Os sócios Tibira (esq.) e Facundo, em ambiente do Volt, novo bar da dupla
Mesmo que você não seja de São Paulo, com certeza já deve ter ouvido falar no Baixo Augusta. Tradicional zona de baixo meretrício, a região se tornou o principal ponto de encontro entre o underground e (o que é tido como) o convencional da cidade. O que talvez você não saiba, é que um dos maiores responsáveis por essa transformação chama-se Vegas Club, que localizado entre inferninhos e bocas, foi uma das primeiras baladas a apostar neste circuito, atraindo um público formado por todo o tipo de gente, de patricinhas a travestis.
Após fechar um ciclo de festas históricas, boa música e casa lotada, os sócios Facundo Guerra e José Tibiriçá anunciaram o fechamento do Vegas, no final do ano passado. Antes que os primeiros órfãos começassem a aparecer, a dupla saiu das pistas para as mesas de boteco e abriu as portas de dois novos bares: o Volt e o Z Carniceria, inaugurados recentemente na região, apostando na mesma combinação de trilha sonora de qualidade e diversidade cultural. Confira na entrevista o que eles prepararam para as novas casas.
Guia da Semana: O Vegas foi um dos principais responsáveis pela formação do Baixa Augusta. O que vocês estão levando de lá para os bares?
Facundo: A gente aprendeu que não dá para abrir uma casa sem história. O importante é encontrar uma temática que amarre tudo que permeia o lugar. O nome do Vegas mesmo é uma brincadeira. O que tinha naquela época pela Augusta? Sexo, neon, drogas, bares e o dinheiro dos bingos. Era uma Las Vegas de pobre. O Z Carniceria era um açougue dos anos 50. Resgatamos o nome e montamos um bar de rock em cima da temática. O cara sabe que está entrando num lugar que tem personalidade, por mais que seja um devaneio meu e do Tibira. O Volt também é assim, cheio de neons, como na Augusta. A gente não abriria mais um bar com projeto arquitetônico carioca dos anos 40, 50 e temática de futebol...
Guia da Semana: Vir de uma balada de sucesso ajuda? As pessoas conhecem vocês na noite...
Tibira: Com certeza, conhecemos um monte de gente bacana. As pessoas sabem que na minha casa vão encontrar ar-condicionado, música boa... Mas a real é que São Paulo é muito grande, mas é carente de coisa bacana. O cara abre um boteco, pinta o chão de fosco, coloca uma mesinha no canto e acha que está bom.
Facundo: Por outro lado, agora a gente tem uma reputação. Não dá mais para abrir qualquer coisa. Os bares custaram três vezes mais que o Vegas em sua fase inicial. Era a síndrome do segundo disco. Não podia ser uma coisa meia-boca.
Guia da Semana: E qual é o conceito das casas novas?
Facundo: O Vegas sempre teve dois pilares, que são o nosso DNA. O do Tibira é o rock e o meu é a música eletrônica. É um casamento em casas separadas. O Vegas é um lugar onde a música de pista mais atual e o rock mais clássico convivem. Queríamos contar a história dessas músicas em ambientes menores. O Volt faz isso com o eletrônico que deu origem ao que ouvimos hoje, como Electro, Chicago, Detroit, Techhouse, Electro Holandês... O Z Carniceria faz o mesmo com o rock, tocando bluegrasss, rocakbilly, folk... O jeito que encontramos para isso funcionar foi a rádio online, que permite apostar em um estilo musical diferente a cada dia.
Foto: Carol Quintanilha
Z Carniceria: Instalado em um açougue dos anos 50
Guia da Semana: A rádio online não poderia prejudicar a qualidade da proposta musical? Perder aquela pegada do DJ?
Facundo: Não. O lugar do DJ é no clube. Mas vamos começar a fazer experiências com DJs remotos, como o Tim Sweeney, de Nova Iorque, por exemplo, que vai fazer um live set pela web.
Tibira: Você já viu um DJ num bar? Ele sempre fica meio perdido ali, quando o cara não é muito bom, não tem uma experiência... Acho que nesse caso, é mais legal o cara que é colecionador. É muito mais importante o cara que tem um set bom do que o que vira bem. Eu posso ligar para alguém com uma seleção fudida de ska e pedir para ele tocar isso. Não é nada bitolado.
Guia da Semana: O Vegas ficou conhecido por atrair um público muito eclético, do punk ao playboy. Qual é o segredo da boa convivência em um só lugar?
Facundo: A gente nunca diferenciou o público, nunca teve um camarote VIP, que fica o playboy destacado. Fazemos questão de ter uma boa porcentagem de gente com uma sexualidade diferente. O nosso host é gay. Se o playboy quiser aparecer, fazer biquinho, ele vai na Pink Elephant. Se ele for no Vegas ele vai ter que conviver com o gay, com o punk, com a trava. Procuramos trazer as pessoas com cabeça aberta, entre os playboys, as travas e os punks.
Guia da Semana: Mas com as novas propostas vocês não sentem receio de segmentarem o público? Ou a ideia é essa mesmo?
Facundo: A gente não consegue fazer isso. Entendemos de música, serviço e contar histórias. Vai de cada um se identificar ou não.
Tibira: Os gays que vão no Volt gostam do Z. Domingo mesmo tinha uma mesa cheia de bolachas caminhoneiras. Achei muito legal (risos). Eu gosto da mistura. Qual é a graça de ir num cheio de roqueiro topetudo parecido comigo?
Guia da Semana: E por quê continuaram na Augusta, em vez de investir em uma nova região?
Tibira: A gente nunca vai sair do centro. Depois que a gente abriu o Vegas, um monte de gente começou a abrir ponto. Foram sete casas, só aqui na rua: a Outs, o Boca, o Studio SP, o Santa Augusta, o Bar do Malandro, o Pub e o Inferno. Tirando o Studio, o que eles trouxeram à região? Sem contar que o bar é mais bacana, mais tranquilo, não tem aquela coisa de pegar o DJ no aeroporto e tudo mais. Além disso, nossos amigos já estão velhos e casados. Não tem mais paciência para balada.
Foto: Carol Quintanilha
Os neons do volt são uma homenagem às luzes da Augusta
Guia da Semana: Não voltam para a balada então?
Tibira e Facundo: Nãaaaoooo. Voltamos sim.
Guia da Semana: Qual é o grau de envolvimento que o proprietário precisa ter com a proposta da casa? O Facundo conseguiria abrir uma balada de rock, no lugar do Tibira, por exemplo?
Facundo: Não daria certo. Tem que estar na alma. Se o lugar não é uma materializção da personalidade da pessoa, não rola. Eu entro no sítio da minha mãe e já vejo a psique dela materializada naqueles miniduendes que ela tem. Se você não faz um projeto com verdade, do ponto de vista metafísico, ele não vira.
Guia da Semana: E como estão as casas novas? Algum projeto futuro?
Facundo: Os dois bares estão indo muito bem, lotando todos os dias. Acho que é um pouco do reflexo de toda a atenção midiática que tivemos. Gerou muita expectativa, mas todo mundo achou do caralho. Em relação aos novos projetos não vamos parar nunca. Essa nossa impulsividade dá certo. Sempre temos que quebrar um paradigma. A gente não tem esse perfil de empresário que fica com a barriga atrás da mesa, contando dinheiro.
Tibira: Se precisar limpar cinzeiro, ir para o bar... A gente não é playboy dono de boate, que fica na área vip com um monte de modelete, tomando champagne e jurando que é o rei da noite. Esse cara não acompanha. O que está lá não é o gosto dele. Acha a decoração legal porque é moderna e foi o escritório tal que fez. Mas não tem a alma dele lá.
Atualizado em 6 Set 2011.