Guia da Semana

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Estava numa livraria folheando revistas. Ao meu lado, duas meninas, também a folhear páginas. Estavam numa prosa animada e logo percebi que não eram do Brasil. Uma delas tinha um visual oitentista, usava os famosos óculos de armação retangular, e era uma espécie de Cindy Lauper comportada e menos colorida. A outra, usava jeans surrado e uma blusa que mostrava o ombro direito, devidamente tatuado. Reparei que cada centímetro de seus corpos fora calculado, montado e cuidadosamente vestido como se a qualquer momento um fotógrafo pudesse sair por de trás das prateleiras de livros para começar um ensaio fotográfico ali mesmo. Sugestão para o ensaio: As revistas seriam jogadas no chão, feições insinuantes tomariam seus rostos, baldes de tintas coloridas seriam esparramados por todo o ambiente, suas bocas ficariam entreabertas e seus corpos começariam a se contorcer buscando posições cheias de atitude. Tudo igual às fotos das revistas que elas folheavam.

Deixando os devaneios, reparei que, se não fosse o idioma, jamais perceberia que eram de outro país. Afinal, eram duas garotas urbanas comuns e que poderiam ser vistas em qualquer esquina de São Paulo, saindo de qualquer locadora de vídeos ou ainda bêbadas e com a maquiagem borrada em qualquer balada da vida. Depois que saíram do meu lado, não contive a curiosidade e fui rapidamente folhear a revista que nelas havia causado tanto furor. Tratava-se de uma revista italiana, direcionada ao público jovem, de moda e música. Descobri que o jovem-urbano-metido-a-moderninho italiano gosta das mesmas coisas, ouve as mesmas músicas e se veste da mesma maneira que o jovem-urbano-metido-a-moderninho brasileiro. Se bem que os italianos ainda não descobriram o sambinha e Seu Jorge. Mas é tudo farinha do mesmo saco, por assim dizer.

Depois desta constatação, me perguntei se o mundo urbano estava realmente muito parecido. Descobri que não é só o jovem-urbano-metido-a-moderninho brasileiro que tem primo na Itália e no resto do mundo. O que falar dos playboys/metrosexuais? Não usam todos jeans caros com camisas e camisetas italianas. Não abusam do gel nos cabelos e das garrafas de vodka e champagne nos camarotes da Pacha pelo mundo? Não desejam todos os mesmos carros e as mesmas viagens? E as meninas aspirantes a Paris Hilton? Praga global! O que falar dos jovens banqueiros, dos publicitários, dos nerds, dos emos, dos universitários maconheiros, dos japoneses-de-cabelo-colorido-que-adoram-mangá?

Seriam tempos de padronização? Fomos enganados pelo capitalismo, que nos prometeu infinitas possibilidades e opções, mas acabamos todos parecidos? Viveríamos num limbo pós-moderno que despeja toda a história num grande liquidificador cultural e transforma tudo em catálogo? A internet criou um ser pós-humano, não preso ao tempo e ao espaço e com possibilidades infinitas de conhecimento? Este ser pós-humano constituiria a alma destes entes urbanos tão parecidos? Somos iguais porque usamos a internet ou usamos a internet porque somos iguais?

Tenho a impressão de que o mundo um dia se tornará um grande terminal de aeroporto, um não-lugar. Será um mundo grandioso, tecnológico, moderno e metálico. Um mundo sem referências reais e, por isso, impessoal e frio. E ainda que atravessássemos oceanos e continentes, teríamos a sensação de que não saímos do mesmo local.

Quem é o colunista: Ibrahim Estephan

O que faz: Cursa administração de empresas

Pecado gastronômico: quibe assado da minha avó libanesa

Melhor lugar de São Paulo: Minha casa

Fale com ele: [email protected]

Atualizado em 6 Set 2011.