A Martello Tower, onde se passa a primeira cena da revolucionária obra de Joyce
Stephen Dedalus e Leopoldo Bloom não poderiam imaginar que 16 de junho de 1904, um dia como outro qualquer, pudesse ganhar tanta importância para além das suas 24 horas, motivando, a cada ano, uma série de saraus, debates, mostras de filmes e leituras dramatizadas. E, principalmente, brindes, muitos brindes, em pubs e bares nas mais diversas partes do mundo, incluindo cidades brasileiras. Se você ainda não sabe do que estamos falando, aproveite o Bloomsday, data que comemora a obra do escritor James Joyce e que, ultrapassando seu universo, transformou-se numa grande celebração da arte e da vida.
O dia escolhido é o mote do romance Ulisses, obra central do escritor, lançado em 1922. Foi em 16 de junho que os personagens Stephen Dedalus e Leopoldo Bloom iriam, mais uma vez, cruzar a cidade de Dublin, na Irlanda do Norte. Enquanto tocam suas vidas comezinhas, os mais diversos sentimentos os atravessam, da vitória ao peso da traição.
"No livro, Joyce se propôs a concentrar num único dia todas as peripécias apresentadas na Odisseia, de Homero. Só que, ao invés de um herói, temos como protagonista Leopoldo Bloom, um judeu de origem húngara radicado na Irlanda que trabalha como agente publicitário, ou seja, uma pessoa comum. Nada de extraordinário ocorre no dia que se transcorre a narrativa, mas todas as emoções humanas estão de alguma maneira contidas em Bloom e nos demais personagens, seja em suas ações ou pensamentos", explica Marcelo Tápia, poeta, tradutor e diretor da Casa Guilherme de Almeida.
Apesar do autoexílio, Joyce utiliza histórias e hábitos da Irlanda nas suas obras
O escritor se valeu das mais diversas formas e estruturas para explorar esse universo, como paródias, piadas, inversões semânticas e, principalmente, fluxos de consciência. A estrutura por ele criada apresenta os pensamentos internos dos personagens atravessando os caminhos da narrativa e do mundo exterior onde ela se dá. A radicalidade da proposta, junto com passagens repletas de erotismo e de questões político-culturais, além de temas espinhosos como adultério, levaram à proibição do livro em diversos países. No entanto, o estrago já estava feito e Ulisses marcaria todos os demais romances posteriormente escritos, fazendo da obra uma referência universal.
Das prateleiras para a rua
Foi o próprio Joyce, junto com um grupo de amigos, que iniciou a celebração, escolhendo um pub para beber até o último cliente. O dia 16 de junho, aliás, tinha para ele uma importância além da obra: foi a data em que conheceu Nora Barnacle, mulher por quem se apaixonou e morou junto por toda a vida. À medida que a fama e a importância da obra se espalhavam pelo mundo, o Bloomsday passava a ser comemorado em outras cidades, ultrapassando os círculos letrados e ilustrados.
No Brasil, a celebração foi iniciada pelo poeta Haroldo de Campos, em 1988. O amigo Tápia relembra. "Começou como uma atividade da sociedade de amigos de Joyce, com a celebração num bar. A partir daí, o evento segue ininterrupto, alcançando a 24ª edição", diz o poeta, destacando que é o evento de maior longevidade da literatura nacional.
Foto: Divulgação
Atores interpretam passagens do livro em plena Avenida Paulista, na celebração de 2006
A fama de "difícil" é outro chamariz, segundo Tápia. "A dificuldade está mais em familiarizar com linguagem empregada, como os fluxos de consciência, que colocam os pensamentos no meio da narrativa. Talvez seja também pela primeira tradução brasileira, feito por Antônio Houassis. Tudo isso desperta curiosidade e faz da leitura é um desafio", complementa.
A ligação umbilical da obra com a cidade de Dublin, suas ruas e cenários, é outro motivo para a popularização, fazendo com que a celebração tome as ruas da cidade por quase um mês inteiro, e difundindo internacionalmente - junto com a celebração de Saint Patrick -cultura dos pubs, típica daquela região. E, como tudo em Joyce, ela transborda para outras cidades espalhadas pelo mundo, como São Paulo, Rio de Janeiro, Natal, Belo Horizonte, Curitiba e tantas outras que prestam homenagens à grandiosa obra, que receberá uma nova tradução nacional, a quarta, que será lançada pela Companhia das Letras no primeiro semestre de 2012.
Veja a programação nacional de eventos para celebrar o 16 de junho
E para festejar à irlandesa neste e nos demais dias, descubra o pub mais perto da sua casa
Atualizado em 6 Set 2011.