com a Semana de Arte Moderna, oito anos antes, lança Libertinagem, seu primeiro livro. Cotidiano, amores, lembranças compõem a natureza da obra, e em Evocação ao Recife Antigo, o poeta já adiantaria as mudanças por quais sua cidade natal viria a passar.
Ponte Maurício de Nassau
Rua da União...
Como eram lindos os nomes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
...onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
...onde se ia pescar escondido
Capiberibe
- Capiberibe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Esta poesia de Bandeira com certeza contribuiu para imortalizar as memórias do poeta e da cidade, concentradas no seu núcleo de fundação, o bairro Recife Antigo. Comece admirando o forte azul da Assembléia Legislativa na rua da União e pegue uma perpendicular para alcançar a rua da Aurora e conhecer o Ginásio Pernambuco, fundado em 1825 e até hoje em funcionamento. Dali, atravessar a Ponte Duarte Coelho sobre o rio Capiberibe e se encantar com o Teatro Santa Isabel, na rua do Sol com Praça da Bandeira. Mais alguns passos a ponte Maurício de Nassau cruza o braço do rio Beberibe.
Atualizado em 6 Set 2011.