Por Marjorie Ribeiro
Marco Antônio da Silva, 37 anos. É esse nome bem brasileiro que é um dos mais cobiçados para os picapes das grandes festas de eletro nos Estados Unidos, Inglaterra, Japão, Austrália, Cingapura e diversos outros países. A mais nova empreitada do paulistano nascido na Penha é ser o único nascido em terras tupiniquins a lançar uma compilação pelo badalado selo do clube de Londres, o Fabric - depois de discotecar por anos na casa - com o CD Fabric Live 55.
Com 20 anos de carreira, DJ Marky surge no radar global no fim dos anos 90, quando o jungle e o drum'n' bass - estilos mais elaborados e "quebrados" do eletrônico - e começaram a ganhar espaço renomado na cena club. No Brasil, já tocou em baladas lendárias como a Toco Dance Clube, a Lo.ve e foi destaque por nove anos consecutivos no Skolbeats, o maior festival nacional a céu aberto daqui. Mesmo que ainda hoje seja um dos DJ's mais famosos do país, é lá fora que ele passa a maior parte do seu tempo em turnês pelos cinco continentes.
Em entrevista ao Guia da Semana, DJ Marky critica a falta de diversidade nas noites de música eletrônica na terra natal, fala sobre o cenário atual do drum'n'bass e assume a preferência por discotecar em clubes menores pela liberdade de arriscar e não precisar tocar hits. Confira!
Guia da Semana: Quando e como começou a discotecar?
DJ Marky: A minha relação com a discotecagem começou muito cedo. Quando tinha uns dez anos, já fazia festinhas na minha casa, na dos amigos e na escola. Tínhamos uma equipe de som, eu levava os 3 em 1 e outro amigo fazia a iluminação. Era bem engraçado, muito legal essa época, nos matávamos para conseguir discos, tocava fita cassete e fita de rolo até que em 1986 comprei um toca disco. Tinha meu trampo e estudava, mas já procurava lugares para tocar. Nesse tempo, já aconteciam campeonatos de DJ's. Eu lembro que o primeiro que participei foi num clube em Guarulhos, chamado Casa do Som, e eu perdi. Depois entrei em diversos, como o da Showbusiness, uma casa noturna na Penha, que ganhei e passei a tocar lá.
Guia da Semana: O que você acha que mudou dessa época que começou a tocar para agora, no cenário da música eletrônica no Brasil?
DJ Marky: Mudou praticamente tudo, não querendo ser saudosista, mas as pessoas tinham mais garra, o DJ tinha que construir mixagens perfeitas, uma palavra e outra respondia, a festa tinha que ser interessante, não era só uma música em cima da outra. Tinha que saber improvisar, fazer um scratch no meio, incrementar, colocar, por exemplo, uma música e em cima e a capela de outra música mais ou menos no mesmo tempo, isso tudo para mim sempre foi importante. Hoje em dia, tem um programa, o Music In Key, que te dá a melodia e a mixagem já fica no mesmo tom. Eu sou uma pessoa que não preciso disso, nunca precisei, é uma coisa natural. Na época dos discos, muitas pessoas não tocavam porque é mais difícil mesmo.
Guia da Semana: E você é conhecido hoje em dia por só tocar com toca-discos...
DJ Marky: O toca-discos tem todo um glamour, para mim é uma paixão, eu não toco com CD e não tenho nada contra quem toca. Mas com o toca-disco é incrível o que você pode construir, eu acho que o CD é muito limitado, tudo depende da sua criatividade, mas eu nunca vi um DJ interessante que toque com CD fazer um som que me impressione. Vivemos uma fase que se você quer levar qualidade e música diferentes às pessoas, elas não estão tão interessadas como antes. Lembro quando comecei a tocar hardcore e uma iniciação do pré-jungle e pré-drum'n'bass... foi incrível, porque as pessoas começaram a se identificar e, no final, virou uma coisa gigantesca! É muito louco porque desde então eu nunca vi mais nada novo no mercado, seja house, techno ou dance music comercial. E quando você tenta fazer diferente, não te dão espaço, falta criatividade e DJ's que queiram fazer algo legal pela música.
Guia da Semana: Qual a diferença do cenário do drum'n' bass no Brasil e lá fora?
DJ Marky: A diferença é que lá fora tem, por exemplo, o clube Fabric, em Londres, com três pistas e que abre sexta, sábado e domingo. Toda sexta tem drum'n'bass; no sábado techno e house; no domingo, já é um tipo de música voltada ao público GLS. Ou seja, Londres, que, comparada a São Paulo é um ovo, tem uma grande variedade de música. Antes isso também existia aqui, até pouco tempo, a Lo.ve, que é um clube que toquei, na terça era GLS; quarta, trance; quinta, eu tocava, drum'n'bass; sexta, house; sábado, techno e domingo, hip hop. Então, havia essa variação de estilos musicais, que é do caralho! Aí você sai na noite hoje, e o que tem? House, house, house, house e house! Por mais que você seja, como no meu caso que sou um cara hiper mega ultra master valorizado lá fora, graças a Deus, é difícil arrumar um clube para tocar hoje em dia no Brasil, que queira dar espaço não só para mim, mas para outros DJ's de outros estilos musicais.
Guia da Semana: Mas você acredita que a cena do drum'n'bass, no geral, tem crescido no país?
DJ Marky: Tem crescido, as coisas estão melhorando, por muito tempo estávamos no mainstream, o que era legal, mas ao mesmo tempo não era. Porque quando você está no mainstream e depois você cai, é difícil voltar de novo. O mainstream nada mais é que a mídia te hypando, hypando e hypando, até chegar uma hora que não querem te hypar mais, é meio complicado. Mas eu tenho um olhar positivo, não só eu como o DJ Andy, o DJ Rush, o Critical Dub que estão fazendo várias festas na Argentina, Chile, Venezuela. A cena está crescendo como um todo, devagar, mas está crescendo.
Guia da Semana: Você está acostumado a tocar em diversos países, que vão dos Estados Unidos a Cingapura. Seu set list se adapta à cultura de cada um deles ou é o mesmo?
DJ Marky: Toco a mesma coisa, chegou lá e toco meu set. Vários jornalistas me perguntam, "ah o que você vai tocar hoje, o que está preparando?", eu sei lá que eu estou preparando, o cara que prepara não é profissional, porque não dá para saber o que as pessoas querem ouvir. Você tem que ir lá e surpreender e se surpreender, esse é o trabalho do bom disc-jockey, passar cultura, informação e diversão às pessoas. O meu sucesso não é parar o som e tocar uma música brasileira, vou lá e toco o meu som, o que eu acredito, e dá certo, sempre deu até agora.
Guia da Semana: Falando em música nacional, você acredita que seu som possui elementos que reforçam esse caráter brasileiro?
DJ Marky: A partir do momento que você está fazendo música você não precisa, só para falar que a música é brasileira, colocar reco-reco, tamborim e pandeiro, porque minha música não tem nada disso. Acho que o que está na minha música de brasileiro é minha alma, não faço música com a intenção de estourar, mas porque gosto.
Guia da Semana: Qual é a diferença de tocar em um festival grande e uma casa noturna pequena?
DJ Marky: Tocar num clube é mais legal porque é possível arriscar mais. No festival tem aquela obrigação de fazer milhares de pessoas dançarem, então terá que tocar hit, e uma coisa que eu não gosto é ter que tocar hit e ficar só nas músicas conhecidas, gosto de surpreender. Não que eu não goste de tocar em festivais, mas no clube você pode ousar, eu gosto mais.
Guia da Semana: Assumidamente apaixonado por disco, gostaria que você citasse alguns dos que você tem mais carinho da sua coleção.
DJ Marky: Sou um grande colecionador de discos, tenho cerca de 30 mil, é difícil escolher. E também não é porque toco música eletrônica que só tenho disco disso. Acho que os discos que tenho mais carinho são os importados e de edição limitada, como o Jorge Ben On Stage, que foi gravado no Japão e só saiu lá, que tenho duas cópias e vale muito dinheiro. O Som 3, que é um grupo do César Camargo Mariano, que eu adoro; o The Natural Four, um álbum de soul de 1974; e meus discos do James Brown.
Atualizado em 10 Abr 2012.