Guia da Semana



VICIANTE

"As cinzas que nunca somem
o pó de tudo que se desfaz
se reproduz
e voa
tudo que voa
e chega e some
e continua...
cinza que é preto com branco
que retorna e se une e renasce".


Em meados do ano passado, recebi o EP de um tal grupo chamado O Quarto das Cinzas. Apesar de ter sido recomendado por alguns amigos "confiáveis" juro, pelo nome estranho achei que fosse mais um daqueles grupos de rock choroso que estavam começando a pipocar pela cena.

Mas a minha má expectativa acabou assim que apertei o play: algumas faixas de A Chave não saíram do meu iPod por alguns meses seguidos. A música envolvente, hora eletrônica dançante, ora melancólica era boa demais de se ouvir! Ah sim, o nome (e a essência) da banda é explicado nos versos acima e é sempre declamado nos shows.

Como consta no release, o som do Quarto é difícil de explicar porque incorpora vários estilos musicais diferentes. Eu diria que é um trip-hop (um tipo de música eletrônica assim mais ´água com açúcar´, pra resumir rapidinho) com MPB. Escrevendo assim, nenhuma novidade. Acho que você já leu (e ouviu) isso em algum lugar, não?

Pois é, foi no palco que a banda ganhou meu ´adoooro´ definitivo. Sob os holofotes, as faixas de A Chave ganham ainda mais graça. Circulares tem o charme da guitarra à la Postishead. A etérea Flora Pura faz sonhar. Anoiteço e principalmente Incontrolável fazem todo mundo se mexer horrores. E finalmente Viciante, disparado a minha favorita (não tem como não ficar cantando o refrão por uns dias).

O outro diferencial do Quarto vem principalmente dos elementos cênicos e da poesia. Poesia que sai pelos poros da bela vocalista (e atriz) Laya Lopes enquanto dança, canta e encanta a platéia. Laya, aliás, vem de uma família de artistas: "Minha mãe, Cristina Francescutti, era cantora e foi minha primeira inspiração. Escuto desde priscas eras, cresci ouvindo e vendo-a cantar com meu pai que também é meu mestre musical, dormi em redes armadas embaixo de palcos, dancei em shows deles com 6, 7, 8 anos de idade...". Como outras influências na hora de cantar, ela cita "a intrigante Elis Regina, que resisti por algum tempo, achava-a meio exagerada, não gostava muito do timbre da voz, mas depois que a conheci melhor reconheci sua grandeza e intensidade, me apaixonei".

Ela também lembra dos Doces Bárbaros (Gil, Caetano, Betânia e Gal) e de Clara Nunes e "seus cantos de sereia" (e aqui eu abro um parêntese, porque até o figurino da Laya tem um quê de Clara Nunes, com vestidões brancos e flores no cabelo). Das cantoras contemporâneas, ela cita "uma rainha chamada Bjork", Lauryn Hill e Emillie Simon.

O Quarto das Cinzas existe desde 2003 e começou em Fortaleza. Laya conheceu Carlos Gadelha (guitarrista) durante o espetáculo Bagaceira, a Dança dos Orixás, onde ela dançava e ele fazia a trilha musical com seu grupo da época, o Unit. Lançaram no mesmo ano um CD demonstrativo produzido por David Brasileiro, antigo integrante e um dos fundadores do Quarto. Desde então, a banda teve várias formações, até a mudança definitiva para São Paulo, quando o baixista Raphael Haluli se uniu à trupe. Sobre trocar o sol do nordeste pela "Terra da Garoa", Laya comenta: "Pra mim Sampa é como uma ponte. Fomos percebendo que precisávamos vir atrás do nosso sonho, o músico tem essa missão mesmo né? De mensageiro, de andante. Fortaleza é uma cidade linda, adoramos nossa terra, fazemos muitos bons shows lá, mas pra expandir nosso trabalho percebemos que São Paulo é uma boa opção".

A banda está gravando o primeiro álbum."Ele ta recebendo muita dedicação nossa, muito amor e esperança. Reúne músicas do CD demonstrativo, do EP e algumas novas", diz Laya. Nesse meio tempo, o Quarto não pára com os shows e se prepara para a primeira investida no exterior agora em março, durante o festival SXSW (South by Southwest), considerado pela crítica especializada como "a grande vitrine para novas bandas"."Estamos nos preparando pra essa viagem ao Texas, pensando em tocar uma ou duas músicas lá com versões das letras em inglês, e espero estar bem concentrada e fortalecida pra levar junto com a música boas sensações e sentimentos pra quem puder nos ver, mostrar a nova música brasileira", diz Laya, que termina nosso papo online no melhor "estilo O Quarto das Cinzas": com "um beijo de flor pra ti".

Para ouvir e saber mais:
Trama Virtual
Myspace

Show no idch - 07 de março
www.idch.art.br

Quem é o colunista: Miss Má é jornalista formada em 98 pela Metodista de SBC.
O que faz: É professora de educação infantil, e dj e produtora (e agora colunista) nas horas vagas. Comanda o projeto quinzenal "Rockload", as terças-feiras no Studio SP.
Pecado gastronômico: batata frita e pizza (não juntos necessariamente!)
Melhor lugar do Brasil: Sampa. Sempre Sampa.

Atualizado em 6 Set 2011.